Uns Lindos Olhos, Vivos, Bem Rasgados
Uns lindos olhos, vivos, bem rasgados,
Um garbo senhoril, nevada alvura;
Metal de voz que enleva de doçura,
Dentes de aljôfar, em rubi cravados:Fios de ouro, que enredam meus cuidados,
Alvo peito, que cega de candura;
Mil prendas; e (o que é mais que formosura)
Uma graça, que rouba mil agrados.Mil extremos de preço mais subido
Encerra a linda Márcia, a quem of’reço
Um culto, que nem dela inda é sabido:Tão pouco de mim julgo que a mereço,
Que enojá-la não quero de atrevido
Co’ as penas, que por ela em vão padeço.
Sonetos sobre Bem
392 resultadosAmor E Crença
E sê bendita!
H. SienkiewiczSabes que é Deus?! Esse infinito e santo
Ser que preside e rege os outros seres,
Que os encantos e a força dos poderes
Reúne tudo em si, num só encanto?Esse mistério eterno e sacrossanto,
Essa sublime adoração do crente,
Esse manto de amor doce e clemente
Que lava as dores e que enxuga o pranto?!Ah! Se queres saber a sua grandeza,
Estende o teu olhar à Natureza,
Fita a cúp’la do Céu santa e infinita!Deus é o templo do Bem. Na altura Imensa,
O amor é a hóstia que bendiz a Crença,
ama, pois, crê em Deus, e… sê bendita!
Glória
Vive dentro de mim um mundo raro
Tão vário, tão vibrante, tão profundo
Que o meu amor indómito e avaro
O oculto raivoso ao outro mundoE nele vivo audaz, ardentemente,
Sentindo consumir-se a sua chama
Que oscila e desce e sobe inquietamente;
Ouvindo a minha voz que por mim chamaEm situações grotescas que me ferem,
Ou conquistando o que meus olhos querem:
Príncipe ou Rei sonhando com domínios.Sinto bem que são vãs pra me prenderem
As mãos da Vida, muito embora imperem
Sobre a noção real dos meus declínios.
Soror Saudade
A Américo Durão
Irmã, Soror Saudade, me chamaste…
E na minh’alma o nome iluminou-se
Como um vitral ao sol, como se fosse
A luz do próprio sonho que sonhaste.Numa tarde de Outono o murmuraste;
Toda a mágoa do Outono ele me trouxe;
Jamais me hão-de chamar outro mais doce;
Com ele bem mais triste me tornaste…E baixinho, na alma de minh’alma,
Como bênção de sol que afaga e acalma,
Nas horas más de febre e de ansiedade,Como se fossem pétalas caindo,
Digo as palavras desse nome lindo
Que tu me deste: “Irmã, Soror Saudade”…
Perfeição
Vejo a Perfeição em sonhos ardentes,
Beleza divina aos sentidos ligada,
Cantando ao ouvido em voz olvidada
Que do peito irrompe em raios candentesQue não posso prender. Seu cabelo vem
P’lo peito inocente onde, confundidos,
O ideal e o real são tecidos
E algo de alegre que ao céu fica bem.Então chega o dia e tudo passou;
A mim regresso em dorido sentir,
Qual marinheiro que o naufrágio acordouDo sonho de um campo em dia luminoso:
Ergue a cabeça e estremece ao ouvir
O rumor da descida ao abismo penoso.
Espiritualismo
Ontem, à tarde, alguns trabalhadores,
Habitantes de além, de sobre a serra,
Cavavam, revolviam toda a terra,
Do sol entre os metálicos fulgores.Cada um deles ali tinha os ardores
De febre de lutar, a luz que encerra
Toda a nobreza do trabalho e — que erra
Só na cabeça dos conspiradores,Desses obscuros revolucionários
Do bem fecundo e cultural das leivas
Que são da Vida os maternais sacrários.E pareceu-me que do chão estuante
Vi porejar um bálsamo de seivas
Geradoras de um mundo mais pensante.
