Sonetos sobre Estranhos

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Sonetos de estranhos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Lembranças Apagadas

Outros, mais do que o meu, finos olfatos,
Sintam aquele aroma estranho e belo
Que tu, ó Lírio lânguido, singelo,
Guardaste nos teus Ă­ntimos recatos.

Que outros se lembrem dos sutis e exatos
Traços, que hoje não lembro e não revelo
E se recordem, com profundo anelo,
Da tua voz de siderais contatos…

Mas eu, para lembrar mortos encantos,
Rosas murchas de graças e quebrantos,
Linhas, perfil e tanta dor saudosa,

Tanto martírio, tanta mágoa e pena,
Precisaria de uma luz serene,
De uma luz imortal maravilhosa!…

Em Busca

Ponho os olhos em mim, como se olhasse um estranho,
E choro de me ver tĂŁo outro, tĂŁo mudado…
Sem desvendar a causa, o Ă­ntimo cuidado
Que sofro do meu mal — o mal de que provenho.

Já não sou aquele Eu do tempo que é passado,
Pastor das ilusões perdi o meu rebanho,
NĂŁo sei do meu amor, saĂşde nĂŁo na tenho,
E a vida sem saĂşde Ă© um sofrer dobrado.

A minh’alma rasgou-ma o trágico Desgosto
Nas silvas do abandono, Ă  hora do sol-posto,
Quando o azul começa a diluir-se em astros…

E à beira do caminho, até lá muito longe,
Como um mendigo sĂł, como um sombrio monge,
Anda o meu coração em busca dos seus rastros…

Camões III

Quando, torcendo a chave misteriosa
Que os cancelos fechava do Oriente,
O Gama abriu a nova terra ardente
Aos olhos da companha valorosa,

Talvez uma visĂŁo resplandecente
Lhe amostrou no futuro a sonorosa
Tuba. que cantaria a ação famosa
Aos ouvidos da prĂłpria e estranha gente.

E disse: “Se já noutra, antiga idade,
TrĂłia bastou aos homens, ora quero
Mostrar que Ă© mais humana a humanidade.

Pois não serás herói de um canto fero,
Mas vencerás o tempo e a imensidade
Na voz de outro moderno e brando Homero”.

VisĂŁo Da Morte

Olhos voltados para mim e abertos
Os braços brancos, os nervosos braços,
Vens d’espaços estranhos, dos espaços
Infinitos, intĂ©rminos, desertos…

Do teu perfil os tĂ­midos, incertos
Traços indefinidos, vagos traços
Deixam, da luz nos ouros e nos aços,
Outra luz de que os céus ficam cobertos.

Deixam nos céus uma outra luz mortuária,
Uma outra luz de lĂ­vidos martĂ­rios,
De agonies, de mágoa funerária…

E causas febre e horror, frio, delĂ­rios,
Ó Noiva do Sepulcro, solitária,
Branca e sinistra no clarĂŁo dos cĂ­rios!

Conciliação

Se essa angĂşstia de amar te crucifica,
NĂŁo Ă©s da dor um simples fugitivo:
Ela marcou-te com o sinete vivo
Da sua estranha majestade rica.

És sempre o Assinalado ideal que fica
Sorrindo e contemplando o céu altivo;
Dos Compassivos Ă©s o compassivo,
Na Transfiguração que glorifica.

Nunca mais de tremer terás direito…
Da Natureza todo o Amor perfeito
Adorarás, venerarás contrito.

Ah! Basta encher, eternamente basta
Encher, encher toda esta Esfera vasta
Da convulsão do teu soluço aflito!

Vossos Olhos, Senhora, Que Competem

Vossos olhos, Senhora, que competem
co Sol em fermosura e claridade,
enchem os meus de tal suavidade
que em lágrimas, de vê-los, se derretem.

Meus sentidos vencidos se sometem
assi cegos a tanta majestade;
e da triste prisĂŁo, da escuridade,
cheios de medo, por fugir remetem.

Mas se nisto me vedes por acerto,
o áspero desprezo com que olhais
torna a espertar a alma enfraquecida.

Ă“ gentil cura e estranho desconcerto!
Que fará o favor que vós não dais,
quando o vosso desprezo torna a vida?

Deus Do Mal

EspĂ­rito do Mal, Ăł deus perverso
Que tantas almas dĂşbias acalentas,
Veneno tentador na luz disperso
Que a prĂłpria luz e a prĂłpria sombra tentas.

SĂ­mbolo atroz das culpas do Universo,
Espelho fiel das convulsões violentas
Do gasto coração no lodo imerso
Das tormentas vulcânicas, sangrentas.

