Poemas sobre Vida

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Poemas de vida escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Escrevias pela Noite Fora

Escrevias pela noite fora. Olhava-te, olhava
o que ia ficando nas pausas entre cada
sorriso. Por ti mudei a razão das coisas,
faz de conta que não sei as coisas que não queres
que saiba, acabei por te pensar com crianças
à volta. Agora há prédios onde havia
laranjeiras e romãs no chão e as palavras
nem o sabem dizer, apenas apontam a rua
que foi comum, o quarto estreito. Um livro
é suficiente neste passeio. Quando não escreves
estás a ler e ao lado das árvores o silêncio
é maior. Decerto te digo o que penso
baixando a cabeça e tu respondes sempre
com a cabeça inclinada e o fumo suspenso
no ar. As verdades nunca se disseram. Queria
prender-te, tornar a perder-te, achar-te
assim por acaso no meu dia livre a meio
da semana. Mantêm-se as causas iguais
das pequenas alegrias, longe da alegria, a rotina
dos sorrisos vem de nenhum vício. Este abandono
custa. Porque estou contigo e me deixas
a tua imagem passa pelas noites sem sono,
está aqui a cadeira em que te sentaste
a escrever lendo.

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Velho Cego, Choravas

Velho cego, choravas quando a tua vida
era boa, e tinhas em teus olhos o sol:
mas se tens já o silêncio, o que é que tu esperas,
o que é que esperas, cego, que esperas da dor?

No teu canto pareces um menino que nascera
sem pés para a terra e sem olhos para o mar
como os das bestas que por dentro da noite cega
– sem dia ou crepúsculo – se cansam de esperar.

Porque se conheces o caminho que leva
em dois ou três minutos até à vida nova,
velho cego, que esperas, que podes esperar?

Se pela mais torpe amargura do destino,
animal velho e cego, não sabes o caminho,
eu que tenho dois olhos to posso ensinar.

Tradução de Rui Lage

O Teu Riso

Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas
não me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a flor de espiga que desfias,
a água que de súbito
jorra na tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
por vezes com os olhos
cansados de terem visto
a terra que não muda,
mas quando o teu riso entra
sobe ao céu à minha procura
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, na hora
mais obscura desfia
o teu riso, e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

Perto do mar no outono,
o teu riso deve erguer
a sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero o teu riso como
a flor que eu esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,

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O povo manda no rio

Aqui estou, doido de gaivotas, no sítio onde
O povo manda no rio, aqui estou
Com Annie nas margens do bucólico rio Almançor.
Agora conheço, sabemos o peso do trigo,
Somos, não, sou, perdão,
Não quero ser perito em almas (em ervas),
Seremos somente, não, serei mestre em cores
E venenos.
Annie, não deixes que o tempo envelheça
Sobre os teus lábios
Que encobrem o mistério mais audaz da minha vida.

É o virar do Verão,
O acrobático cair dos gladíolos.

Todos os venenos estão contados,
Menos aqui onde o povo manda no rio Almançor:
Vieram as alfaias, os punhos de terra ocra
E na terra em sangue, entre o basalto que
Não há e os pássaros, entre as charruas vedras,
O povo mudou o trajecto das águas,
E as águas, Annie, já não são corruptas:
Cheiram a corpo descalço e a mel,
Cheiram a pão.

Vida Toda Linguagem

Vida toda linguagem,
frase perfeita sempre, talvez verso,
geralmente sem qualquer adjectivo,
coluna sem ornamento, geralmente partida.

