Sonetos sobre Estranhos

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Sonetos de estranhos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Dança Do Ventre

Torva, febril, torcicolosamente,
Numa espiral de elétricos volteios,
Na cabeça, nos olhos e nos seios
FluĂ­am-lhe os venenos da serpente.

Ah! que agonia tenebrosa e ardente!
Que convulsĂ”es, que lĂșbricos anseios,
Quanta volĂșpia e quantos bamboleios,
Que brusco e horrĂ­vel sensualismo quente.

O ventre, em pinchos, empinava todo
Como reptil abjecto sobre o lodo,
Espolinhando e retorcido em fĂșria.

Era a dança macabra e multiforme
De um verme estranho, colossal, enorme,
Do demĂŽnio sangrento da luxĂșria!

XXVIII

Pinta-me a curva destes cĂ©us … Agora,
Erecta, ao fundo, a cordilheira apruma:
Pinta as nuvens de fogo de uma em uma,
E alto, entre as nuvens, o raiar da aurora.

Solta, ondulando, os véus de espessa bruma,
E o vale pinta, e, pelo vale em fora,
A correnteza tĂșrbida e sonora
Do ParaĂ­ba, em torvelins de espuma.

Pinta; mas vĂȘ de que maneira pintas …
Antes busques as cores da tristeza,
Poupando o escrĂ­nio das alegres tintas:

– Tristeza sir-gular, estranha mĂĄgoa
De que vejo coberta a natureza,
Porque a vejo com os olhos rasos d’ĂĄgua …

A Vida que Vivemos

A vida que vivemos encerrou-se
na concha de coral duma lembrança.
Por muros altaneiros confmou-se,
volteia dentro deles em suave dança.

Liberta de sonhar, por tal fronteira,
condenada a um eterno redopio,
pusilĂąnime e triste timoneira
balançando ao sabor do teu navio,

Ăł estranha expressĂŁo de movimento,
tĂŁo escrava de ti que nĂŁo tens fim,
Ăł reduto fechado dum tormento

cujas mĂŁos me maltratam sĂł a mim,
deixa as aves lançarem no teu meio
essa sombra das asas por que anseio!

Vencedor

Toma as espadas rĂștilas, guerreiro,
E ĂĄ rutilĂąncia das espadas, toma
A adaga de aço, o glådio de aço, e doma
Meu coração – estranho carniceiro!

NĂŁo podes?! Chama entĂŁo presto o primeiro
E o mais possante gladiador de Roma.
E qual mais pronto, e qual mais presto assoma,
Nenhum pode domar o prisioneiro.

Meu coração triunfava nas arenas.
Veio depois de um domador de hienas
E outro mais, e, por fim, veio um atleta,

Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem…
E não pude domå-lo, enfim, ninguém,
Que ninguém doma um coração de poeta!

Aconteceu-Me Do Alto Do Infinito

Aconteceu-me do alto do infinito
Esta vida. Através de nevoeiros,
Do meu prĂłprio ermo ser fumos primeiros,
Vim ganhando, e través estranhos ritos

De sombra e luz ocasional, e gritos
Vagos ao longe, e assomos passageiros
De saudade incĂłgnita, luzeiros
De divino, este ser fosco e proscrito…

Caiu chuva em passados que fui eu.
Houve planícies de céu baixo e neve
Nalguma cousa de alma do que Ă© meu.

Narrei-me Ă  sombra e nĂŁo me achei sentido.
Hoje sei-me o deserto onde Deus teve
Outrora a sua capital de olvido…

HĂĄ Um PaĂ­s Imenso Mais Real

HĂĄ um paĂ­s imenso mais real
Do que a vida que o mundo mostra Ter
Mais do que a Natureza natural
À verdade tremendo de viver.

Sob um céu uno e plåcido e normal
Onde nada se mostra haver ou ser
Onde nem vento geme, nem fatal
A idéias de uma nuvem se faz crer,

Jaz – uma terra nĂŁo – nĂŁo hĂĄ um solo
Mas estranha, gelando em desconsolo
À alma que vĂȘ esse paĂ­s sem vĂ©u,

Hirtamente silente nos espaços
Uma floresta de escarnados braços
Inutilmente erguidos para o céu.

SilĂȘncios

Largos SilĂȘncios interpretativos,
Adoçados por funda nostalgia,
Balada de consolo e simpatia
Que os sentimentos meus torna cativos.

Harmonia de doces lenitivos,
Sombra, segredo, lĂĄgrima, harmonia
Da alma serena, da alma fugidia
Nos seus vagos espasmos sugestivos.

