Sonetos sobre Espera

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Sonetos de espera escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Não Estejas Longe de Mim um Dia que Seja

Não estejas longe de mim um dia que seja, porque,
porque, não sei dizê-lo, é longo o dia,
e estarei à tua espera como nas estações
quando em algum sitio os comboios adormeceram.

Não te afastes uma hora porque então
nessa hora se juntam as gotas da insónia
e talvez o fumo que anda à procura de casa
venha matar ainda meu coração perdido.

Ai que não se quebre a tua silhueta na areia,
ai que na ausência as tuas pálpebras não voem:
não te vás por um minuto, ó bem-amada,

porque nesse minuto terás ido tão longe
que atravessarei a terra inteira perguntando
se voltarás ou me deixarás morrer.

Aparição

Um dia, meu amor (e talvez cedo,
Que já sinto estalar-me o coração!)
Recordarás com dor e compaixão
As ternas juras que te fiz a medo…

Então, da casta alcova no segredo,
Da lamparina ao trémulo clarão,
Ante ti surgirei, espectro vão,
Larva fugida ao sepulcral degredo…

E tu, meu anjo, ao ver-me, entre gemidos
E aflitos ais, estenderás os braços
Tentando segurar-te aos meus vestidos…

— «Ouve! espera!» — Mas eu, sem te escutar,
Fugirei, como um sonho, aos teus abraços
E como fumo sumir-me-ei no ar!

Ao Tempo

Levanta o pano, ó tragador das eras,
A cena mostra das fatais desditas,
Pois que no giro das paixões que incitas
Tragar venturas, vorazmente, esperas.

Do vário mundo que só nutre feras,
Co’a torva dextra lhe desvia as ditas.
Solta das asas as Tentações malditas,
Os filhos traga, que indolente geras.

Leva de rojo, c’o decretado gume,
Planos que traças ao profundo Averno.
Acende e apaga da Razão o lume!

Ó Tempo, ó Tempo, regedor do Inferno!
Louvem-te as Fúrias, de quem tens ciúme,
Que só adoro as decisões do Eterno.

Soneto IIII

Ao Reitor António de Mendonça.

Neste árduo labirinto onde me guio,
Sem esperança algua de saída,
Mostrai, senhor, o fio à minha vida,
Pois está minha vida já no fio.

Incertos passos, hórrido desvio,
Medonhos ares, confusão crescida
Ma trazem com temor desfalecida,
E dela já de todo desconfio.

A vós só tem minha esperança morta,
Se morta pode ser ua esperança
Que vos tem vivo, e largos anos tenha.

Se espera mal, e ser queimada importa
Por crer mais do que pode e cá se alcança,
O fogo ponde, que eu lhe ajunto a lenha.

Espiritualidade

É no sonho que o amor engrandece o seu mundo
para morrer depois nos sentidos exausto…
Nasce, como o de Comte e Clotilde, profundo,
morre, feito desejo, na expressão de um Fausto!

Mais sublime talvez, talvez menos fecundo
antes da posse, é apenas perfume… luz… hausto…
– até que atinge o instante imortal de um segundo
em que a ele ofertamos tudo em holocausto!

O que possui de grande, esplêndido, complexo,
está, nessa afeição mais do homem que da fera,
mais do Ser propriamente que do próprio sexo…

Está mais na visão do que se imaginou
– e é por isso que o amor maior é o que se espera,
e eterno, é o que se espera… e nunca o que chegou!…

Ah, que Olhos Pôs Amor na Minha Cara

Ah, que olhos pôs Amor na minha cara
mas sem correspondência a fiel vista?
Ou se a têm, meu juízo onde é que pára
que em tão falsas censuras inda insista?

Se é belo o que meus olhos falso adoram
que quer dizer o mundo em negação?
E se não é, amor mostra se goram
seus olhos, menos fiéis que os homens: não,

como pode? Como pode, se pranto
e espera o afectam, ser fiel no olhar?
De erros da minha vista não me espanto,

o sol não vê até o céu limpar.
Manhoso amor, com choros pões-me cego,
mas vendo bem, a tuas faltas chego.

