Sonetos sobre Lábios

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Sonetos de lábios escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

2A Sombra – Bárbara

Erguendo o cálix que o Xerez perfuma.
Loura a trança alastrando-lhe os joelhos,
Dentes níveos em lábios tão vermelhos,
Como boiando em purpurina escuma;

Um dorso de Valquíria… alvo de bruma,
Pequenos pés sob infantis artelhos,
Olhos vivos, tão vivos, como espelhos,
Mas como eles também sem chama alguma;

Garganta de um palor alabastrino,
Que harmonias e músicas respira…
No lábio – um beijo… no beijar – um hino;

Harpa eólia a esperar que o vento a fira,
– Um pedaço de mármore divino…
– É o retrato de Bárbara – a Hetaira.

3A Sombra – Ester

Vem! no teu peito cálido e brilhante
O nardo oriental melhor transpira!
Enrola-te na longa cachemira,
Como as judias moles do Levante,

Alva a clâmide aos ventos – roçagante…
Túmido o lábio, onde o saltério gira…
Ó musa de Israel! pega da lira…
Canta os martírios de teu povo errante!

Mas não… brisa da pátria além revoa,
E ao delamber-lhe o braço de alabastro,
Falou-lhe de partir… e parte… e voa. . .

Qual nas algas marinhas desce um astro…
Linda Ester! teu perfil se esvai… s’escoa…
Só me resta um perfume… um canto… um rastro…

A Flor Do Cárcere

Nascera ali – no limo viridente
Dos muros da prisão – como uma esmola
Da natureza a um coração que estiola –
Aquela flor imaculada e olente…

E ele que fôra um bruto, e vil descrente,
Quanta vez, numa prece, ungido, cola
O lábio seco, na úmida corola
Daquela flor alvíssima e silente!…

E – ele – que sofre e para a dor existe –
Quantas vezes no peito o pranto estanca!..
Quantas vezes na veia a febre acalma,

Fitando aquela flor tão pura e triste!…
– Aquela estrela perfumada e branca,
Que cintila na noite de sua alma…

A Minha Tragédia

Tenho ódio à luz e raiva à claridade
Do sol, alegre, quente, na subida.
Parece que a minh’alma é perseguida
Por um carrasco cheio de maldade!

Ó minha vã, inútil mocidade,
Trazes-me embriagada, entontecida! …
Duns beijos que me deste noutra vida,
Trago em meus lábios roxos, a saudade! …

Eu não gosto do sol, eu tenho medo
Que me leiam nos olhos o segredo
De não amar ninguém, de ser assim!

Gosto da Noite imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim! …

Gloriosa

A Araújo Figueredo

Pomba! dos céus me dizes que vieste,
Toda c’roada de astros e de rosas,
Mas há regiões mais que essas luminosas.
Não, tu não vens da região celeste

Há um outro esplendor em tua veste,
Uma outra luz nas tranças primorosas,
Outra harmonia em teu olhar — maviosas
Cousas em ti que tu nunca tiveste.

Não, tu não vens das célicas planuras,
Do Éden que ri e canta nas alturas
Como essa voz que dos teus lábios tomba.

Vens de mais longe, vens doutras paragens,
Vens doutros céus de místicas celagens,
Sim, vens de sóis e das auroras, pomba.

É Delicada, Suave, Vaporosa

É delicada, suave, vaporosa,
A grande atriz, a singular feitura…
É linda e alva como a neve pura,
Débil, franzina, divinal, nervosa!…

E d’entre os lábios setinais, de rosa
Libram-se pérolas de nitente alvura…
E doce aroma de sutil frescura
Sai-lhe da leve compleição mimosa!…

Quando aparece no febril proscênio
Bem como os mitos do passado, ingentes,
Bem como um astro majestoso, helênio…

Sente-se n’alma as atrações potentes
Que só se operam ao fulgor do gênio,
As rubras chispas ideais, ferventes!…

Desespero

Não eram meus os olhos que te olharam
Nem este corpo exausto que despi
Nem os lábios sedentos que poisaram
No mais secreto do que existe em ti.

Não eram meus os dedos que tocaram
Tua falsa beleza, em que não vi
Mais que os vícios que um dia me geraram
E me perseguem desde que nasci.

Não fui eu que te quis. E não sou eu
Que hoje te aspiro e embalo e gemo e canto,
Possesso desta raiva que me deu

A grande solidão que de ti espero.
A voz com que te chamo é o desencanto
E o espermen que te dou, o desespero.

