Sonetos sobre Cabelos

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Sonetos de cabelos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Coração Solitårio

A noite esta fechada na janela aberta.
Uma rua perdeu-se na sombra lĂĄ embaixo.
NĂŁo existe esta rua – Ă© um beco surrealista
que fugiu de algum quadro louco que nĂŁo vi.

Ouço meu coração ardente e solitårio
com sua mĂșsica estranha de piano bĂȘbado.
No espelho, meu olhar: duas chamas de estrelas.
NĂŁo sei se Ă© o vento, sei que hĂĄ mĂșsica na noite.

HĂĄ mĂșsica no quarto, nas cortinas, mĂșsica
nos meus cabelos despenteados, nos meus dedos,
no meu rosto, entra e sai pela janela.

MĂșsica indefinida a encher a solidĂŁo:
– estou no ventre da noite a mexer com os meus sonhos
ouço o meu coração ardente e solitårio.

Os HiperbĂłreos

Cabeça erguida, o céu no olhar, que o céu procura,
Baixa o humano caudal, dos desertos de gelo…
Em farrapos, ao sol, derrete-se a brancura
Da neve boreal sobre o ouro do cabelo.

Ulula, e desce; e tudo invade: a atra espessura
Dos bosques entra, a urrar e a uivar. E, uivando, pelo
Continente, a descer, ganha a Ășmida planura,
E a brenha secular, em sonoro atropelo.

Assustam-se os chacais pelas selvas serenas.
A turba ulula, o druida canta, enchendo os ares.
Entre os uivos dos cĂŁes e o grunhido das renas…

Escutando o tropel, rincha o poldro, e galopa.
Derrama-se, a rugir, das geleiras polares,
A semente feraz dos BĂĄrbaros, na Europa…

Cabelos

I

Cabelos! Quantas sensaçÔes ao vĂȘ-los!
Cabelos negros, do esplendor sombrio,
Por onde corre o fluido vago e frio
Dos brumosos e longos pesadelos…

Sonhos, mistérios, ansiedades, zelos,
Tudo que lembra as convulsÔes de um rio
Passa na noite cĂĄlida, no estio
Da noite tropical dos teus cabelos.

Passa através dos teus cabelos quentes,
Pela chama dos beijos inclementes,
Das dolĂȘncias fatais, da nostalgia…

Auréola negra, majestosa, ondeada,
Alma da treva, densa e perfumada,
LĂąnguida Noite da melancolia!

Celeste

A uma criança

Eu fiz do Céu azul minha esperança
E dos astros dourados meu tesouro…
Imagina por que, doce criança,
Nas noites de luar meus sonhos douro!

Adivinha, se podes, quanto Ă© mansa
A luz que bola sob um cĂ­lio de ouro.
E como é lindo um laço azul na trança
Embalsamada de um cabelo louro!

Imagina por que peço, na morte,
– Um esquife todo azul que me transporte,
Longe da terra, longe dos escolhos…

Imagina por que… mas, lĂ­rio santo!
Não digas a ninguém que eu amo tanto
A cor de teu cabelo e dos teus olhos!

as meninas

as minhas filhas nadam. a mais nova
leva nos braços bóias pequeninas,
a outra då um salto e pÔe à prova
o corpo esguio, as longas pernas finas:

entre risadas como serpentinas,
vai como a formosinha numa trova,
salta a pés juntos, dedos nas narinas,
e emerge ao sol que o seu cabelo escova.

a ĂĄgua tem a pele azul-turquesa
e brilhos e salpicos, e mergulham
feitas pura alegria incandescente.

e ficam, de ternura e de surpresa,
nas toalhas de cor em que se embrulham,
ninfinhas sobre a relva, de repente.

Última Deusa

Foram-se os deuses, foram-se, eu verdade;
Mas das deusas alguma existe, alguma
Que tem teu ar, a tua majestade,
Teu porte e aspecto, que és tu mesma, em suma.

Ao ver-te com esse andar de divindade,
Como cercada de invisĂ­vel bruma,
A gente à crença antiga se acostuma
E do Olimpo se lembra com saudade.

De lå trouxeste o olhar sereno e garço,
O alvo colo onde, em quedas de ouro tinto,
RĂștilo rola o teu cabelo esparto…

Pisas alheia terra… Essa tristeza
Que possuis Ă© de estĂĄtua que ora extinto
Sente o culto da forma e da beleza.

Leio-Te: – O Pranto Dos Meus Olhos Rola:

Leio-te: – o pranto dos meus olhos rola:
– Do seu cabelo o delicado cheiro,
Da sua voz o timbre prazenteiro,
Tudo do livro sinto que se evola …

Todo o nosso romance: – a doce esmola
Do seu primeiro olhar, o seu primeiro
Sorriso, – neste poema verdadeiro,
Tudo ao meu triste olhar se desenrola.

Sinto animar-se todo o meu passado:
E quanto mais as pĂĄginas folheio,
Mais vejo em tudo aquele vulto amado.

