Passagens sobre Pombos

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Frases sobre pombos, poemas sobre pombos e outras passagens sobre pombos para ler e compartilhar. Leia as melhores citaçÔes em Poetris.

É uma cidade suja [Paris]. HĂĄ pombos e pĂĄtios escuros. As pessoas tĂȘm a pele branca.

Cantares Bacantes IV

SĂŁo Mateus bebo teu verbo
conjugado na tintura,
semi-breve partitura
na regĂȘncia d’um Efebo.

Ocarina chora uvas
esmagadas no sermĂŁo,
e esconde no coração
gotas vermelhas de chuvas.

Um pombo pousa na taça
evangelho vivo de asas:
traz ao bico, verde salsa.

A boa nova rascante
que me entra pela boca
doce beijo da amante.

Acordar na Rua do Mundo

madrugada, passos soltos de gente que saiu
com destino certo e sem destino aos tombos
no meu quarto cai o som depois
a luz. ninguém sabe o que vai
por esse mundo. que dia Ă© hoje?
soa o sino sĂłlido as horas. os pombos
alisam as penas, no meu quarto cai o pĂł.

um cano rebentou junto ao passeio.
um pombo morto foi na enxurrada
junto com as folhas dum jornal jĂĄ lido.
impera o declive
um carro foi-se abaixo
portas duplas fecham
no ovo do sono a nossa gema.

sirenes e buzinas, ainda ninguém via satélite
sabe ao certo o que aconteceu, estragou-se o alarme
da joalharia, os lençóis na corda
abanam os prédios, pombos debicam

o azul dos azulejos, assoma Ă  janela
quem acordou. o alarme nĂŁo pĂĄra o sangue
desavém-se. não veio via satélite a querida imagem o vídeo
nĂŁo gravou

e duma varanda um pingo cai
de um vaso salpicando o fato do bancĂĄrio

Nas Altas Torres

Nas altas torres do corpo
todas as horas cantavam.
Eu quis ficar mais um pouco
como se um campo de potros
espantasse a madrugada.

Eu quis ficar mais um pouco
e o teu corpo e o meu tocavam
inquietudes, caminhos,
noites, nĂșmeros, datas.

Nas altas torres do corpo
eu quis ficar mais um pouco
e o silĂȘncio nĂŁo deixava.
ConjugĂĄmos mĂŁos e peitos
no mesmo leito, trançados;
eis que surgiu outro peito,
o do tempo atravessado.

Eu quis ficar mais um pouco
e o teu corpo se iniciava
na liturgia do vento,
lenta e veloz como enxada.
Era a semente batendo,
era a estrela debulhada.

Nas altas torres do corpo,
quis ficar. Amanhecia.
Todos os pombos voavam
das altas torres do corpo.
As horas resplandeciam.

Chuva E Sol

Agrada Ă  vista e Ă  fantasia agrada
Ver-te, através do prisma de diamantes
Da chuva, assim ferida e atravessada
Do sol pelos venĂĄbulos radiantes…

Vais e molhas-te, embora os pés levantes:
– Par de pombos, que a ponta delicada
Dos bicos metem nĂĄgua e, doidejantes,
Bebem nos regos cheios da calçada…

Vais, e, apesar do guarda-chuva aberto,
Borrifando-te colmam-te as goteiras
De pérolas o manto mal coberto;

E estrelas mil cravejam-te, fagueiras,
Estrelas falsas, mas que assim de perto,
Rutilam tanto, como as verdadeiras…

Meu Bebé para Dar Dentadas

Meu Bebé pequeno e rabino:
CĂĄ estou em casa, sozinho, salvo o intelectual que estĂĄ pondo o papel nas paredes (pudera! havia de ser no tecto ou no chĂŁo!); e esse nĂŁo conta. E, conforme prometi, vou escrever ao meu Bebezinho para lhe dizer, pelo menos, que ela Ă© muito mĂĄ, excepto numa cousa, que Ă© na arte de fingir, em que vejo que Ă© mestra.
Sabes? Estou-te escrevendo mas «nĂŁo estou pensando em ti». Estou pensando nas saudades que tenho do meu tempo da «caça aos pombos»; e isto Ă© uma cousa, como tu sabes, com que tu nĂŁo tens nada…
Foi agradĂĄvel hoje o nosso passeio — nĂŁo foi? Tu estavas bem-disposta, e eu estava bem-disposto, e o dia estava bem-disposto tambĂ©m. (O meu amigo, Sr. A.A. Crosse estĂĄ de saĂșde — uma libra de saĂșde por enquanto, o bastante para nĂŁo estar constipado.)
NĂŁo te admires de a minha letra ser um pouco esquisita. HĂĄ para isso duas razĂ”es. A primeira Ă© a de este papel (o Ășnico acessĂ­vel agora) ser muito corredio, e a pena passar por ele muito depressa; a segunda Ă© a de eu ter descoberto aqui em casa um vinho do Porto esplĂȘndido,

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Eu Planto no Teu Corpo

Como se arrasta no sol morno um verme
Por sobre a polpa de uma fruta, eu durmo
A tua carne e sinto o teu contorno
Entre os meus braços como um fruto morno.