Vida toda linguagem,
há entretanto um verbo, um verbo sempre, e um nome
aqui, ali, assegurando a perfeição
eterna do período, talvez verso,
talvez interjectivo, verso, verso.
Vida toda linguagem,
feto sugando em língua compassiva
o sangue que criança espalhará — oh metáfora activa!
leite jorrado em fonte adolescente,
sémen de homens maduros, verbo, verbo.
Vida toda linguagem,
bem o conhecem velhos que repetem,
contra negras janelas, cintilantes imagens
que lhes estrelam turvas trajectórias.
Vida toda linguagem —
como todos sabemos
conjugar esses verbos, nomear
esses nomes:
amar, fazer, destruir,
homem, mulher e besta, diabo e anjo
e deus talvez, e nada.
Vida toda linguagem,
vida sempre perfeita,
imperfeitos somente os vocábulos mortos
com que um homem jovem, nos terraços do inverno, contra
[a chuva,
tenta fazê-la eterna — como se lhe faltasse
outra, imortal sintaxe
à vida que é perfeita
língua
eterna.

Um Beijo

Foste o beijo melhor da minha vida,
ou talvez o pior…Glória e tormento,
contigo à luz subi do firmamento,
contigo fui pela infernal descida!
Morreste, e o meu desejo não te olvida:
queimas-me o sangue, enches-me o pensamento,
e do teu gosto amargo me alimento,
e rolo-te na boca malferida.
Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo,
batismo e extrema-unção, naquele instante
por que, feliz, eu não morri contigo?
Sinto-me o ardor, e o crepitar te escuto,
beijo divino! e anseio delirante,
na perpétua saudade de um minuto….

Lúcia

(Alfred de Musset)

Nós estávamos sós; era de noite;
Ela curvara a fronte, e a mão formosa,
Na embriaguez da cisma,
Tênue deixava errar sobre o teclado;
Era um murmúrio; parecia a nota
De aura longínqua a resvalar nas balsas
E temendo acordar a ave no bosque;
Em torno respiravam as boninas
Das noites belas as volúpias mornas;
Do parque os castanheiros e os carvalhos
Brando embalavam orvalhados ramos;
Ouvíamos a noite, entre-fechada,
A rasgada janela
Deixava entrar da primavera os bálsamos;
A várzea estava erma e o vento mudo;
Na embriaguez da cisma a sós estávamos
E tínhamos quinze anos!

Lúcia era loura e pálida;
Nunca o mais puro azul de um céu profundo
Em olhos mais suaves refletiu-se.
Eu me perdia na beleza dela,
E aquele amor com que eu a amava – e tanto ! –
Era assim de um irmão o afeto casto,
Tanto pudor nessa criatura havia!

Nem um som despertava em nossos lábios;
Ela deixou as suas mãos nas minhas;
Tíbia sombra dormia-lhe na fronte,

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Ode ao Amor

Tão lentamente, como alheio, o excesso de desejo,
atento o olhar a outros movimentos,
de contacto a contacto, em sereno anseio, leve toque,
obscuro sexo á flor da pele sob o entreaberto
de roupas soerguidas, vibração ligeira, sinal puro
e vago ainda, e súbito contrai-se,
mais não é excesso, ondeia em síncopes e golpes
no interior da carne, as pernas se distendem,
dobram-se, o nariz se afila, adeja, as mãos,
dedos esguios escorrendo trémulos
e um sorriso irónico, violentos gestos,
amor…
ah tu, senhor da sombra e da ilusão sombria,
vida sem gosto, corpo sem rosto, amor sem fruto,
imagem sempre morta ao dealbar da aurora
e do abrir dos olhos, do sentir memória, do pensar na vida,
fuga perpétua, demorado espasmo, distração no auge,
cansaço e caridade pelo desejo alheio,
raiva contida, ódio sem sexo, unhas e dentes,
despedaçar, rasgar, tocar na dor ignota,
hesitação, vertigem, pressa arrependida,
insuportável triturar, deslize amargo,
tremor, ranger, arcos, soluços, palpitar e queda.

Distantemente uma alegria foi,
imensa, já tranquila, apascentando orvalhos,
de contacto a contacto, ansiosamente serenando,

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Abre-me as Portas, Mãe

Abre-me as portas, mãe, enquanto as estrelas
buscam em mim agora a treva infinda,
sem luz alguma no meu olhar a vê-las
nessa cegueira a ser da altura vinda.
Assim, mãe, invado tua noite, a sabê-las
eternamente em pó na luz que é finda
só para mim, que vou comigo pelas
manhãs nascendo todas cegas ainda.
Como fazê-las ser de novo vivas?
Como, se nunca delas fui um conviva
às vidas feitas festas para as vistas?
Para arrancá-las da morte onde as pus,
quero essa noite, ó mãe, roubada à luz
do céu que, embora cega, tu conquistas.

