Renúncia
A minha mocidade há muito pus
No tranquilo convento da tristeza;
Lá passa dias, noites, sempre presa,
Olhos fechados, magras mãos em cruz…Lá fora, a Noite, Satanás, seduz!
Desdobra-se em requintes de Beleza…
E como um beijo ardente a Natureza…
A minha cela é como um rio de luz…Fecha os teus olhos bem! Não vejas nada!
Empalidece mais! E, resignada,
Prende os teus braços a uma cruz maior!Gela ainda a mortalha que te encerra!
Enche a boca de cinzas e de terra
Ó minha mocidade toda em flor!
Sonetos sobre Cruz
49 resultadosVerônica
Não a face do Cristo, a macilenta
Face do Cristo, a dolorosa face…
O martírio da Cruz passou fugace
E este Martírio, esta Paixão é lenta.Um vivo sangue a face te ensangüenta,
Mais vivo que se o Deus o derramasse;
Porque esta vã paixão, para que passe,
É mister dos Titãs a luta incruenta.Se tu, Visão da Luz, Visão sagrada
Queres ser a Verônica sonhada,
Consoladora dessa dor sombriaImpressa ficara no teu sudário
Não a face do Cristo do Calvário
Mas a face convulsa da Agonia!
Noite Cruel
A meu irmão Henrique
Morrer… morrer… morrer… Fechar na terra os olhos
A tudo o que se ama, a tudo o que se adora;
E nunca mais ouvir a música sonora
Da ilusão a cantar da vida nos refolhos…Sentir o coração ferir-se nos escolhos
De tormentoso mar, – pobre vaga que chora! –
E no arranco final da derradeira hora,
Soluçando morrer num oceano de abrolhos.Nem ao menos beijar – ó supremo desgosto! –
A mão doce e fiel que nos enxuga o rosto
Mostrando-nos o Céu suspenso de uma Cruz…E perguntar a Deus na agonia e nas trevas:
Onde fica, Senhor, a terra a que nos levas,
Com as mãos postas no seio e os dois olhos sem luz?!
Irradiações
Às crianças
Qual da amplidão fantástica e serena
À luz vermelha e rútila da aurora
Cai, gota a gota, o orvalho que avigora
A imaculada e cândida açucena.Como na cruz, da triste Madalena
Aos pés de Cristo, a lágrima sonora
Caia, rolou, qual bálsamo que irrora
A negra mágoa, a indefinida pena…Caia por vós, esplêndidas crianças
Bando feliz de castas esperanças,
Sonhos da estrela no infinito imersas;Caia por vós, as músicas formosas,
Como um dilúvio matinal de rosas,
Todo o luar benéfico dos versos!
Amor
Quando é noite, e, na voz da Imensidade,
Um alto sonho em lágrimas crepita,
Tua graça de morte me visita,
Teu olhar é um sorriso de saudade…E a tua Ausência intimamente invade
Meu coração que morto inda palpita;
E a lágrima que eu sangro se ilimita,
Reflecte em sua dor a eternidade!Vens de Além; são de sombras teus vestidos;
Tua noite de morte me ilumina,
Confundimos em êxtase os sentidos…Um canto ri na cruz da nossa dor;
Canto onde brilha uma oração divina,
Morre o Desejo e principia o Amor!
Sonetinho
Não tenho jeito pra trova
apesar das que já fiz
a quadra lembra uma cova
com a cruz dos versos em X…Ainda estou vivo e feliz
e do que digo dou prova:
– tentei cantar, numa trova,
e o meu amor pediu bis.Bem sei que é meu o defeito.
mas uma trova é tão pouco
que ao meu cantar não dá jeito…Só mesmo um poema é capaz
de conter o amor demais
que trago dentro do peito
Se Sois Riqueza
Se sois riqueza, como estais despido?
Se Omnipotente, como desprezado?
Se rei, como de espinhos coroado?
Se forte, como estais enfraquecido?Se luz, como a luz tendes perdida?
Se sol divino, como eclipsado?
Se Verbo, como é que estais calado?
Se vida, como estais amortecido?Se Deus? estais como homem nessa Cruz?
Se homem? como dais a um ladrão,
Com tão grande poder, posse dos céus?Ah, que sois Deus e Homem, bom Jesus!
Morrendo por Adão enquanto Adão,
E redimindo Adão enquanto Deus.
Dupla Via-Láctea
Sonhei! Sempre sonhar! No ar ondulavam
Os vultos vagos, vaporosos, lentos,
As formas alvas, os perfis nevoentos
Dos Anjos que no Espaço desfilavam.E alas voavam de Anjos brancos, voavam
Por entre hosanas e chamejamentos…
Claros sussurros de celestes ventos
Dos Anjos longas vestes agitavam.E tu, já livre dos terrestres lodos,
Vestida do esplendor dos astros todos,
Nas auréolas dos céus engrinaldadaDentre as zonas de luz flamo-radiante,
Na cruz da Via-Láctea palpitante
Apareceste então crucificada!
Oração Da Noite
Ajoelhada, ó meu Deus, e as duas mãos unidas,
Olhos fitos na Cruz, imploro a tua graça…
Esconde-me, Jesus! da treva que esvoaça
Na tristeza e no horror das noites mal dormidas,Maria! Virgem mãe das almas compungidas,
Sorriso no prazer, conforto na desgraça…
Recolhe essa oração que nos meus lábios passa
Em palavras de fé no teu amor ungidas.Anjo de minha guarda, ó doce companheiro!
Tu que levas do berço ao porto derradeiro
O lúrido batel de meu sonhar sem fim,Dá-me o sono que traz o bálsamo ao tormento,
Afoga o coração no mar do esquecimento…
Abre as asas, meu anjo, e estende-as sobre mim.