Marília De Dirceu
Soneto 2
Num fértil campo de soberbo Douro,
Dormindo sobre a relva, descansava,
Quando vi que a Fortuna me mostrava
Com alegre semblante o seu tesouro.De uma parte, um montão de prata e ouro
Com pedras de valor o chão curvava;
Aqui um cetro, ali um trono estava,
Pendiam coroas mil de grama e louro.– Acabou – diz-me então – a desventura:
De quantos bens te exponho qual te agrada,
Pois benigna os concedo, vai, procura.Escolhi, acordei, e não vi nada:
Comigo assentei logo que a ventura
Nunca chega a passar de ser sonhada.
Renascimento
A Alma não fica inteiramente morta!
Vagas Ressurreições do Sentimento
Abrem já, devagar, porta por porta,
Os palácios reais do Encantamento!Morrer! Findar! Desfalecer! que importa
Para o secreto e fundo movimento
Que a alma transporta, sublimiza e exorta,
Ao grande Bem do grande Pensamento!Chamas novas e belas vão raiando,
Vão se acendendo os límpidos altares
E as almas vão sorrindo e vão orando…E pela curva dos longínquos ares
Ei-las que vêm, como o imprevisto bando
Dos albatrozes dos estranhos mares…
Passagem
Não quero amor demais na minha hora
nem o sinistro choro carpideiro.
Só quero esse sorriso que me escora
como lembrança leve em meu canteiro.Se bem plantado, o mórbido estertora-se
evanescentemente, no roteiro
do poema em teu louvor, grave, Senhora,
meus traços mais rebeldes, companheiros.Teus olhos já cantei as suas grades
que não me prendem só por essa calma
senão o que apascentam sem alarde.E na minha hora quero ter-te em palma,
apenas na passagem dessa margem,
palmeira verde que te quero na alma.
Amiga
Deixa-me ser a tua amiga, Amor,
A tua amiga só, já que não queres
Que pelo teu amor seja a melhor,
A mais triste de todas as mulheres.Que só, de ti, me venha mágoa e dor
O que me importa a mim?! O que quiseres
É sempre um sonho bom! Seja o que for,
Bendito sejas tu por mo dizeres!Beija-me as mãos, Amor, devagarinho…
como se os dois nascêssemos irmãos,
Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho…Beija-mas bem!…Que fantasia louca
Guardar assim, fechados, nestas mãos,
Os beijos que sonhei prá minha boca!…
Lembranças, que lembrais meu bem passado
Lembranças, que lembrais meu bem passado,
Pera que sinta mais o mal presente,
Deixai-me, se quereis, viver contente,
Não me deixeis morrer em tal estado.Mas se também de tudo está ordenado
Viver, como se vê, tão descontente,
Venha, se vier, o bem por acidente,
E dê a morte fim a meu cuidado.Que muito melhor é perder a vida,
Perdendo-se as lembranças da memória,
Pois fazem tanto dano ao pensamento.Assim que nada perde quem perdida
A esperança traz de sua glória,
Se esta vida há-de ser sempre em tormento.
LXX
Breves horas, que em rápida porfia
Ides seguindo infausto movimento,
Oh como o vosso curso foi violento,
Quando soubestes, que eu vos possuía!Já crédito vos dava; porque via
Avultar meu feliz contentamento:
Que é mui fácil num triste estar atento
Aos enganos, que pinta a fantasia.Logrou-se o vosso fim; que foi levar-me
Da falsa glória, do fingido gosto A
o cume, donde venho a despenhar-me:Assim a lei do fado tem disposto,
Que haja o instantâneo bem de lisonjear-me;
Por que o estrago, me diga, que é suposto.
Os Mortos
Ao menos junto dos mortos pode a gente
Crer e esperar n’alguma suavidade:
Crer no doce consolo da saudade
E esperar do descanso eternamente.Junto aos mortos, por certo, a fé ardente
Não perde a sua viva claridade;
Cantam as aves do céu na intimidade
Do coração o mais indiferente.Os mortos dão-nos paz imensa à vida,
Dão a lembrança vaga, indefinida
Dos seus feitos gentis, nobres, altivos.Nas lutas vãs do tenebroso mundo
Os mortos são ainda o bem profundo
Que nos faz esquecer o horror dos vivos.
É Bem Feliz
É bem feliz por certo, o que somente
Ao rústico lavor acostumado
Conduzir sabe os bois, reger o arado,
E dar à terra a provida semente.A arte de a lavrar sempre inocente
Estuda só, e ignora afortunado
As novas leis, as máximas de Estado,
E os documentos de enganar a gente.Projectos vãos não forma, e sempre isento
Da soberba ambição, nunca a Lisboa
Foi dobrar o joelho ao valimento.Cabana humilde, onde nasceu, povoa;
E seguro no próprio abatimento,
Só tem medo do Céu, quando trovoa.