Esperar

Quanta gente há que sofre o mal sem cura
de uma infinita e vã desesperança,
condenada a viver só da lembrança
sem direito a esperar qualquer ventura!

E eu a chamar de angústia e de amargura
esta minha saudade ingênua e mansa
que faz com que me sinta um pouco criança ,
só porque a espero com maior ternura!

E eu a dizer que a minha vida é má
Feliz é quem espera um bem que alcança
e eu sou feliz porque ela voltará…

Voltará – pressurosa e comovida –
Ah! poder esperar tendo esperança
é a mais doce esperança desta vida!

8A Sombra – Último Fantasma

Quem és tu, quem és tu, vulto gracioso,
Que te elevas da noite na orvalhada?
Tens a face nas sombras mergulhada…
Sobre as névoas te libras vaporoso …

Baixas do céu num vôo harmonioso!…
Quem és tu, bela e branca desposada?
Da laranjeira em flor a flor nevada
Cerca-te a fronte, ó ser misterioso! …

Onde nos vimos nós? És doutra esfera ?
És o ser que eu busquei do sul ao norte. . .
Por quem meu peito em sonhos desespera?

Quem és tu? Quem és tu? – És minha sorte!
És talvez o ideal que est’alma espera!
És a glória talvez! Talvez a morte!

Espera

Se tivesse mandado uma palavra: -“espera!”
Sem mais nada, nem mesmo explicar até quando,
eu teria ficado até hoje esperando…
– era a eterna ilusão de que fosses sincera…

Que importa a vida, o Sol, a primavera,
se eras a vida, o Sol, a flor desabrochando?
Se tivesses mandado uma palavra: -“espera!”
eu teria ficado até hoje esperando…

Não mandaste, tu nada disseste, e eu segui
sem saber que fazer da vida que era tua
procurando com o mundo esquecer-me de ti…

E afinal o destino, irônico e mordaz,
ontem, fez-me cruzar com o teu olhar na rua,
ouvir dizer-te: -“espera!…”E ser tarde demais…

Maria das Quimeras

Maria das Quimeras me chamou
Alguém.. Pelos castelos que eu ergui
P’las flores d’oiro e azul que a sol teci
Numa tela de sonho que estalou.

Maria das Quimeras me ficou;
Com elas na minh’alma adormeci.
Mas, quando despertei, nem uma vi
Que da minh’alma, Alguém, tudo levou!

Maria das Quimeras, que fim deste
Às flores d’oiro e azul que a sol bordaste,
Aos sonhos tresloucados que fizeste?

Pelo mundo, na vida, o que é que esperas?…
Aonde estão os beijos que sonhaste,
Maria das Quimeras, sem quimeras?…

XLI

Cantem outros a clara cor virente
Do bosque em flor e a luz do dia eterno…
Envoltos nos clarões fulvos do oriente,
Cantem a primavera: eu canto o inverno.

Para muitos o imoto céu clemente
É um manto de carinho suave e terno:
Cantam a vida, e nenhum deles sente
Que decantando vai o próprio inferno.

Cantam esta mansão, onde entre prantos
Cada um espera o sepulcral punhado
De úmido pó que há de abafar-lhe os cantos…

Cada um de nós é a bússola sem norte.
Sempre o presente pior do que o passado.
Cantem outros a vida: eu canto a morte…

Repouso

A cabeça pendida docemente
Em sonhos, sonha o sonhador inquieto,
Repousa e nesse repousar discreto
É sempre o sonho o seu bordão clemente.

Cego desta Prisão impenitente
Da Terra e cego do profundo Afeto,
O sonho é sempre o seu bordão secreto
O seu guia divino e refulgente.