Cantar de Amigo

O claro pão
que repartimos
dá-nos um título:
companheiros.

A indagação
que aprofundamos
faz de nós, artesãos,
camaradas.

O olhar sem visgo,
a voz precisa,
o gesto mundo,
eis-nos: amigos.

Quantos, que marcham pela vida
como quem carrega uma estrada,
terão amigo, companheiro e camarada?

Contra a Morte e o Amor não Há Quem Tenha Valia

Era ainda o mês de abril,
de maio antes um dia,
quando lírios e rosas
mostram mais sua alegria;
pela noite mais serena
que fazer o céu podia,
quando Flérida, a formosa
infanta, já se partia,
ela na horta do pai
para as árvores dizia:
“Ficai, adeus, minhas flores,
em que glória ver soía.
Vou-me a terras estrangeiras,
a que ventura me guia.
Se meu pai me for buscar,
que grande bem me queria,
digam-lhe que amor me leva,
e que eu sem culpa o seguia;
que tanto por mim porfiava
que venceu sua porfia.
Triste, não sei aonde vou,
e a mim ninguém o dizia!”
Eis que fala Dom Duardos:
“Não choreis, minha alegria,
que nos reinos de Inglaterra
mais claras águas havia,
e mais formosos jardins,
e vossos, senhora, um dia:
tereis trezentas donzelas
de alta genealogia,
de prata são os palácios
para vossa senhoria;
de esmeraldas e jacintos,
de ouro fino da Turquia,
com letreiros esmaltados
que minha vida à porfia
vão contando,

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Vida Sempre

Entre a vida e a morte há apenas
o simples fenómeno
de uma subtil transformação. A morte
não é morte da vida.
A morte não é inação, inutilidade.
A morte é apenas a face obscura,
mínima, em gestação
de uma viagem que não cessa de ser. Aventura
prolongada
desde o porão do tempo. Projectando-se
nas naves inconcebíveis do futuro.

A morte não é morte da vida: apenas
novas formas de vida. Nova
utilidade. Outro papel a desempenhar
no palco velocíssimo do mundo. Novo ser-se (comércio
do pó) e não se pertencer.
Nova claridade, respiração, naufrágio
na maquina incomparável do universo.

Tenho Amor, sem Ter Amores

MOTE E GLOSA

Tenho amor, sem ter amores.

GLOSAS

Este mal que não tem cura,
Este bem que me arrebata,
Este rigor que me mata,
Esta entendida loucura
É mal e é bem que me apura;
Se equivocando os rigores
Da fortuna aos favores,
É remédio em caso tal
Dar por resposta ao meu mal:
Tenho amor, sem ter amores.
É fogo, é incêndio, é raio,
Este, que em penosa calma,
Sendo do meu peito alma,
De minha vida é desmaio:
E pois em moral ensaio
Da dor padeço os rigores,
Pergunta em tristes clamores
A causa da minha aflição,
Respondeu o coração:
Tenho amor, sem ter amores.

Já não posso ser contente

Já não posso ser contente,
Tenho a esperança perdida,
Ando perdido entre a gente,
Nem morro, nem tenho vida.

Prazeres que tenho visto
Onde se foram, que é deles,
Fora-se a vida com eles
Não ma vira agora nisto,
Vejo-me andar entre a gente
Como coisa esquecida,
Eu triste, outrém contente,
Eu sem vida, outrém com vida.

Vieram os desenganos,
Acabaram os receios;
Agora choro meus danos,
E mais choro bens alheios;
Passou o tempo contente,
E passou tão de corrida,
Que me deixou entre a gente
Sem esperança de vida.