O Vinho De Hebe

Quando do Olimpo nos festins surgia
Hebe risonha, os deuses majestosos
Os copos estendiam-lhe, ruidosos,
E ela, passando, os copos lhes enchia…

A Mocidade, assim, na rubra orgia
Da vida, alegre e pródiga de gozos,
Passa por nós, e nós também, sequiosos,
Nossa taça estendemos-lhe, vazia…

E o vinho do prazer em nossa taça
Verte-nos ela, verte-nos e passa…
Passa, e não torna atrás o seu caminho.

Nós chamamo-la em vão; em nossos lábios
Restam apenas tímidos ressábios,
Como recordações daquele vinho.

Beijos Do Céu

Sonhei-te assim, ó minha amante, um dia:
– Vi-te no céu; e, anamoradamente,
De beijos, a falange resplendente
Dos serafins, teu corpo inteiro ungia…

Santos e anjos beijavam-te… Eu bem via
Beijavam todos o teu lábio ardente;
E, beijando-te, o próprio Onipotente,
O próprio Deus nos braços te cingia!

Nisto, o ciúme – fera que eu não domo –
Despertou-me do sonho, repentino
Vi-te a dormir tão plácida a meu lado…

E beijei-te também, beijei-te… e, ai! como
Achei doce o teu lábio purpurino.
Tantas vezes assim no céu beijado!

Pensando Nela

Neste instante em que escrevo, estou pensando nela,
longe de mim, no entanto, em que estará pensando ?
– quem sabe se a sonhar, debruçada à janela
recorda nosso amor, a sorrir, vez em quando…

Ou terá tal como eu, esse ar de alguém que vela
um sonho que estivesse em nosso olhar flutuando ?
Ou quem sabe se dorme, e adormecida e bela
o luar lhe vai beijar os lábios, suave e brando…

Invejaria o luar… É tarde, estou sozinho,
ela dorme talvez, e não sabe que ao lado
do seu leito, a minha alma ronda de mansinho…

Nem vê meu pensamento entrar pela janela
e ir na ponta dos pés murmurar ajoelhado
este verso de amor que fiz, pensando nela!

Último Soneto

Já da noite o palor me cobre o rosto,
Nos lábios meus o alento desfalece,
Surda agonia o coração fenece,
E devora meu ser mortal desgosto!

Do leito, embalde num macio encosto,
Tento o sono reter!… Já esmorece
O corpo exausto que o repouso esquece…
Eis o estado em que a mágoa me tem posto!

O adeus, o teu adeus, minha saudade,
Fazem que insano do viver me prive
E tenha os olhos meus na escuridade.

Dá-me a esperança com que o ser mantive!
Volve ao amante os olhos, por piedade,
Olhos por quem viveu quem já não vive!

O Beija-Flor

NOTA: Tradução do poema “Le Colibri”, de Leconte de Lisle

O verde beija-flor, rei das colinas,
Vendo o rocio e o sol brilhante
Luzir no ninho, trança d’ervas finas,
Qual fresco raio vai-se pelo ar distante.

Rápido voa ao manancial vizinho,
Onde os bambus sussurram como o mar,
Onde o açoká rubro, em cheiros de carinho,
Abre, e eis no peito úmido a fuzilar.

Desce sobre a áurea flor a repousar,
E em rósea taça amor a inebriar,
E morre não sabendo se a pode esgotar!

Em teus lábios tão puros, minha amada,
Tal minha alma quisera terminar,
Só do primeiro beijo perfumada!

És dos Céus o Composto Mais Brilhante

Marília, nos teus olhos buliçosos
Os Amores gentis seu facho acendem;
A teus lábios, voando, os ares fendem
Terníssimos desejos sequiosos.

Teus cabelos subtis e luminosos
Mil vistas cegam, mil vontades prendem;
E em arte aos de Minerva se não rendem
Teus alvos, curtos dedos melindrosos.

Reside em teus costumes a candura,
Mora a firmeza no teu peito amante,
A razão com teus risos se mistura.

És dos Céus o composto mais brilhante;
Deram-se as mãos Virtude e Formosura,
Para criar tua alma e teu semblante.