Ouço junto de mim bater-lhe o seio,
E cuido vĂȘ-la, plĂĄcida, a meu lado,
Lendo comigo a pĂĄgina que leio.

XIX

Sai a passeio, mal o dia nasce,
Bela, nas simples roupas vaporosas;
E mostra Ă s rosas do jardim as rosas
Frescas e puras que possui na face.

Passa. E todo o jardim, por que ela passe,
Atavia-se. HĂĄ falas misteriosas
Pelas moitas, saudando-a respeitosas…
É como se uma sílfide passasse!

E a luz cerca-a, beijando-a. O vento Ă© um choro
Curvam-se as flores trĂȘmulas … O bando
Das aves todas vem saudĂĄ-la em coro …

E ela vai, dando ao sol o rosto brendo.
Às aves dando o olhar, ao vento o louro
Cabelo, e Ă s flores os sorrisos dando…

Hei-de Tomar-te

Lindo e subtil trançado, que ficaste
Em penhor do remédio que mereço,
Se só contigo, vendo-te, endoudeço,
Que fora co’os cabelos que apertaste?

Aquelas tranças de ouro que ligaste,
Que os raios de sol tĂȘm em pouco preço,
Não sei se para engano do que peço,
Ou para me matar as desataste.

Lindo trançado, em minhas mãos te vejo,
E por satisfação de minhas dores,
Como quem nĂŁo tem outra, hei-de tomar-te.

E se nĂŁo for contente o meu desejo,
Dir-lhe-ei que, nesta regra dos amores,
Por o todo também se toma a parte.

Depois Que O Som Da Terra, Que É NĂŁo TĂȘ-Lo

Depois que o som da terra, que Ă© nĂŁo tĂȘ-lo,
Passou, nuvem obscura, sobre o vale
E uma brisa afastando meu cabelo
Me diz que fale, ou me diz que cale,

A nova claridade veio, e o sol
Depois, ele mesmo , e tudo era verdade,
Mas quem me deu sentir e a sua prole?
Quem me vendeu nas hastas da vontade?

Nada. Uma nova obliquação da luz,
Interregno factĂ­cio onde a erva esfria.
E o pensamento inĂștil se conduz

Até saber que nada vale ou pesa.
E nĂŁo sei se isto me ensimesma ou alheia,
Nem sei se Ă© alegria ou se Ă© tristeza.

Beethoven Surdo

Surdo, na universal indiferença, um dia,
Beethoven, levantando um desvairado apelo,
Sentiu a terra e o mar num mudo pesadelo.
E o seu mundo interior cantava e restrugia.

Torvo o gesto, perdido o olhar, hirto o cabelo,
Viu, sobre a orquestração que no seu crùnio havia,
Os astros em torpor na imensidade fria,
O ar e os ventos sem voz, a natureza em gelo.

Era o nada, a eversĂŁo do caos no cataclismo,
A sĂ­ncope do som no pĂĄramo profundo,
O silĂȘncio, a algidez, o vĂĄcuo, o horror no abismo.

E Beethoven, no seu supremo desconforto,
Velho e pobre, caiu, como um deus moribundo,
Lançando a maldição sobre o universo morto!

Quando O Sol Encoberto Vai Mostrando

Quando o Sol encoberto vai mostrando
ao mundo a luz quieta e duvidosa,
ao longo de ĂŒa praia deleitosa,
vou na minha inimiga imaginando.

Aqui a vi, os cabelos concertando;
ali, co a mĂŁo na face tĂŁo fermosa;
aqui, falando alegre, ali cuidosa;
agora estando queda, agora andando.

aqui esteve sentada, ali me viu,
erguendo aqueles olhos tĂŁo isentos;
aqui movida um pouco, ali segura;

qui se entristeceu, ali se riu;
enfim, nestes cansados pensamentos
passo esta vida vĂŁ, que sempre dura.

Vencido

No auge de atordoadora e ĂĄvida sanha
Leu tudo, desde o mais prĂ­stino mito,
Por exemplo: o do boi Ápis do Egito
Ao velho Niebelungen da Alemanha.

Acometido de uma febre estranha
Sem o escĂąndalo fĂŽnico de um grito,
Mergulhou a cabeça no Infinito,
Arrancou os cabelos na montanha!

Desceu depois Ă  gleba mais bastarda,
Pondo a ĂĄurea insĂ­gnia herĂĄldica da farda
A vontade do vĂŽmito plebeu…

E ao vir-lhe o cuspo diĂĄrio Ă  boca fria
O vencido pensava que cuspia
Na célula infeliz de onde nasceu.