Recordação

E tu esperas, aguardas a única coisa
que aumentaria infinitamente a tua vida;
o poderoso, o extraordinário,
o despertar das pedras,
os abismos com que te deparas.

Nas estantes brilham
os volumes em castanho e ouro;
e tu pensas em países viajados,
em quadros, nas vestes
de mulheres encontradas e já perdidas.

E então de súbito sabes: era isso.
Ergues-te e diante de ti estão
angústia e forma e oração
de certo ano que passou.

Tradução de Maria João Costa Pereira

Ode ao Destino

Destino: desisti, regresso, aqui me tens.

Em vão tentei quebrar o círculo mágico
das tuas coincidências, dos teus sinais, das ameaças,
do recolher felino das tuas unhas retracteis
– ah então, no silêncio tranquilo, eu me encolhia ansioso
esperando já sentir o próximo golpe inesperado.

Em vão tentei não conhecer-te, não notar
como tudo se ordenava, como as pessoas e as coisas chegavam
que eu, de soslaio, e disfarçando, observava                               [em bandos,
pura conter as palavras, as minhas e as dos outros,
para dominar a tempo um gesto de amizade inoportuna.

Eu sabia, sabia, e procurei esconder-te,
afogar-te em sistemas, em esperanças, em audácias;
descendo à fé só em mim próprio, até busquei
sentir-te imenso, exacto, magnânimo,
único mistério de um mundo cujo mistério eras tu.

Lei universal que a sem-razão constrói,
de um Deus ínvio caminho, capricho dos Deuses,
soberana essência do real anterior a tudo,
Providência, Acaso, falta de vontade minha,
superstição, metafísica barata, medo infantil, loucura,
complexos variados mais ou menos freudianos,
contradição ridícula não superada pelo menino burguês,
educação falhada,

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Canto Esponjoso

Bela
esta manhã sem carência de mito,
E mel sorvido sem blasfémia.

Bela
esta manhã ou outra possível,
esta vida ou outra invenção,
sem, na sombra, fantasmas.

Umidade de areia adere ao pé.
Engulo o mar, que me engole.
Valvas, curvos pensamentos, matizes da luz
azul
completa
sobre formas constituídas.

Bela
a passagem do corpo, sua fusão
no corpo geral do mundo.
Vontade de cantar. Mas tão absoluta
que me calo, repleto.

São Plácidas Todas as Horas que Nós Perdemos

Mestre, são plácidas
Todas as horas
Que nós perdemos,
Se no perdê-las,
Qual numa jarra,
Nós pomos flores.

Não há tristezas
Nem alegrias
Na nossa vida.
Assim saibamos,
Sábios incautos,
Não a viver,

Mas decorrê-la,
Tranquilos, plácidos,
Lendo as crianças
Por nossas mestras,
E os olhos cheios
De Natureza…

À beira-rio,
À beira-estrada,
Conforme calha,
Sempre no mesmo
Leve descanso
De estar vivendo.

O tempo passa,
Não nos diz nada.
Envelhecemos.
Saibamos, quase
Maliciosos,
Sentir-nos ir.

Não vale a pena
Fazer um gesto.
Não se resiste
Ao deus atroz
Que os próprios filhos
Devora sempre.

Colhamos flores.
Molhemos leves
As nossas mãos
Nos rios calmos,
Para aprendermos
Calma também.

Girassóis sempre
Fitando o sol,
Da vida iremos
Tranqüilos, tendo
Nem o remorso
De ter vivido.

Poeminha Compensatório

Amigas, venham todas
Tragam o sal, o sol, o som, a vida,
O riso, a onda.
Eu sou o Cavalheiro da Triste Figura
Mas tenho uma bela Távola Redonda

Saio sempre do cinema
Com o sentimento desagradável
De que, se não houvesse lido a
Crítica, teria sido formidável!

