Sonetos sobre Cores

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Sonetos de cores escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Senhora minha, se de pura inveja

Senhora minha, se de pura inveja
Amor me tolhe a vista delicada,
A cor, de rosa e neve semeada,
E dos olhos a luz que o Sol deseja,

Não me pode tolher que vos não veja
Nesta alma, que ele mesmo vos tem dada,
Onde vos terei sempre debuxada,
Por mais cruel inimigo que me seja.

Nela vos vejo, e vejo que não nasce
Em belo e fresco prado deleitoso
Senão flor que dá cheiro a toda a serra.

Os lírios tendes nu~a e noutra face.
Ditoso quem vos vir, mas mais ditoso
Quem os tiver, se há tanto bem na terra!

XCIX

Parece, ou eu me engano, que esta fonte
De repente o licor deixou turvado;
O céu, que estava limpo, e azulado,
Se vai escurecendo no horizonte:

Por que não haja horror, que não aponte
O agouro funestíssimo, e pesado,
Até de susto já não pasta o gado;
Nem uma voz se escuta em todo o monte.

Um raio de improviso na celeste
Região rebentou; um branco lírio
Da cor das violetas se reveste;

Será delírio! não, não é delírio.
Que é isto, pastor meu? que anúncio é este?
Morreu Nise (ai de mim!) tudo é martírio.

Amor é um Espírito Invisível

Dizem que fere amor com passadores
e que traz em matar o pensamento,
mas eu julgo que tem amor de vento
quem cuida haver no mundo tais amores.

Também dizem que o pintam os Pintores
menino, nu e cego: e tão sem tento,
que é mais cego e mais nu d’entendimento,
quem cuida que em amores cabem tais cores.

Amor é um espírito invisível,
que entra por onde quer, e abranda o peito
sem cor, sem arco, aljava, ou seta dura:

Pode num peito humano o impossível,
recebe-se somente no conceito,
e tem no coração posse segura.

Variação Sobre Um Soneto De Shakespeare

És como um dia cálido de estio…
Azul? Não, és mais linda e mais amena
O verão como tudo traz o frio
E o verão é inconstante, e tu serena.

Tu não trazes o frio, nem a pena
Da luz foste – tu vives, como um rio
Que cantasse uma mesma cantilena
Num sempre novo manso desvario.

Não morre o estio em ti – e no teu rosto
Ele deixou as cores da manhã
E as tristezas suaves do sol-posto.

Sem as marcas cruéis da noite vã.
E a morte que em ser também se deita
Em tua alma descansa satisfeita.

Meu Coração

Eu tenho um coração – um mísero coitado
ainda vive a sonhar… ainda sabe viver…
– acredita que o mudo é um castelo encantado
e criança vive a rir batendo de prazer…

Eu tenho um coração, – um mísero coitado
que um dia há de por fim, o mundo compreender…
– é um poeta, um sonhador, um pobre esperançado
que habita no meu peito e enche de sons meu ser…

Quando tudo é matéria e é sombra – ele é uma luz…
Ainda crê na ilusão… no amor… na fantasia…
– sabe todos de cor os versos que compus…

Deus pôs-me um coração com certeza enganado:
– e é por isso, talvez, que ainda faço poesia
lembrando um sonhador do século passado!…

Soneto 278 A Salvador Dali

Pra mim, Picasso perto dele é pinto.
Qual cubo nem Guernica! O catalão
pôs fogo na girafa, e dá lição
de como você pinta como eu pinto.

Relógios derreteu, deu ao recinto
bagunça formidável de ilusão.
Bigodes retorceu, e a posição
do Cristo subverteu: estilo extinto.

Talvez fez na pintura o que Gaudí
ergueu, fenomenal, na arquitetura:
delírio, porém nítido. Não vi

no século atual maior textura
que o fruto da estranheza de Dali,
o gênio do ocular na cor. Loucura!

O Que Alguém Disse

“Refugia-te na Arte” diz-me Alguém
“Eleva-te num vôo espiritual,
Esquece o teu amor, ri do teu mal,
Olhando-te a ti própria com desdém.

Só é grande e perfeito o que nos vem
Do que em nós é Divino e imortal!
Cega de luz e tonta de ideal
Busca em ti a Verdade e em mais ninguém!”