Que Amor Fez sem Remédio, o Tempo, os Fados?
Depois de tantos dias mal gastados,
Depois de tantas noites mal dormidas,
Depois de tantas lágrimas vertidas,
Tantos suspiros vãos vãmente dados,Como não sois vós já desenganados,
Desejos, que de cousas esquecidas
Quereis remediar mortais feridas,
Que amor fez sem remédio, o tempo, os Fados?Se não tivéreis já longa exp’riência
Das sem-razões de Amor a quem servistes,
Fraqueza fora em vós a resistência.Mas pois por vosso mal seus males vistes,
Que o tempo não curou, nem larga ausência,
Qual bem dele esperais, desejos tristes?
Quando Eu Partir
Quando eu partir, que eterna e que infinita
Há de crescer-me a dor de tu ficares;
Quanto pesar e mesmo que pesares,
Que comoção dentro desta alma aflita.Por nossa vida toda sol, bonita,
Que sentimento, grande como os mares,
Que sombra e luto pelos teus olhares
Onde o carinho mais feliz palpita…Nesse teu rosto da maior bondade
Quanta saudade mais, que atroz saudade…
Quanta tristeza por nós ambos, quanta,Quando eu tiver já de uma vez partido,
Ó meu amor, ó meu muito querido
Amor, meu bem, meu tudo, ó minha santa!
Livre!
Livre! Ser livre da materia escrava,
Arrancar os grilhões que nos flagelam
E livre, penetrar nos Dons que selam
A alma e lhe emprestam toda a etérea lava.Livre da humana, da terrestre bava
Dos corações daninhos que regelam
Quando os nossos sentidos se rebelam
Contra a Infâmia bifronte que deprava.Livre! bem livre para andar mais puro,
Mais junto à Natureza e mais seguro
Do seu amor, de todas as justiças.Livre! para sentir a Natureza,
Para gozar, na universal Grandeza,
Fecundas e arcangélicas preguiças.
Vingança
“Vingança…”
II
Quero sentir-te nos meus braços presa
e dizer bem baixinho ao teu ouvido,
um segredo de amor terno e sentido
que guardo no meu peito com avareza…Quero ter afinal plena certeza
deste amor que na vida me tem sido:
o meu sonho mais lindo e mais querido,
a luz de uma esperança, sempre acesa…Nesta rosa que tens, viva e vermelha
esmigalhada em tua boca – a abelha
do meu beijo algum dia hei de pousar…Quero unir minha vida à tua vida,
sentir que és minha só, ter-te possuída,
para então, só depois, te abandonar!…
Qualquer outro Bem Julgo por Vento
Quando da bela vista e doce riso
Tomando estão meus olhos mantimento,
Tão elevado sinto o pensamento,
Que me faz ver na terra o Paraíso.Tanto do bem humano estou diviso,
Que qualquer outro bem julgo por vento:
Assim que em termo tal, segundo sento,
Pouco vem a fazer quem perde o siso.Em louvar-vos, Senhora, não me fundo;
Porque quem vossas graças claro sente,
Sentirá que não pode conhecê-las.Pois de tanta estranheza sois ao mundo,
Que não é de estranhar, dama excelente,
Que quem vos fez, fizesse céu e estrelas.
Fraqueza
Espero-te… E sei bem que eu só que te espero…
Aqui me tens… Constante e eterna é a expectativa!
Por que hei de ser assim sempre ingênuo e sincero
por mais que experiência eu tenha, e a vida eu viva?Chegarás… e terás uma resposta esquiva
ao que te perguntar… E eu que tanto te quero
renderei novamente a minha alma cativa,
enquanto sorrirás feliz… e eu desespero…Há um imenso poder nessa tua humildade,
e esse teu ar de mansa ternura e meiguice
estraçalha aos teus pés toda a minha vontade…Que fazer? Hei de sempre perdoar o que fazes…
E se choras, nem sei… Esquecendo o que disse
sou eu que enxugo o pranto e ainda proponho as pazes!