Ó SilĂȘncios! Ăł cĂąndidos desmaios,
VĂĄcuos fecundos de celestes raios
De sonhos, no mais lĂ­mpido cortejo…

Eu vos sinto os mistérios insondåveis,
Como de estranhos anjos inefĂĄveis
O glorioso esplendor de um grande beijo!

GlĂłrias Antigas

Rubras como gauleses arruivados,
Voltam da guerra as hostes triunfantes,
Trazem nas lanças d’aço lampejantes,
Os louros das batalhas pendurados.

Os escudos e arneses dos soldados
Rutilam como lascas de diamantes
E na armadura os mĂșsculos vibrantes,
Rijos, palpitam, batem nervurados.

Dentre estandartes, flĂąmulas de cores,
Trazem dos olhos rufos de tambores,
RuĂ­dos de alegria estranha e louca.

Chegam por fim, Ă  pĂĄtria vitoriosa…
E entĂŁo, da ardente glĂłria belicosa,
HĂĄ um grito vermelho em cada boca!

Tédio

Ando às vezes boçal e sinto-me incapaz
De encontrar uma rima ou produzir um verso;
Fazendo de mim mesmo a ideia de um perverso
Capaz de apunhalar Ă  luz do gĂĄs.

Incomoda-me a Cor, o sangue do Poente
– Waterloo rubro de que o sol Ă© Bonaparte -;
NĂŁo compreendo, Mulher, como inda posso amar-te
Se tenho raiva, muita raiva a toda a gente.

‘TĂ© onde a vista alcança alargo o meu olhar,
E creio quanto existe uma nĂłdoa escura
Que as lĂĄgrimas do Choro hĂŁo de jamais lavar…

Estranha concepção! Abranjo o mundo todo
E em cada estrela vejo a mesma lama impura,
E em cada boca rubra o mesmo impuro lodo!

Ideal Comum

(Soneto escrito em colaboração com Oscar Rosas).

Dos cheirosos, silvestres ananases
De casca rubra e polpa acidulosa,
Tens na carne fremente, volutuosa,
Os aromas recĂŽnditos, vivazes.

Lembras lĂ­rios, papoulas e lilazes;
A tua boca exala a trevo e a rosa,
Resplande essa cabeça primorosa
E o dia e a noite nos teus olhos trazes.

Astros, jardins, relĂąmpagos e luares
Inundam-te os fantĂĄsticos cismares,
Cheios de amor e estranhos calafrios;

E teus seios, olĂ­mpicos, morenos,
Propinando-me trĂĄgicos venenos,
SĂŁo como em brumas, solitĂĄrios rios.

Vaso ChinĂȘs

Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mĂĄrmor luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.

Fino artista chinĂȘs, enamorado,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.

Mas, talvez por contraste Ă  desventura,
Quem o sabe?… de um velho mandarim
Também lå estava a singular figura.

Que arte em pintĂĄ-la! A gente acaso vendo-a,
Sentia um nĂŁo sei quĂȘ com aquele chim
De olhos cortados Ă  feição de amĂȘndoa.

O Último NĂșmero

Hora da minha morte. Hirta, ao meu lado,
A idĂ©ia estertorava-se… No fundo
Do meu entendimento moribundo
jazia o Ășltimo nĂșmero cansado.

Era de vĂȘ-lo, imĂłvel, resignado,
Tragicamente de si mesmo oriundo,
Fora da sucessĂŁo, estranho ao mundo,
Com o reflexo fĂșnebre do Increado:

Bradei: – Que fazes ainda no meu crĂąnio?
E o Ășltimo nĂșmero, atro e subterrĂąneo,
Parecia dizer-me: “É tarde, amigo!

Pois que a minha ontogĂȘnica Grandeza
Nunca vibrou em tua lĂ­ngua presa,
NĂŁo te abandono mais! Morro contigo!”

Vossos Olhos, Senhora, que Competem

Vossos olhos, Senhora, que competem
Com o Sol em beleza e claridade,
Enchem os meus de tal suavidade,
Que em lĂĄgrimas de vĂȘ-los se derretem.

Meus sentidos prostrados se submetem
Assim cegos a tanta majestade;
E da triste prisĂŁo, da escuridade,
Cheios de medo, por fugir remetem.

Porém se então me vedes por acerto,
Esse ĂĄspero desprezo com que olhais
Me torna a animar a alma enfraquecida.

Oh gentil cura! Oh estranho desconcerto!
Que dareis c’ um favor que vĂłs nĂŁo dais,
Quando com um desprezo me dais vida?

A Luz

Ela veio…( E a minha alma tinha a porta
aberta, e ela entrou…Casa vazia
e estranha, esta que em plena luz do dia
lembrava a tumba de uma noite morta…)

Que ela havia chegado, eu nem sabia…
Mas, pouco a pouco, e a data nĂŁo importa,
minha alma, por encanto, se conforta,
e hĂĄ risos pela casa…E hĂĄ alegria…

Quem abrira as janelas? Quem levara
o fantasma da dor sempre ao meu lado?
Os antigos retratos, quem rasgara?