Vingança

“Vingança…”
I
Ontem eu a possuĂ­ … e vocĂȘ nĂŁo Ă© minha!
Paradoxo talvez, mas tudo aconteceu …
Em pensamento, o beijo eu colhia, tinha
o sabor desse beijo que vocĂȘ nĂŁo deu …

De olhos cerrados, louco, a sua imagem vinha
com a força do que Ă© real e se impĂŽs ao meu”eu”…
E o corpo que eu tocava e a minha mĂŁo sustinha,
na sombra, aos meus sentidos cegos – era o seu!

Ontem por mais que a idéia seja estranha e louca,
– vocĂȘ foi minha enfim!… apertei-a ao meu peito…
desmanchei seus cabelos… machuquei-lhe a boca!

E possuĂ­a afinal, – num Ă­mpeto criador –
vingando o meu orgulho abatido e desfeito
num doentio segundo de paixĂŁo e amor!

Cabelos Brancos

Cobrem-me as fontes jĂĄ cabelos brancos,
NĂŁo vou a festas. E nĂŁo vou, nĂŁo vou.
Vou para a aldeia, com os meus tamancos,
Cuidar das hortas. E nĂŁo vou, nĂŁo vou.

Cabelos brancos, vĂĄ, sejamos francos,
Minha inocĂȘncia quando os encontrou
Era um mistĂ©rio vĂȘ-los: Tive espantos
Quando os achei, menino, em meu avĂŽ.

Nem caiu neve, nem vieram gelos:
Com a estranheza ingénua da mudança,
Castanhos remirava os meus cabelos;

E, atento à cor, sem ter outra lembrança,
Ruços cabelos me doĂ­a vĂȘ-los …
E fiquei sempre triste de criança.

Anjo

Quando a fitar-te ainda o sol declina
E a cor dos teus cabelos no Ar flutua,
A tua alma na minha se insinua,
Teu vulto Ă© prece alando-se, divina!

A nossa voz, esparsa em luz, fascina;
A nossa voz… perdoa, Amor, a tua!
Ergues o olhar: crece em silĂȘncio a lua,
Como uma flor, na tarde peregrina!

E a tua graça, etéreo Abril jucundo,
BĂȘnção de Deus que tudo beija e alcança,
Sorri em flor na escuridĂŁo do Mundo…

A luz do Céu é o teu olhar sem fim;
E, no silĂȘncio feito de esperança,
ouço o teu coração bater por mim!

Aparição

Por uma estrada de astros e perfumes
A Santa Virgem veio ter comigo:
Doiravam-lhe o cabelo claros lumes
Do sacrossanto resplendor amigo.

Dos olhos divinais no doce abrigo
NĂŁo tinha laivos de PaixĂ”es e ciĂșmes:
Domadora do Mal e do perigo
Da montanha da Fe galgara os cumes.

Vestida na alva excelsa dos Profetas
Falou na ideal resignação de Ascetas,
Que a febre dos desejos aquebranta.

No entanto os olhos dela vacilavam,
Pelo mistério, pela dor flutuavam,
Vagos e tristes, apesar de Santa!

Soneto De Luz E Treva

Ela tem uma graça de pantera
no andar bem comportado de menina
no molejo em que vem sempre se espera
que de repente ela lhe salte em cima

Mas sĂșbito renega a bela e a fera
prendeo cabelo, vai para a cozinha
e de um ovo estrelado na panela
ela com clara e gema faz o dia

Ela Ă© de CapricĂłrnio, eu sou de Libra
eu sou o OxalĂĄ velho, ela Ă© InhansĂŁ
a mim me enerva o ardor com que ela vibra

E que a motiva desde de manhĂŁ.
— Como Ă© que pode, digo-me com espanto
a luz e a treva se quererem tanto…

Esta Saudade

Esta saudade Ă©s tu… E Ă© toda feita
de ti, dos teus cabelos, dos teus olhos
que permanecem como estrelas vagas:
dos anseios de amor, coagulados.

Esta saudade Ă©s tu… É esse teu jeito
de pomba mansa nos meus braços quieta;
Ă© a tua voz tecida de silĂȘncio
nas palavras de amor que ainda sussurram…

Esta saudade sĂŁo teus seios brancos;
tuas carĂ­cias que ainda estĂŁo comigo
deixando insones todos os sentidos.

Esta saudade Ă©s tu… Ă© a tua falta
viva, em meu corpo, na minha alma, viva,
… enquanto eu morro no meu pensamento.

Psicologia De Um Vencido

Eu, filho do carbono e do amonĂ­aco,
Monstro de escuridĂŁo e rutilĂąncia,
Sofro, desde a epigĂȘnesis da infĂąncia,
A influĂȘncia mĂĄ dos signos do zodĂ­aco.

ProfundĂ­ssimamente hipocondrĂ­aco,
Este ambiente me causa repugnĂąncia…
Sobe-me Ă  boca uma Ăąnsia anĂĄloga Ă  Ăąnsia
Que se escapa da boca de um cardĂ­aco.

jĂĄ o verme – este operĂĄrio das ruĂ­nas –
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e Ă  vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roĂȘ-los,
E hĂĄ-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgĂąnica da terra!