Mocidade
A mocidade esplêndida, vibrante,
Ardente, extraordinária, audaciosa.
Que vê num cardo a folha duma rosa,
Na gota de água o brilho dum diamante;Essa que fez de mim Judeu Errante
Do espírito, a torrente caudalosa,
Dos vendavais irmã tempestuosa,
– Trago-a em mim vermelha, triunfante!No meu sangue rubis correm dispersos:
– Chamas subindo ao alto nos meus versos,
Papoilas nos meus lábios a florir!Ama-me doida, estonteadoramente,
O meu Amor! que o coração da gente
É tão pequeno… e a vida, água a fugir…
Sonetos sobre Coração
351 resultadosPágina Triste
Há muita dor por este mundo a fora
Muita lágrima à toa derramada;
Muito pranto de mãe angustiada
Que vem saudar o despontar da aurora!Alma inocente só de amor cercada
A criancinha a soluçar descora,
Talvez no berço onde o menino chora
Também, oh Dor, tu queiras, desolada,Erguer um trono, procurar guarida…
Foge do berço! Não magoes a vida
D’esta ave implume, lirial botão…Queres um ninho, um carinhoso abrigo?
Pois bem! Procura-o neste seio amigo,
Dentro em minh’alma, aqui no coração!
O Convertido
Entre os filhos dum século maldito
Tomei também lugar na ímpia mesa,
Onde, sob o folgar, geme a tristeza
Duma ânsia impotente de infinito.Como os outros, cuspi no altar avito
Um rir feito de fel e de impureza…
Mas um dia abalou-se-me a firmeza,
Deu-me um rebate o coração contrito!Erma, cheia de tédio e de quebranto,
Rompendo os diques ao represo pranto,
Virou-se para Deus minha alma triste!Amortalhei na Fé o pensamento,
E achei a paz na inércia e esquecimento…
Só me falta saber se Deus existe!
Soneto Na Morte De José Arthur Da Frota Moreira
Cantamos ao nascer o mesmo canto
De alegria, de súplica e de horror
E a mulher nos surgiu no mesmo encanto
Na mesma dúvida e na mesma dor.Criamos toda a sedução, e tanto
Que de nós seduzido, o sedutor
Morreu nas mesmas lágrimas de amor
Ao milagre maior do amor em pranto.Fui um pouco teu cão e teu mendigo
E tu, como eu, mendigo de outro pão
Sempre guardaste o pão do teu amigoMeu misterioso irmão, sigo contigo
Há tanto, tanto tempo, mão na mão…
Ouve como chora o coração.
Soneto de Contrição
Eu te amo, Maria, eu te amo tanto
Que o meu peito me dói como em doença
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.Como a criança que vagueia o canto
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma…E é uma calma tão feita de humildade
Que tão mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.
Vendo A Anarda Depõe O Sentimento
A serpe, que adornando várias cores,
com passos mais oblíquos, que serenos,
entre belos jardins, prados amenos,
é maio errante de torcidas flores;se quer matar da sede os desfavores,
Os cristais bebe com a peçonha menos,
por que não morra com os mortais venenos,
se acaso gosta dos vitais licores.Assim também meu coração queixoso,
na sede ardente do feliz cuidado
bebe cos olhos teu cristal formoso;Pois para não morrer no gosto amado,
depõe logo o tormento venenoso,
se acaso gosta o cristalino agrado.
Não Estejas Longe de Mim um Dia que Seja
Não estejas longe de mim um dia que seja, porque,
porque, não sei dizê-lo, é longo o dia,
e estarei à tua espera como nas estações
quando em algum sitio os comboios adormeceram.Não te afastes uma hora porque então
nessa hora se juntam as gotas da insónia
e talvez o fumo que anda à procura de casa
venha matar ainda meu coração perdido.Ai que não se quebre a tua silhueta na areia,
ai que na ausência as tuas pálpebras não voem:
não te vás por um minuto, ó bem-amada,porque nesse minuto terás ido tão longe
que atravessarei a terra inteira perguntando
se voltarás ou me deixarás morrer.