E a minha boca sobre a pele, um verme,
Vai percorrendo o teu sorriso, e torno
Ao longo do nariz, depois contorno
Os teus olhos fechados por querer-me.

E desço o teu pescoço, feito um mono,
Para os teus seios mornos, como um verme
Por sobre os frutos prontos para o tombo.

Vertendo a unção da morte nos teus membros,
E estremecendo numa cruz de febre,
Eu planto no teu corpo a flor de um pombo.

Amor Comparado

Queres ter uma ideia do amor, vĂȘ os pardais do teu jardim; vĂȘ os teus pombos; contempla o touro que se leva Ă  tua vitela; olha esse orgulhoso cavalo que dois valetes teus conduzem Ă  Ă©gua em paz que o espera, e que desvia a cauda para recebĂȘ-lo; vĂȘ como os seus olhos cintilam; ouve os seus relinchos; contempla os seus saltos, camabalhotas, orelhas eriçadas, boca que se abre com pequenas convulsĂ”es, narinas que se inflam, sopro inflamado que delas sai, crinas que se revolvem e flutuam, movimento imperioso com o qual o cavalo se lança para o objecto que a natureza lhe destinou; mas nĂŁo tenhas inveja, e pensa nas vantagens da espĂ©cie humana: elas compensam com amor todas as que a natureza deu aos animais, força, beleza, ligeireza, rapidez. HĂĄ atĂ© mesmo animais que nĂŁo sabem o que Ă© o gozo. Os peixes escamados sĂŁo privados dessa doçura: a fĂȘmea lança no lodo milhĂ”es de ovos; o macho que os encontra passa sobre eles e fecunda-os com a sua semente, sem saber a que fĂȘmea eles pertencem. A maior parte dos animais que copulam sĂł tĂȘm prazer por um sentido; e, assim que esse apetite Ă© satisfeito, tudo se extingue.

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Soneto a Vera

Estavas sempre aqui, nesta paisagem.
E nela permaneces, neste assombro
do tempo que sĂł Ă© o que jĂĄ fomos,
um céu parado sobre o mar do instante.

Vives subitamente em despedida,
calma de sonhos, simples visitante
daquilo que te cerca e do que fica
imĂłvel no que Ă© breve, pouco e humano.

As regatas ao sol vĂȘm da penumbra
onde abria as janelas. E de entĂŁo,
vou ao campo de trevo, Ă  tua espera.

O que passa persiste no que tenho:
a roupa no estendal, o muro, os pombos,
tudo Ă© eterno quando nĂłs o vemos.

princĂ­pio do prazer

Ă  sua volta os pombos cor de lava
nos arabescos pretos do basalto
e gente, muita gente que passava
e se detinha a olhĂĄ-la em sobressalto

no seu olhar havia uma promessa
nos seus quadris dançava um desafio
num relance de barco mas sem pressa
que fosse ao sol-poente pelo rio

trazia nos cabelos um perfume
a derramar-se em praias de alabastro
e um brilho mais sombrio quase lume
de fogo-fĂĄtuo a coroar um mastro

seu porte altivo punha Ă  vista o puro
princĂ­pio do prazer que caminhava
carnal e nobre e lĂșcido e seguro
com qualquer coisa de uma orquĂ­dea brava

e nas ruas da baixa pombalina
sua blusa encarnada era a bandeira
e o grito da revolta na retina
de quem fosse atrĂĄs dela a vida inteira.

Funeral Blues

Parem todos os relĂłgios, desliguem o telefone,
Evitem o latido do cĂŁo com um osso suculento,
Silenciem os pianos e com tambores lentos
Tragam o caixĂŁo, deixem que o luto chore.

Deixem que os aviÔes voem em círculos altos
Riscando no céu a mensagem: Ele Estå Morto,
Ponham gravatas beges no pescoço dos pombos brancos do chão,
Deixem que os polĂ­cias de trĂąnsito usem luvas pretas de algodĂŁo.