E acabei por fazer a descoberta:
– ela espantara as sombras do passado
e a luz entrara pela porta aberta!

MĂșmia

MĂșmia de sangue e lama e terra e treva,
PodridĂŁo feita deusa de granito,
Que surges dos mistérios do Infinito
Amamentada na lascĂ­via de Eva.

Tua boca voraz se farta e ceva
Na carne e espalhas o terror maldito,
O grito humano, o doloroso grito
Que um vento estranho para és limbos leva.

Båratros, criptas, dédalos atrozes
Escancaram-se aos tétricos, ferozes
Uivos tremendos com luxĂșria e cio…

Ris a punhais de frĂ­gidos sarcasmos
E deve dar congélidos espasmos
O teu beijo de pedra horrendo e frio!…

Sexta-Feira Santa

Lua absĂ­ntica, verde, feiticeira,
Pasmada como um vĂ­cio mosntruoso…
Um cão estranho fuça na esterqueira,
Uivando para o espaç fabuloso.

É esta a negra e santa Sexta-Feira!
Cristo estĂĄ morto, como um vil leproso,
Chagado e frio, na feroz cegueira
Da morte, o sangue roxo e tenebroso.

A serpente do mal e do pecado
Um sinistro veneno esverdeado
Verte do Morto na mudez serena.

Mas da sagrada Redenção do Cristo,
Em vez do grande Amor, puro, imprevisto,
Brotam fosforescĂȘncias de gangrena!

O Beijo

Congresso de gaivotas neste céu
Como uma tampa azul cobrindo o Tejo.
Querela de aves, pios, escarcéu.
Ainda palpitante voa um beijo.

Donde teria vindo! (NĂŁo Ă© meu…)
De algum quarto perdido no desejo?
De algum jovem amor que recebeu
Mandado de captura ou de despejo?

É uma ave estranha: colorida,
Vai batendo como a prĂłpria vida,
Um coração vermelho pelo ar.

E é a força sem fim de duas bocas,
De duas bocas que se juntam, loucas!
De inveja as gaivotas a gritar…

Caminheiro

Eu ando pela vida à procura de alguém
que saiba compreender minha alma incompreendida,
alguém que queira dar-me a sua própria vida
como eu lhe dar pretendo o meu viver tambĂ©m…

Caminheiro do ideal – seguindo para o alĂ©m
vou traçando uma rota estranha e indefinida,
– nĂŁo sei se em minha estrada hei de encontrar guarida,
ou se eterno hei de andar, sem rumo e sem ninguém.. .

JĂĄ me sinto cansado… E em vĂŁo ainda caminho
na ilusĂŁo de encontrar um dia a companheira
que me ajude na vida a construir meu ninho…

Boemia do destino!… Hei de andar… hei de andar…
até que esta minha alma errante e aventureira
descanse numa cruz cansada de sonhar!…

Amo!

Amo a terra! Amo o sol! Amo o céu! Amo o mar!
Amo a vida! Amo a luz! Amo as ĂĄrvores! Amo
a poesia que escrevo e entusiasta declamo
aos que sentem como eu a alegria de amar!

Amo a noite! Amo a antiga palidez do luar!
A flor presa aos cabelos soltos de algum ramo!
Uma folha que cai! Um perfume no ar
onde um desejo extinto sem querer inflamo!

Amo os rios! E a estranha solidĂŁo em festa,
dessa alma que possuo multiforme e inquieta
como a alma multiforme e inquieta da floresta!

Amo a cor que hĂĄ nos sons! Amo os sons que hĂĄ na cor!
E em mim mesmo – amo a glĂłria de sentir-me um Poeta
e amar imensamente o meu imenso amor!.

Quinze Anos

Eu amo a vasta sombra das montanhas,
Que estendem sobre os largos continentes
Os seus braços de rocha negra, ingentes,
Bem como braços colossais aranhas.

D’ali o nosso olhar vĂȘ tĂŁo estranhas
Coisas, por esse céu! e tão ardentes
VisĂ”es, lĂĄ n’esse mar de ondas trementes!
E Ă s estrelas, d’ali, vĂȘ-as tamanhas!

Amo a grandeza misteriosa e vasta…
A grande ideia, como a flor e o viço
Da ĂĄrvore colossal que nos domina…

Mas tu, criança, sĂȘ tu boa… e basta:
Sabe amar e sorrir… Ă© pouco isso?
Mas a ti sĂł te quero pequenina!