Aparição
Um dia, meu amor (e talvez cedo,
Que já sinto estalar-me o coração!)
Recordarás com dor e compaixão
As ternas juras que te fiz a medo…Então, da casta alcova no segredo,
Da lamparina ao trémulo clarão,
Ante ti surgirei, espectro vão,
Larva fugida ao sepulcral degredo…E tu, meu anjo, ao ver-me, entre gemidos
E aflitos ais, estenderás os braços
Tentando segurar-te aos meus vestidos…— «Ouve! espera!» — Mas eu, sem te escutar,
Fugirei, como um sonho, aos teus abraços
E como fumo sumir-me-ei no ar!
Judia
Ah! Judia! Judia impenitente!
De erma e de turva região sombria
De areia fulva, bárbara, inclemente,
Numa desolação, chegaste um dia…Través o céu mais tórrido, mais quente,
Onde a luz mais flamívoma radia,
A voz dos teus, nostálgica, plangente,
Vibrou, chorou, clamou por ti, Judia!Ave de melancólicos mistérios,
Ruflaste as asas por Azuis sidérios,
Ébria dos vícios célebres que salvam…Para alguns corações que ainda te buscam
És como os sóis que rútilos coruscam
E a torva terra do deserto escalvam!
Existo
Seu amor me fez real, e me deu sentido
da alegria de ser, total, completamente…
Fez de um pobre poeta em sonhos consumido
alguém que tem nas mãos um mundo! e sofre, e sente!Seu amor foi a vida a irromper da semente
de um velho coração cansado e ressequido,
o verde que voltou ao ramo nu, pendente,
a imprevisível flor, o fruto inconcebido…Seu amor foi milagre a cantar pelo chão
como a água, no agreste, a acenar ao viajante
a esperança, o prazer, a vida, a salvação…Passo a existir, quem sabe ? apenas porque amei…
E ela existe talvez, a partir deste instante
porque ela e o seu amor… em versos transformei!
Trazes-me em Tuas Mãos de Vitorioso
Trazes-me em tuas mãos de vitorioso
Todos os bens que a vida me negou,
E todo um roseiral, a abrir, glorioso
Que a solitária estrada perfumou.Neste meio-dia límpido, radioso,
Sinto o teu coração que Deus talhou
Num pedaço de bronze luminoso,
Como um berço onde a vida me pousou.O silêncio, ao redor, é uma asa quieta…
E a tua boca que sorri e anseia,
Lembra um cálix de tulipa entreaberta…Cheira a ervas amargas, cheira a sândalo…
E o meu corpo ondulante de sereia
Dorme em teus braços másculos de vândalo…
Piedade
O coração de todo o ser humano
Foi concebido para ter piedade,
Para olhar e sentir com caridade
Ficar mais doce o eterno desengano.Para da vida em cada rude oceano
Arrojar, através da imensidade,
Tábuas de salvação, de suavidade,
De consolo e de afeto soberano.Sim! Que não ter um coração profundo
É os olhos fechar à dor do mundo,
ficar inútil nos amargos trilhos.É como se o meu ser campadecido
Não tivesse um soluço comovido
Para sentir e para amar meus filhos!
O Beijo
Congresso de gaivotas neste céu
Como uma tampa azul cobrindo o Tejo.
Querela de aves, pios, escarcéu.
Ainda palpitante voa um beijo.Donde teria vindo! (Não é meu…)
De algum quarto perdido no desejo?
De algum jovem amor que recebeu
Mandado de captura ou de despejo?É uma ave estranha: colorida,
Vai batendo como a própria vida,
Um coração vermelho pelo ar.E é a força sem fim de duas bocas,
De duas bocas que se juntam, loucas!