Ele era o meu Norte, o meu Sul, o meu Leste e Oeste,
A minha semana Ăștil e o meu domingo inerte,
O meu meio-dia, a minha meia-noite, a minha canção, a minha fala,
Achei que o amor fosse para sempre: Eu estava errado.

As estrelas nĂŁo sĂŁo necessĂĄrias: retirem cada uma delas;
Empacotem a lua e façam o sol desmanchar;
Esvaziem o oceano e varram as florestas;
Pois nada no momento pode algum bem causar.

Ó Minha Felicidade

Revejo os pombos de SĂŁo Marcos:
A praça estå silenciosa; ali se repousa a manhã.
Indolentemente envio os meus cantos para o seio da suave
frescura,
Como enxames de pombos para o azul
Depois torno a chamĂĄ-los
Para prender mais uma rima Ă s suas penas.
— Ó minha felicidade! Ó minha felicidade!

Calmo céu, céu azul-claro, céu de seda,
Planas, protector, sobre o edifĂ­cio multicor
De que gosto, que digo eu?… Que receio, que invejo…
Como seria feliz bebendo-lhe a alma!
Alguma vez lha devolveria?
NĂŁo, nĂŁo falemos disso, Ăł maravilha dos olhos!
— Ó minha felicidade! Ó minha felicidade!

Severa torre, que impulso leonino
Te levantou ali, triunfante e sem custo!
Dominas a praça com o som profundo dos teus sinos…
Serias, em francĂȘs, o seu «accent aigu»!
Se, como tu, eu ficasse aqui,
Saberia a seda que me prende…
— Ó minha felicidade! Ó minha felicidade!

Afasta-te, mĂșsica. Deixa primeiro as sombras engrossar
E crescer até à noite escura e tépida.
É ainda muito cedo para ti, os teus arabescos de ouro
Ainda nĂŁo cintilam no seu esplendor de rosa;

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Soneto De Roma

Felizes os que chegam de mĂŁos dadas
como se fosse o instante da partida
e entre as fontes que jorram a ĂĄgua clĂĄssica
dĂŁo em silĂȘncio adeus Ă  claridade.

No dourado crepĂșsculo da tarde
o que nos dividiu agora Ă© soma
e a vida que te dei e que me deste
voa entre os pombos no fulgor de Roma.

Todo fim é começo. A ågua da vida
eterna e musical sustenta o instante
que triunfa da morte nas ruĂ­nas.

Como o verĂŁo sucede Ă  neve fria
um sol final aquece o nosso amor,
devolução da aurora e luz do dia.

Vivemos numa Paz de Animais Domésticos

Uma cobra de ågua numa poça do choupal, a gozar o resto destes calores, e umas meninas histéricas aos gritinhos, cheias de saber que o bicho era tão inofensivo como uma folha.
Por fidelidade a um mandato profundo, o nosso instinto, diante de certos factos, ainda quer reagir. Mas logo a razão acode, e o uivo do plasma acaba num cacarejo convencional. Todos os tratados e todos os preceptores nos explicaram jå quantas espécies de ofídios existem e o soro que neutraliza a mordedura de cada um. Herdamos um mundo jå quase decifrado, e sabemos de cor as ervas que não devemos comer e as feras que nos não podem devorar. Vivemos numa paz de animais domésticos, vacinados, com os dentes caninos a trincar pastéis de nata, tendo aos pés, submissos, os antigos pesadelos da nossa ignorùncia. Passamos pela terra como espectros, indo aos jardins zoológicos e botùnicos ver, pacata e sàbiamente, em jaulas e canteiros, o que jå foi perigo e mistério. E, por mais que nos custe, não conseguimos captar a alma do brinquedo esventrado. O homem selvagem, que teve de escolher tudo, de separar o trigo do joio, de mondar dos seus reflexos o que era manso e o que era bravo,

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Natal

Perguntei pelo Natal,
indicaram-me os rochedos.
Subi a altas montanhas,
sĂł trouxe sustos e medos.

Um mendigo, previdente,
avisou-me: o Natal
fica na quilha de um barco
que ainda nem Ă© pinhal.

E minha avĂł, mondadeira
do trigal que eu nunca tive,
dizia desta maneira:
— É dentro desta ribeira,
tecendo os bunhos da esteira,
que o Natal, em brasas, vive.

O vento nada sabia
e a noite, irada, afirmava
que o Natal Ă© o meio-dia
de uma noite inacabada.

Li poemas, li romances,
mondei sonetos na horta:
Do Natal, sĂł as nuances
da fome a rondar a porta.

Até que um dia, ó milagre,
levado pelo coração,
toquei teus seios redondos
– brancas rolas, rĂłseos pombos –
e tive o Natal na mĂŁo!