Toda a tua sinistra trajetĂłria
Tem um brilho de lágrima ilusória,
As melodias mĂłrbidas do Inferno…

És Mal, mas sendo Mal és soluçante,
Sem a graça divina e consolante,
RĂ©probo estranho do PerdĂŁo eterno!

A Floresta

Em vĂŁo com o mundo da floresta privas!…
– Todas as hermenĂŞuticas sondagens,
Ante o hierĂłglifo e o enigma das folhagens,
SĂŁo absolutamente negativas!

Araucárias, traçando arcos de ogivas,
Bracejamentos de álamos selvagens,
Como um convite para estranhas viagens,
Tornam todas as almas pensativas!

Há uma força vencida nesse mundo!
Todo o organismo florestal profundo
É dor viva, trancada num disfarce…

Vivem sĂł, nele, os elementos broncos,
– As ambições que se fizeram troncos,
Porque nunca puderam realizar-se!

O Meu Sonho Habitual

Tenho Ă s vezes um sonho estranho e penetrante
Com uma desconhecida, que amo e que me ama
E que, de cada vez, nunca Ă© bem a mesma
Nem Ă© bem qualquer outra, e me ama e compreende.

Porque me entende, e o meu coração, transparente
SĂł pra ela, ah!, deixa de ser um problema
Só pra ela, e os suores da minha testa pálida,
Só ela, quando chora, sabe refrescá-los.

Será morena, loira ou ruiva? — Ainda ignoro.
O seu nome? Recordo que Ă© suave e sonoro
Como esses dos amantes que a vida exilou.

O olhar é semelhante ao olhar das estátuas
E quanto Ă  voz, distante e calma e grave, guarda
Inflexões de outras vozes que o tempo calou.

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

Logos

Tu, que eu não vejo, e estás ao pé de mim
E, o que é mais, dentro de mim — que me rodeias
Com um nimbo de afectos e de idéias,
Que sĂŁo o meu princĂ­pio, meio e fim…

Que estranho ser Ă©s tu (se Ă©s ser) que assim
Me arrebatas contigo e me passeias
Em regiões inominadas, cheias
De encanto e de pavor… de nĂŁo e sim…

És um reflexo apenas da minha alma,
E em vez de te encarar com fronte calma,
Sobressalto-me ao ver-te, e tremo e exoro-te…

Falo-te, calas… calo, e vens atento…
És um pai, um irmão, e é um tormento
Ter-te a meu lado… Ă©s um tirano, e adoro-te!

Narciso

Dentro de mim me quis eu ver. Tremia,
Dobrado em dois sobre o meu prĂłprio poço…
Ah, que terrível face e que arcabouço
Este meu corpo lânguido escondia!

Ă“ boca tumular, cerrada e fria,
Cujo silêncio esfíngico bem ouço!
Ó lindos olhos sôfregos, de moço,
Numa fronte a suar melancolia!

Assim me desejei nestas imagens.
Meus poemas requintados e selvagens,
O meu Desejo os sulca de vermelho:

Que eu vivo Ă  espera dessa noite estranha,
Noite de amor em que me goze e tenha,
…Lá no fundo do poço em que me espelho!

A Dor Maior

NĂŁo quis julgar-te fĂştil nem banal
e chamei-te de criança tão-somente,
– reconheço, no entanto, infelizmente,
que, porque te quis bem, julguei-te mal.

Pensei atĂ©, ( e o fiz ingenuamente…)
ter encontrado a companheira ideal…
Quis julgar-te das outras diferente,
e Ă©s como as outras todas afinal…

Hoje, uma dor estranha me consome
e um sentimento a que nĂŁo sei dar nome
faz-me sofrer, se lembro o amor perdido…

A dor maior… A maior dor, no entanto,
vem de pensar de Ter-te amado tanto
sem que ao menos tivesses merecido!…

Anima Mea

Ă“ minh’alma, Ăł minh’alma, Ăł meu Abrigo,
Meu sol e minha sombra peregrina,
Luz imortal que os mundos ilumina
Do velho Sonho, meu fiel Amigo!

Estrada ideal de SĂŁo Tiago, antigo
Templo da minha fé casta e divina,
De onde é que vem toda esta mágoa fina
Que Ă©, no entanto, consolo e que eu bendigo?

De onde é que vem tanta esperança vaga,
De onde vem tanto anseio que me alaga,
Tanta diluída e sempiterna mágoa?

Ah! de onde vem toda essa estranha essĂŞncia
De tanta misteriosa TranscendĂŞncia
Que estes olhos me dixam rasos de água?!

Perdi os Meus Fantásticos Castelos

Perdi meus fantásticos castelos
Como nĂ©voa distante que se esfuma…
Quis vencer, quis lutar, quis defendĂŞ-los:
Quebrei as minhas lanças uma a uma!