De inveja as gaivotas a gritar…
Súplica
Se tudo foge e tudo desaparece,
Se tudo cai ao vento da Desgraça,
Se a vida é o sopro que nos lábios passa
Gelando o ardor da derradeira prece;Se o sonho chora e geme e desfalece
Dentro do coração que o amor enlaça,
Se a rosa murcha inda em botão, e a graça
Da moça foge quando a idade cresce;Se Deus transforma em sua lei tão pura
A dor das almas que o ideal tortura
Na demência feliz de pobres loucos…Se a água do rio para o oceano corre,
Se tudo cai, Senhor! por que não morre
A dor sem fim que me devora aos poucos?
A Cigarra Que Ficou
Depois de ouvir por tanto tempo, a fio,
As cigarras, bem perto ou nas distâncias,
Só me ficou no coração vazio
A saudade de antigas ressonâncias…Todas se foram… bando fugidio
Em busca do calor de outras estâncias,
Carregando nas asas como um rio
Leva nas águas – seus desejos e ânsias…E ainda cantaram na hora da partida:
Era um clamor dentro da madrugada…
Essa, entretanto, desgarrou daquelas,E entrou, tonta de luz, na minha vida,
Porque sabia que era a mais amada,
E cantava melhor que todas elas…
Il Trovatore
Canta da torre o trovador saudoso –
Addio, Eleonora! Oh! sonhos meus!
E o canto se desprende harmonioso
Na vibração final do extremo adeus.Repercute, dolente, mavioso,
Subindo pelo Azul da Inspiração;
Assim canta também meu coração,
Trovador torturado e angustioso.Ai! não, não acordeis, lembranças minhas!
Saudades d’umas noutes em que vinhas
Cantar comigo em doce desafio!Mas, pouco a pouco, os sons esmorecendo,
Perdem-se as notas pelo Azul morrendo,
– Addio, Eleonora, addio, addio!
Sepultura Romântica
Ali, onde o mar quebra, n’um cachão
Rugidor e monótono, e os ventos
Erguem pelo areal os seus lamentos,
Ali se há-de enterrar meu coração.Queimem-no os sóis da adusta solidão
Na fornalha do estio, em dias lentos;
Depois, no inverno, os sopros violentos
Lhe revolvam em torno o árido chão…Até que se desfaça e, já tornado
Em impalpavel pó, seja levado
Nos turbilhões que o vento levantar…Com suas lutas, seu cansado anseio,
Seu louco amor, dissolva-se no seio
D’esse infecundo, d’esse amargo mar!
A Máscara
Eu sei que há muito pranto na existência,
Dores que ferem corações de pedra,
E onde a vida borbulha e o sangue medra,
Aí existe a mágoa em sua essência.No delírio, porém, da febre ardente
Da ventura fugaz e transitória
O peito rompe a capa tormentória
Para sorrindo palpitar contente.Assim a turba inconsciente passa,
Muitos que esgotam do prazer a taça
Sentem no peito a dor indefinida.E entre a mágoa que masc’ra eterna apouca
A humanidade ri-se e ri-se louca
No carnaval intérmino da vida.
Impassível
Teu coração de mármore não ama
Nem um dia sequer, nem um só dia.
Essa inclemente natureza fria
Jamais na luz dos astros se derrama.Mares e céus, a imensidade clama
Por esse olhar d’estrelas e harmonia,
Sem uma névoa de melancolia,
Do amor nas pompas e na vida chama.A Imensidade nunca mais quer vê-lo,
Indiferente às comoções, de gelo
Ao mar, ao sol, aos roseirais de aromas.Ama com o teu olhar, que a tudo encantas,
Ou se antes de pedra, como as santas,
Mudas e tristes dentro das redomas.
Soneto XXXIII
Nunca se viu tão duro coração
Que sentindo chorar não distilasse
Lágrimas fervorosas, nem mostrasse
Que tinha do que via compaixão.Não espalhou Orfeu seus ais em vão,
Mas antes acabara que chorasse,
E que outro novo pranto levantasse,
Quem nunca se doera de aflição.Como não chorará com larga veia
Meu mal quem mo causou, e pouco o estima,
Pois chorá-lo te vê tão tristemente,Sendo mui natural que mais lastima
Quem chora como sua a pena alheia,
Que quem a pena própria chora, e sente.