O Casulo

No casulo:
uma mesa quatro cinco estantes
livros por centenas ou milhares
tijolos de papel onde as traças
acasalam e o caruncho espreita
sólidas muralhas de elvezires onde
a rua não penetra
uma máquina de escrever olivetti
com a tinta acumulada nas letras mais redondas
cachimbos barros estanhos medalhas fotos
bonecos marafonas lembranças
retratos alguns gente ida ou vinda
gorros usbeques gorros bailundos leques
japoneses arpões açorianos sinos de não sei donde
ou sei esperem sinos da tróica em natais nocturnos
marfins africanos óleos desenhos calendários
feitiços da Baía a mão a fazer figas
tudo do melhor contra raios coriscos mau olhado
retratos dizia Jorge o de Salvador Júlio o da Morgadinha
Berglin o cientista Kostas o dramaturgo
e outros e outros
Afonso Duarte o das ossadas pórtico
destas lamúrias o sorriso sibilino e rugoso
que matou no Nemésio o bicho harmonioso
mais de agora o Umberto Eco barbudo
a filtrar-me com medievismo os gestos tontos
e outros e outros
suecos brasileiros romenos gregos
e ainda aqueles em que a Zita foi escrevendo
a minha sina de andarilho
Tolstoi patrono obcecante um pastor a tocar
pífaro algures nos Balcãs sinais da Bulgária da Polónia
da Finlândia sinais de tantas partes onde
fui um outro de biografia aberrante
sinais da minha terra também
a minha de verdade e não as outras
a que chamam minhas por distraído palpite
o Lima de Freitas num candeeiro alumiando
a mulher verde-azul em casas assombrada
mestre Marques d’Oliveira num esquisso
de alto coturno a carta de Abel Salazar
que o sol foi comendo não se lendo já
o que a censura omitiu
aqui a China também representada
um ícone de Sófia as plácidas cabras
do Calasans o tinteiro de quando
se usavam plumas roubaram-se o missal do Cicogna
um almofariz para esferográficas furta-cores
a caixa de madeira floreada veio da Rússia
deu-ma a Tatiana sob promessa (cumprida)
de a pôr bem em frente das minhas divagações
anémonas nórdicas da Anne
miosótis búlgaros da Rumiana
o poster é alemão Friede den Kindern
nunca pedi a ninguém a decifração
dois horóscopos face a face
cangaceiros nordestinos
o menino ajoelhado do Tó Zé
num gesso já sem braços nem rosto
objectos objectos o pote tem as armas de não lembro
[quem
embora o nome que venha por de cima
seja o meu e eu também no óleo carrancudo
do Zé Lima há um ror de anos
melhor não saber quantos
o molde para o bronze é um perfil onde
desenganadamente me reconheço
tanta bugiganga tanto bazar tanto papel
branco ou impresso uma faca para
apunhalar alguém a cassete de poesias na voz
da Maria Vitorino as esculturas astecas
do Miguel medalhas medalhas outra vez lembranças
agendas sem préstimo canetas gastas mais papéis
letras miúdas ou letras farfalhudas
depende da ocasião
um livro de filigrana
as paredes mal se vêem estantes copiosas já disse
quadros em demasia e ainda
as rendas de minha mãe em molduras destoadas
ela no retrato de cenho descontente
fitando-me até ao miolo dos desvairos
o bordão de régulo justiceiro
obliquando no trono de cactos
amuletos africanos o mata-borrão que foi
de um pide deu-mo o fuzileiro no pós-Abril
uma bela cabeça de mulher do João Fragoso
jarras de sacristia candeias de cobre
sem pavio um samovar de madeira um samurai de
[veludo
os painéis de São Vicente em miniatura
a áurea trombeta do troféu lusíada
de parceria com o Manuel Cargaleiro
áureos pesados troféus o marasmo branco
de Pavia na tela sem idade
livros livros os correios não páram
de mos trazer para maior sufocação
cartas a granel por responder relógio não há mas ouço-o
sem falhar um segundo há cordas cordões medalhas
[medalhões
armas lauréis proibições
perfumes em minaretes levantinos.

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