No poente doirado como a chama
Estas palavras morrem… E n’Aquele
Que é triste, como eu, fico a pensar…

O poente tem alma: sente e ama!
E, porque o sol é cor dos olhos d’Ele,
Eu fico olhando o sol, a soluçar…

Tortura Eterna

Impotência cruel, ó vã tortura!
Ó Força inútil, ansiedade humana!
Ó círculos dantescos da loucura!
Ó luta, Ó luta secular, insana!

Que tu não possas, Alma soberana,
Perpetuamente refulgir na Altura,
Na Aleluia da Luz, na clara Hosana
Do Sol, cantar, imortalmente pura.

Que tu não posses, Sentimento ardente,
Viver, vibrar nos brilhos do ar fremente,
Por entre as chamas, os clarões supernos.

Ó Sons intraduzíveis, Formas, Cores!…
Ah! que eu não possa eternizar as cores
Nos bronzes e nos mármores eternos!

Canção Da Formosura

Vinho de sol ideal canta e cintila
Nos teus olhos, cintila e aos lábios desce,
Desce a boca cheirosa e a empurpurece,
Cintila e canta após dentre a pupila.

Sobe, cantando, a limpidez tranqüila
Da tu’alma estrelada e resplandece,
Canta de novo e na doirada messe
Do teu amor, se perpetua e trila…

Canta e te alaga e se derrama e alaga…
Num rio de ouro, iriante, se propaga
Na tua carne alabastrina e pura.

Cintila e canta na canção das cores,
Na harmonia dos astros sonhadores,
A Canção imortal da Formosura!

Vita Nuova

De onde e veio esse tremor de ninho
A alvorecer na morta madrugada?
Era todo o meu ser… Não era nada,
Senão na pele a sombra de um carinho.

Ah, bem velho carinho! Um desalinho
De dedos tontos no painel da escada…
Batia a minha cor multiplicada,
– Era o sangue de Deus mudado em vinho!

Bandeiras tatalavam no alto mastro
Do meu desejo. No fervor da espera
Clareou à distância o súbito alabastro.

E na memória, em nova primavera,
Revivesceu, candente como um astro,
A flor do sonho, o sonho da quimera.

Celeste

A uma criança

Eu fiz do Céu azul minha esperança
E dos astros dourados meu tesouro…
Imagina por que, doce criança,
Nas noites de luar meus sonhos douro!

Adivinha, se podes, quanto é mansa
A luz que bola sob um cílio de ouro.
E como é lindo um laço azul na trança
Embalsamada de um cabelo louro!

Imagina por que peço, na morte,
– Um esquife todo azul que me transporte,
Longe da terra, longe dos escolhos…

Imagina por que… mas, lírio santo!
Não digas a ninguém que eu amo tanto
A cor de teu cabelo e dos teus olhos!

as meninas

as minhas filhas nadam. a mais nova
leva nos braços bóias pequeninas,
a outra dá um salto e põe à prova
o corpo esguio, as longas pernas finas:

entre risadas como serpentinas,
vai como a formosinha numa trova,
salta a pés juntos, dedos nas narinas,
e emerge ao sol que o seu cabelo escova.

a água tem a pele azul-turquesa
e brilhos e salpicos, e mergulham
feitas pura alegria incandescente.

e ficam, de ternura e de surpresa,
nas toalhas de cor em que se embrulham,
ninfinhas sobre a relva, de repente.

Campesinas VI

As uvas pretas em- cachos
Dão agora nas latadas…
Que lindo tom de alvoradas
Na vinha, junto aos riachos.

Este ano arados e sachos
Deixaram terras lavradas,
À espera das inflamadas
Ondas do sol, como fachos.

Veio o sol e fecundou-as,
Deu-lhes vigor, enseivou-as,
Tornou-as férteis de amor.

Eis que as vinhas rebentaram
E as uvas amaduraram,
Sanguíneas, com sol na cor.

Errante

Meu coração da cor dos rubros vinhos
Rasga a mortalha do meu peito brando
E vai fugindo, e tonto vai andando
A perder-se nas brumas dos caminhos.

