Nas Altas Torres
Nas altas torres do corpo
todas as horas cantavam.
Eu quis ficar mais um pouco
como se um campo de potros
espantasse a madrugada.Eu quis ficar mais um pouco
e o teu corpo e o meu tocavam
inquietudes, caminhos,
noites, nĂșmeros, datas.Nas altas torres do corpo
eu quis ficar mais um pouco
e o silĂȘncio nĂŁo deixava.
ConjugĂĄmos mĂŁos e peitos
no mesmo leito, trançados;
eis que surgiu outro peito,
o do tempo atravessado.Eu quis ficar mais um pouco
e o teu corpo se iniciava
na liturgia do vento,
lenta e veloz como enxada.
Era a semente batendo,
era a estrela debulhada.Nas altas torres do corpo,
quis ficar. Amanhecia.
Todos os pombos voavam
das altas torres do corpo.
As horas resplandeciam.
Passagens sobre Pombos
19 resultadosCom cartas brancas, senhor cĂŽnsul solta Pombos de papel.
Chuva E Sol
Agrada Ă vista e Ă fantasia agrada
Ver-te, através do prisma de diamantes
Da chuva, assim ferida e atravessada
Do sol pelos venĂĄbulos radiantes…Vais e molhas-te, embora os pĂ©s levantes:
– Par de pombos, que a ponta delicada
Dos bicos metem nĂĄgua e, doidejantes,
Bebem nos regos cheios da calçada…Vais, e, apesar do guarda-chuva aberto,
Borrifando-te colmam-te as goteiras
De pérolas o manto mal coberto;E estrelas mil cravejam-te, fagueiras,
Estrelas falsas, mas que assim de perto,
Rutilam tanto, como as verdadeiras…
Meu Bebé para Dar Dentadas
Meu Bebé pequeno e rabino:
CĂĄ estou em casa, sozinho, salvo o intelectual que estĂĄ pondo o papel nas paredes (pudera! havia de ser no tecto ou no chĂŁo!); e esse nĂŁo conta. E, conforme prometi, vou escrever ao meu Bebezinho para lhe dizer, pelo menos, que ela Ă© muito mĂĄ, excepto numa cousa, que Ă© na arte de fingir, em que vejo que Ă© mestra.
Sabes? Estou-te escrevendo mas «nĂŁo estou pensando em ti». Estou pensando nas saudades que tenho do meu tempo da «caça aos pombos»; e isto Ă© uma cousa, como tu sabes, com que tu nĂŁo tens nada…
Foi agradĂĄvel hoje o nosso passeio â nĂŁo foi? Tu estavas bem-disposta, e eu estava bem-disposto, e o dia estava bem-disposto tambĂ©m. (O meu amigo, Sr. A.A. Crosse estĂĄ de saĂșde â uma libra de saĂșde por enquanto, o bastante para nĂŁo estar constipado.)
NĂŁo te admires de a minha letra ser um pouco esquisita. HĂĄ para isso duas razĂ”es. A primeira Ă© a de este papel (o Ășnico acessĂvel agora) ser muito corredio, e a pena passar por ele muito depressa; a segunda Ă© a de eu ter descoberto aqui em casa um vinho do Porto esplĂȘndido,
Eu Planto no Teu Corpo
Como se arrasta no sol morno um verme
Por sobre a polpa de uma fruta, eu durmo
A tua carne e sinto o teu contorno
Entre os meus braços como um fruto morno.E a minha boca sobre a pele, um verme,
Vai percorrendo o teu sorriso, e torno
Ao longo do nariz, depois contorno
Os teus olhos fechados por querer-me.E desço o teu pescoço, feito um mono,
Para os teus seios mornos, como um verme
Por sobre os frutos prontos para o tombo.Vertendo a unção da morte nos teus membros,
E estremecendo numa cruz de febre,
Eu planto no teu corpo a flor de um pombo.
Amor Comparado
Queres ter uma ideia do amor, vĂȘ os pardais do teu jardim; vĂȘ os teus pombos; contempla o touro que se leva Ă tua vitela; olha esse orgulhoso cavalo que dois valetes teus conduzem Ă Ă©gua em paz que o espera, e que desvia a cauda para recebĂȘ-lo; vĂȘ como os seus olhos cintilam; ouve os seus relinchos; contempla os seus saltos, camabalhotas, orelhas eriçadas, boca que se abre com pequenas convulsĂ”es, narinas que se inflam, sopro inflamado que delas sai, crinas que se revolvem e flutuam, movimento imperioso com o qual o cavalo se lança para o objecto que a natureza lhe destinou; mas nĂŁo tenhas inveja, e pensa nas vantagens da espĂ©cie humana: elas compensam com amor todas as que a natureza deu aos animais, força, beleza, ligeireza, rapidez. HĂĄ atĂ© mesmo animais que nĂŁo sabem o que Ă© o gozo. Os peixes escamados sĂŁo privados dessa doçura: a fĂȘmea lança no lodo milhĂ”es de ovos; o macho que os encontra passa sobre eles e fecunda-os com a sua semente, sem saber a que fĂȘmea eles pertencem. A maior parte dos animais que copulam sĂł tĂȘm prazer por um sentido; e, assim que esse apetite Ă© satisfeito, tudo se extingue.