Psicologia

Foi hoje que notei: – em nosso face a face
encontrei teu olhar, e assim como se deve
fazer em tal momento, um cumprimento leve
dos meus lábios fugiu sem que sequer notasse…

Foi hoje que notei: – tu passas orgulhosa
e nem deste resposta ao meu sorriso antigo,
– voltaste o rosto até, assim como quem posa
e foste indelicada a um teu sincero amigo…

Perdôo-te… É que sinto o quanto me adoraste,
do contrario, farias como eu faço, enquanto
não nego um cumprimento ao ver que tu passaste…

Ainda sofres, bem sei… És tolinha demais…
– foi tanto o teu amor, e o teu amor é tanto
que ao passares por mim nem cumprimentas mais!

Mocidade

A mocidade esplêndida, vibrante,
Ardente, extraordinária, audaciosa.
Que vê num cardo a folha duma rosa,
Na gota de água o brilho dum diamante;

Essa que fez de mim Judeu Errante
Do espírito, a torrente caudalosa,
Dos vendavais irmã tempestuosa,
– Trago-a em mim vermelha, triunfante!

No meu sangue rubis correm dispersos:
– Chamas subindo ao alto nos meus versos,
Papoilas nos meus lábios a florir!

Ama-me doida, estonteadoramente,
O meu Amor! que o coração da gente
É tão pequeno… e a vida, água a fugir…

Soneto, às Cinco Horas da Tarde

Agora que me instigo e me arremesso
ao branco ofício de prender meu sono
e depois atirá-lo em seu vestido
feito de céu e restos de incerteza,

recolho inutilmente de seus lábios
a precisão do sangue do silêncio
e inauguro uma tarde em suas mãos
grávidas de gestos e de rumos.

Pelo temor e o débil sobressalto
de encontrar sua ausência numa esquina
quando extingui canção e permanência,

guardei todo o impossível de seus olhos,
embora ouvisse, longe, além dos mapas,
bruscos mastins de cedro em seus cabelos.

Tua Carta

A carta que escreveste é a oração que repito
todas as noites, sempre, antes de me deitar,
à hora em que abro a janela ao azul do infinito
e me ausento de tudo… e me esqueço a sonhar…

Eu, descrente da terra e dos homens, descrente
mais ainda dos céus, com bem maior razão,
murmuro a tua carta religiosamente
pois fiz do teu amor a minha religião…

Tua carta, nem sei… releio-a a todo instante,
ela acende em meus olhos tristes alegrias
e me faz esquecer que te encontras distante…

Paradoxos talvez, mentiras!… Não te esqueço
se toda noite assim ( há não sei quantos dias ),
com teu nome em meus lábios… rezando adormeço!…

Súplica

Se tudo foge e tudo desaparece,
Se tudo cai ao vento da Desgraça,
Se a vida é o sopro que nos lábios passa
Gelando o ardor da derradeira prece;

Se o sonho chora e geme e desfalece
Dentro do coração que o amor enlaça,
Se a rosa murcha inda em botão, e a graça
Da moça foge quando a idade cresce;

Se Deus transforma em sua lei tão pura
A dor das almas que o ideal tortura
Na demência feliz de pobres loucos…

Se a água do rio para o oceano corre,
Se tudo cai, Senhor! por que não morre
A dor sem fim que me devora aos poucos?

Que Aborrecido!

Meus dias de rapaz, de adolescente,
Abrem a boca a bocejar, sombrios:
Deslizam vagarosos, como os Rios,
Sucedem-se uns aos outros, igualmente.

Nunca desperto de manhã, contente.
Pálido sempre com os lábios frios,
Ora, desfiando os meus rosários pios…
Fora melhor dormir, eternamente!

Mas não ter eu aspirações vivazes,
E não ter como têm os mais rapazes,
Olhos boiados em sol, lábio vermelho!

Quero viver, eu sinto-o, mas não posso:
E não sei, sendo assim enquanto moço,
O que serei, então, depois de velho.

Ó Máquinas Febris

Ó máquinas febris! eu sinto a cada passo,
nos silvos que soltais, aquele canto imenso,
que a nova geração nos lábios traz suspenso
como a estância viril duma epopeia d’aço!

Enquanto o velho mundo arfando de cansaço
prostrado cai na luta; em fumo negro e denso
levanta-se a espiral desse moderno incenso
que ofusca os deuses vãos, anuviando o espaço!

Vós sois as criações fulgentes, fabulosas,
que, vibrantes, cruéis, de lavas sequiosas,
mordeis o pedestal da velha Majestade!

E as grandes combustões que sempre vos consomem
começam, num cadinho, a refundir o homem
fazendo ressurgir mais larga a Humanidade!