Meu coração o místico profeta,
O paladino audaz da desventura,
Que sonha ser um santo e um poeta,
Vai procurar o Paço da Ventura…

Meu coração não chega lá decerto…
Não conhece o caminho nem o trilho,
Nem há memória desse sítio incerto…

Eu tecerei uns sonhos irreais…
Como essa mãe que viu partir o filho,
Como esse filho que não voltou mais!

Desce em Folhedos Tenros a Colina

Desce em folhedos tenros a colina:
Em glaucos, frouxos tons adormecidos,
Que saram, frescos, meus olhos ardidos,
Nos quais a chama do furor declina…

Oh vem, de branco, do imo da folhagem!
Os ramos, leve, a tua mão aparte.
Oh vem! Meus olhos querem desposar-te,
Refletir virgem a serena imagem.

De silva doida uma haste esquiva.
Quão delicada te osculou num dedo
Com um aljôfar cor de rosa viva!…

Ligeira a saia… Doce brisa impele-a…
Oh vem! De branco! Do imo do arvoredo!
Alma de silfo, carne de camélia…

Arvore, Cujo Pomo, Belo E Brando

Arvore, cujo pomo, belo e brando,
natureza de leite e sangue pinta,
onde a pureza, de vergonha tinta,
está virgíneas faces imitando;

nunca da ira e do vento, que arrancando
os troncos vão, o teu injúria sinta;
nem por malícia de ar te seja extinta
a cor, que está teu fruto debuxando;

que, pois me emprestas doce e idóneo abrigo
a meu contentamento, e favoreces
com teu suave cheiro minha glória,

se não te celebrar como mereces,
cantando te, sequer farei contigo
doce, nos casos tristes, a memória.

O Coração

Que jogo jogas, comédia ou lágrima? Cor
suspensa. Prodígio doendo. Enganador
relâmpago. Donde se enreda esta coragem
que chora ao riso e ri à dor? Quatro são

as pedras mestras do teu jogo. Dois cavalos
e os reis. Melancólicos actores. Vazia, a
plateia. O tempo ferido. O peão fugitivo.
A emoção real do presságio. O aceno

cordial do outro lado do jogo. Inscrição
única do pólen, jogada que se arrasta.
Gota de tédio na lonjura das casas.

O fecho do jogo se conclui. Muda o rosto a
visão possível. Cordato, o lance destrói
a memória do que já não vejo ou sei.

Correspondências

A natureza é um templo augusto, singular,
Que a gente ouve exprimir em língua misteriosa;
Um bosque simbolista onde a árvore frondosa
Vê passar os mortais, e segue-os com o olhar.

Como distintos sons que ao longe vão perder-se,
Formando uma só voz, de uma rara unidade,
Tem vasta como a noite a claridade,
Sons, perfumes e cor logram corresponder-se

Há perfumes subtis de carnes virginais,
Doces como o oboé, verdes como o alecrim,
E outros, de corrupção, ricos e triunfais

Como o âmbar e o musgo, o incenso e o benjoim,
Entoando o louvor dos arroubos ideais,
Com a larga expansão das notas d’um clarim.

Tradução de Delfim Guimarães

Cinco Sentidos

Cinco sentidos são os cinco dedos
Com que o homem tacteia a escuridão,
Rodeado de sombras e segredos
De que busca, e não acha, a solução.

Mas decerto haverá mundos mais ledos
Onde outros seres, de maior visão,
Rompendo brumas, dissipando medos,
A treva finalmente vencerão.

E sendo sete as cores, e outros tantos
Os sons da escala, mas com mil matizes
Que prolongam seu eco e seus encantos,

Talvez nos seja um dia transmitido,
Por esses mundos fortes e felizes,
Um novo sexto e sétimo sentido!

Realidade

Em ti o meu olhar fez-se alvorada,
E a minha voz fez-se gorjeio de ninho,
E a minha rubra boca apaixonada
Teve a frescura pálida do linho.

Embriagou-me o teu beijo como um vinho
Fulvo de Espanha, em taça cinzelada,
E a minha cabeleira desatada
Pôs a teus pés a sombra dum caminho.

Minhas pálpebras são cor de verbena,
Eu tenho os olhos garços, sou morena,
E para te encontrar foi que eu nasci…

Tens sido vida fora o meu desejo,
E agora, que te falo, que te vejo,
Não sei se te encontrei, se te perdi…