Nem no repouso encontra a paz que espera,
Para lhe adormecer toda a quimera,
Os círculos fatais do seu Inferno.

Entre a calma aparente, a estranha calma,
O seu repouso é sempre a febre d’alma,
O seu repouso é sonho, e sonho eterno.

Primavera

Ah! quem nos dera que isto, como outrora,
Inda nos comovesse! Ah! quem nos dera
Que inda juntos pudéssemos agora
Ver o desabrochar da primavera!

Saíamos com os pássaros e a aurora.
E, no chão, sobre os troncos cheios de hera,
Sentavas-te sorrindo, de hora em hora:
“Beijemo-nos! amemo-nos! espera!”

E esse corpo de rosa recendia,
E aos meus beijos de fogo palpitava,
Alquebrado de amor e de cansaço.

A alma da terra gorjeava e ria…
Nascia a primavera… E eu te levava,
Primavera de carne, pelo braço!

O Espírito

Nada a fazer amor, eu sou do bando
Impermanente das aves friorentas;
E nos galhos dos anos desbotando
Já as folhas me ofuscam macilentas;

E vou com as andorinhas. Até quando?
À vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.

Pensa-me eterna que o eterno gera
Quem na amada o conjura. Além, mais alto,
Em ileso beiral, aí espera:

Andorinha indemne ao sobressalto
Do tempo, núncia de perene primavera.
Confia. Eu sou romântica. Não falto.

O Pântano

Podem vê-lo, sem dor, meus semelhantes!
Mas, para mim que a Natureza escuto,
Este pântano é o túmulo absoluto,
De todas as grandezas começantes!

Larvas desconhecidas de gigantes
Sobre o seu leito de peçonha e luto
Dormem tranqüilamente o sono bruto
Dos superorganismos ainda infantes!

Em sua estagnação arde uma raça,
Tragicamente, à espera de quem passa
Para abrir-lhe, às escâncaras, a porta…

E eu sinto a angústia dessa raça ardente
Condenada a esperar perpetuamente
No universo esmagado da água morta!

O Anel de Corina

Enquanto espera a hora combinada
De o remeter com flores a Corina,
Ovídio oscúla o anel que lhe destina
E em que uma gema fulge bem gravada.

— « Como eu te invejo, ó prenda afortunada !
« Com ela vais dormir, mimosa e fina,
« Com ela has-de banhar-te na piscina
« Donde sairá, qual Venus, orvalhada,

« O dorso e o seio lhe verás de rosas,
« E selarás as cartas deliciosas
« Com que em minh’alma alento e esp’rança verte…

« E temendo (suprema f’licidade!)
« Que a cera adira á pedra, ai! então ha-de
« Com a ponta da língua humedecer-te! »

A uma Ausência

Sinto-me, sem sentir, todo abrasado
No rigoroso fogo que me alenta;
O mal, que me consome, me sustenta;
O bem, que me entretém, me dá cuidado.

Ando sem me mover, falo calado;
O que mais perto vejo, se me ausenta,
E o que estou sem ver, mais me atormenta;
Alegro-me de ver-me atormentado.

Choro no mesmo ponto em que me rio;
No mor risco me anima á confiança;
Do que menos se espera estou mais certo.

Mas se de confiado desconfio,
É porque, entre os receios da mudança,
Ando perdido em mim como em deserto.

XXXI

Longe de ti, se escuto, porventura,
Teu nome, que uma boca indiferente
Entre outros nomes de mulher murmura,
Sobe-me o pranto aos olhos, de repente…

Tal aquele, que, mísero, a tortura
Sofre de amargo exílio, e tristemente
A linguagem natal, maviosa e pura,
Ouve falada por estranha gente…

Porque teu nome é para mim o nome
De uma pátria distante e idolatrada,
Cuja saudade ardente me consome:

E ouvi-lo é ver a eterna primavera
E a eterna luz da terra abençoada,
Onde, entre flores, teu amor me espera.