Com jeito voyeur da soleira da janela um pombo me espia.
Soneto a Vera
Estavas sempre aqui, nesta paisagem.
E nela permaneces, neste assombro
do tempo que sĂł Ă© o que jĂĄ fomos,
um céu parado sobre o mar do instante.Vives subitamente em despedida,
calma de sonhos, simples visitante
daquilo que te cerca e do que fica
imĂłvel no que Ă© breve, pouco e humano.As regatas ao sol vĂȘm da penumbra
onde abria as janelas. E de entĂŁo,
vou ao campo de trevo, Ă tua espera.O que passa persiste no que tenho:
a roupa no estendal, o muro, os pombos,
tudo Ă© eterno quando nĂłs o vemos.
princĂpio do prazer
Ă sua volta os pombos cor de lava
nos arabescos pretos do basalto
e gente, muita gente que passava
e se detinha a olhĂĄ-la em sobressaltono seu olhar havia uma promessa
nos seus quadris dançava um desafio
num relance de barco mas sem pressa
que fosse ao sol-poente pelo riotrazia nos cabelos um perfume
a derramar-se em praias de alabastro
e um brilho mais sombrio quase lume
de fogo-fĂĄtuo a coroar um mastroseu porte altivo punha Ă vista o puro
princĂpio do prazer que caminhava
carnal e nobre e lĂșcido e seguro
com qualquer coisa de uma orquĂdea bravae nas ruas da baixa pombalina
sua blusa encarnada era a bandeira
e o grito da revolta na retina
de quem fosse atrĂĄs dela a vida inteira.
Um pombo no mar traz ao bico verde ramo: terra Ă vista?
Funeral Blues
Parem todos os relĂłgios, desliguem o telefone,
Evitem o latido do cĂŁo com um osso suculento,
Silenciem os pianos e com tambores lentos
Tragam o caixĂŁo, deixem que o luto chore.Deixem que os aviĂ”es voem em cĂrculos altos
Riscando no céu a mensagem: Ele Estå Morto,
Ponham gravatas beges no pescoço dos pombos brancos do chão,
Deixem que os polĂcias de trĂąnsito usem luvas pretas de algodĂŁo.Ele era o meu Norte, o meu Sul, o meu Leste e Oeste,
A minha semana Ăștil e o meu domingo inerte,
O meu meio-dia, a minha meia-noite, a minha canção, a minha fala,
Achei que o amor fosse para sempre: Eu estava errado.As estrelas nĂŁo sĂŁo necessĂĄrias: retirem cada uma delas;
Empacotem a lua e façam o sol desmanchar;
Esvaziem o oceano e varram as florestas;
Pois nada no momento pode algum bem causar.
Ă Minha Felicidade
Revejo os pombos de SĂŁo Marcos:
A praça estå silenciosa; ali se repousa a manhã.
Indolentemente envio os meus cantos para o seio da suave
frescura,
Como enxames de pombos para o azul
Depois torno a chamĂĄ-los
Para prender mais uma rima Ă s suas penas.
â Ă minha felicidade! Ă minha felicidade!Calmo cĂ©u, cĂ©u azul-claro, cĂ©u de seda,
Planas, protector, sobre o edifĂcio multicor
De que gosto, que digo eu?… Que receio, que invejo…
Como seria feliz bebendo-lhe a alma!
Alguma vez lha devolveria?
NĂŁo, nĂŁo falemos disso, Ăł maravilha dos olhos!
â Ă minha felicidade! Ă minha felicidade!Severa torre, que impulso leonino
Te levantou ali, triunfante e sem custo!
Dominas a praça com o som profundo dos teus sinos…
Serias, em francĂȘs, o seu «accent aigu»!
Se, como tu, eu ficasse aqui,
Saberia a seda que me prende…
â Ă minha felicidade! Ă minha felicidade!Afasta-te, mĂșsica. Deixa primeiro as sombras engrossar
E crescer até à noite escura e tépida.