Perdi minhas galeras entre os gelos
Que se afundaram sobre um mar de bruma…
– Tantos escolhos! Quem podia vĂŞ-los? –
Deitei-me ao mar e nĂŁo salvei nenhuma!

Perdi a minha taça, o meu anel,
A minha cota de aço, o meu corcel,
Perdi meu elmo de ouro e pedrarias…

Sobem-me aos lábios sĂşplicas estranhas…
Sobre o meu coração pesam montanhas…
Olho assombrada as minhas mĂŁos vazias…

Encarnação

Carnais, sejam carnais tantos desejos,
Carnais, sejam carnais tantos anseios,
Palpitações e frêmitos e enleios,
Das harpas da emoção tantos arpejos…

Sonhos, que vĂŁo, por trĂŞmulos adejos,
A noite, ao luar, intumescer os seios
Lácteos, de finos e azulados veios
De virgindade, de pudor, de pejos…

Sejam carnais todos os sonhos brumos
De estranhos, vagos, estrelados rumos
Onde as Visões do amor dormem geladas…

Sonhos, palpitações, desejos e ânsias
Formem, com claridades e fragrâncias,
A encarnação das lívidas Amadas!

XXXII

Como quisesse livre ser, deixando
As paragens natais, espaço em fora,
A ave, ao bafejo tépido da aurora,
Abriu as asas e partiu cantando.

Estranhos climas, longes céus, cortando
Nuvens e nuvens, percorreu: e, agora
Que morre o sol, suspende o vĂ´o, e chora,
E chora, a vida antiga recordando …

E logo, o olhar volvendo compungido
Atrás, volta saudosa do carinho,
Do calor da primeira habitação…

Assim por largo tempo andei perdido:
– Ali! que alegria ver de novo o ninho,
Ver-te, e beijar-te a pequenina mĂŁo!

O Grande Momento

Inicia-te, enfim, Alma imprevista,
Entra no seio dos Iniciados.
Esperam-te de luz maravilhados
Os Dons que vĂŁo te consagrar Artista.

Toda uma Esfera te deslumbra a vista,
Os ativos sentidos requintados.
Céus e mais céus e céus transfigurados
Abrem-te as portas da imortal Conquista.

Eis o grande Momento prodigioso
Para entrares sereno e majestoso
Num mundo estranho d’esplendor sidĂ©reo.

Borboleta de sol, surge da lesma…
Oh! vai, entra na posse de ti mesma,
Quebra os selos augustos do Mistério!

A Anto!

Poeta da saudade, ó meu poeta qu´rido
Que a morte arrebatou em seu sorrir fatal,
Ao escrever o SĂł pensaste enternecido
Que era o mais triste livro deste Portugal,

Pensaste nos que liam esse teu missal,
Tua bĂ­blia de dor, teu chorar sentido
Temeste que esse altar pudesse fazer mal
Aos que comungam nele a soluçar contigo!

Ă“ Anto! Eu adoro os teus estranhos versos,
Soluços que eu uni e que senti dispersos
Por todo o livro triste! Achei teu coração…

Amo-te como não te quis nunca ninguém,
Como se eu fosse, Ăł Anto, a tua prĂłpria mĂŁe
Beijando-te já frio no fundo do caixão!

Desterro

Já me não amas? Basta! Irei, triste, e exilado
Do meu primeiro amor para outro amor, sozinho.
Adeus, carne cheirosa! Adeus, primeiro ninho
Do meu delĂ­rio! Adeus, belo corpo adorado!

Em ti, como num vale, adormeci deitado,
No meu sonho de amor, em meĂŁo do caminho…
Beijo-te inda uma vez, num Ăşltimo carinho,
Como quem vai sair da pátria desterrado…

Adeus, corpo gentil, pátria do meu desejo!
Berço em que se emplumou o meu primeiro idílio,
Terra em que floresceu o meu primeiro beijo!

Adeus! Esse outro amor há de amargar-me tanto
Como o pĂŁo que se come entre estranhos, no exĂ­lio,
Amassado com fel e embebido de pranto…

A Minha Tragédia

Tenho Ăłdio Ă  luz e raiva Ă  claridade
Do sol, alegre, quente, na subida.
Parece que a minh’alma é perseguida
Por um carrasco cheio de maldade!

Ă“ minha vĂŁ, inĂştil mocidade,
Trazes-me embriagada, entontecida! …
Duns beijos que me deste noutra vida,
Trago em meus lábios roxos, a saudade! …

Eu nĂŁo gosto do sol, eu tenho medo
Que me leiam nos olhos o segredo
De não amar ninguém, de ser assim!

Gosto da Noite imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim! …