Ă ainda muito cedo para ti, os teus arabescos de ouro
Ainda nĂŁo cintilam no seu esplendor de rosa;
Soneto De Roma
Felizes os que chegam de mĂŁos dadas
como se fosse o instante da partida
e entre as fontes que jorram a ĂĄgua clĂĄssica
dĂŁo em silĂȘncio adeus Ă claridade.No dourado crepĂșsculo da tarde
o que nos dividiu agora Ă© soma
e a vida que te dei e que me deste
voa entre os pombos no fulgor de Roma.Todo fim é começo. A ågua da vida
eterna e musical sustenta o instante
que triunfa da morte nas ruĂnas.Como o verĂŁo sucede Ă neve fria
um sol final aquece o nosso amor,
devolução da aurora e luz do dia.
Vivemos numa Paz de Animais Domésticos
Uma cobra de ågua numa poça do choupal, a gozar o resto destes calores, e umas meninas histéricas aos gritinhos, cheias de saber que o bicho era tão inofensivo como uma folha.
Por fidelidade a um mandato profundo, o nosso instinto, diante de certos factos, ainda quer reagir. Mas logo a razĂŁo acode, e o uivo do plasma acaba num cacarejo convencional. Todos os tratados e todos os preceptores nos explicaram jĂĄ quantas espĂ©cies de ofĂdios existem e o soro que neutraliza a mordedura de cada um. Herdamos um mundo jĂĄ quase decifrado, e sabemos de cor as ervas que nĂŁo devemos comer e as feras que nos nĂŁo podem devorar. Vivemos numa paz de animais domĂ©sticos, vacinados, com os dentes caninos a trincar pastĂ©is de nata, tendo aos pĂ©s, submissos, os antigos pesadelos da nossa ignorĂąncia. Passamos pela terra como espectros, indo aos jardins zoolĂłgicos e botĂąnicos ver, pacata e sĂ biamente, em jaulas e canteiros, o que jĂĄ foi perigo e mistĂ©rio. E, por mais que nos custe, nĂŁo conseguimos captar a alma do brinquedo esventrado. O homem selvagem, que teve de escolher tudo, de separar o trigo do joio, de mondar dos seus reflexos o que era manso e o que era bravo,
Natal
Perguntei pelo Natal,
indicaram-me os rochedos.
Subi a altas montanhas,
sĂł trouxe sustos e medos.Um mendigo, previdente,
avisou-me: o Natal
fica na quilha de um barco
que ainda nem Ă© pinhal.E minha avĂł, mondadeira
do trigal que eu nunca tive,
dizia desta maneira:
â Ă dentro desta ribeira,
tecendo os bunhos da esteira,
que o Natal, em brasas, vive.O vento nada sabia
e a noite, irada, afirmava
que o Natal Ă© o meio-dia
de uma noite inacabada.Li poemas, li romances,
mondei sonetos na horta:
Do Natal, sĂł as nuances
da fome a rondar a porta.Até que um dia, ó milagre,
levado pelo coração,
toquei teus seios redondos
– brancas rolas, rĂłseos pombos –
e tive o Natal na mĂŁo!
Ă uma cidade suja [Paris]. HĂĄ pombos e pĂĄtios escuros. As pessoas tĂȘm a pele branca.
Ăguias nĂŁo dĂŁo pombos.
Cantares Bacantes IV
SĂŁo Mateus bebo teu verbo
conjugado na tintura,
semi-breve partitura
na regĂȘncia d’um Efebo.Ocarina chora uvas
esmagadas no sermĂŁo,
e esconde no coração
gotas vermelhas de chuvas.Um pombo pousa na taça
evangelho vivo de asas:
traz ao bico, verde salsa.A boa nova rascante
que me entra pela boca
doce beijo da amante.
Acordar na Rua do Mundo
madrugada, passos soltos de gente que saiu
com destino certo e sem destino aos tombos
no meu quarto cai o som depois
a luz. ninguém sabe o que vai
por esse mundo. que dia Ă© hoje?
soa o sino sĂłlido as horas. os pombos
alisam as penas, no meu quarto cai o pĂł.um cano rebentou junto ao passeio.
um pombo morto foi na enxurrada
junto com as folhas dum jornal jĂĄ lido.
impera o declive
um carro foi-se abaixo
portas duplas fecham
no ovo do sono a nossa gema.sirenes e buzinas, ainda ninguém via satélite
sabe ao certo o que aconteceu, estragou-se o alarme
da joalharia, os lençóis na corda
abanam os prédios, pombos debicamo azul dos azulejos, assoma à janela
quem acordou. o alarme nĂŁo pĂĄra o sangue
desavĂ©m-se. nĂŁo veio via satĂ©lite a querida imagem o vĂdeo
nĂŁo gravoue duma varanda um pingo cai
de um vaso salpicando o fato do bancĂĄrio