Sonetos sobre Ondas

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Sonetos de ondas escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Doce Abismo

Coração, coração! a suavidade,
Toda a doçura do teu nome santo
É como um cálix de falerno e pranto,
De sangue, de luar e de saudade.

Como um beijo de mágoa e de ansiedade,
Como um terno crepĂşsculo d’encanto,
Como uma sombra de celeste manto,
Um soluço subindo a Eternidade.

Como um sudário de Jesus magoado,
Lividamente morto, desolado,
Nas auréolas das flores da amargura.

Coração, coração! onda chorosa,
Sinfonia gemente, dolorosa,
Acerba e melancólica doçura.

Tudo quanto Sonhei se Foi Perdido

O que sonhei e antes de vivido
Era perfeito e lĂşcido e divino,
Tudo quanto sonhei se foi perdido
Nas ondas caprichosas do destino.

Que os fados em mim mesmo depuseram
Razões de ser e de não ser, contrárias,
Nas emoções que, dentro em mim, cresceram
Tumultuosas, carinhosas, várias.

Naqueles seres que fui dentro de um ser,
Que viveram de mais para eu viver
A minha vida luminosa e calma,

Se desdobraram gestos de menino
E rudes arremedos de assassino.
Foram almas de mais numa sĂł alma.

Espera…

NĂŁo me digas adeus, Ăł sombra amiga,
Abranda mais o ritmo dos teus passos;
Sente o perfume da paixĂŁo antiga,
Dos nossos bons e cândidos abraços!

Sou a dona dos místicos cansaços,
A fantástica e estranha rapariga
Que um dia ficou presa nos teus braços…
Não vás ainda embora, ó sombra amiga!

Teu amor fez de mim um lago triste:
Quantas ondas a rir que nĂŁo lhe ouviste,
Quanta canção de ondinas lá no fundo!

Espera… espera… Ăł minha sombra amada…
Vê que pra além de mim já não há nada
E nunca mais me encontras neste mundo!…

Prece A Anchieta

Santo: erguesses a cruz na selva escura;
HerĂłi: plantasses nossa velha aldeia;
Mestre: ensinasses a doutrina pura;
Poeta: escrevesses versos sobre a areia!

Golpeia a cruz a foice inculta e dura;
Invade a vila multidĂŁo alheia;
Morre a voz santa entre a distância e a altura;
Apaga o poema a onda espumejante e cheia…

Santo, herói, mestre e poeta: — Pela glória
que destes a esta Terra e a sua HistĂłria,
Pela dor que sofremos sempre nĂłs.

Pelo bem que quisesses a este povo,
O novo Cristo deste Mundo Novo,
Padre José de Anchieta, orai por nós!

Exilada

Bela viajante dos paĂ­ses frios
NĂŁo te seduzam nunca estes aspectos
Destas paisagens tropicais — secretos,
— Os teus receios devem ser sombrios.

És branca e és loura e tens os amavios
Os incĂłgnitos filtros prediletos
Que podem produzir ondas de afetos
Nos mais sensíveis corações doentios.

Loura Visão, Ofélia desmaiada,
Deixa esta febre de ouro, a febre ansiada
Que nos venenos deste sol consiste.

Emigra destes cálidos países,
Foge de amargas, fundas cicatrizes,
Das alucinações de um vinho triste…

A Nau

A Heitor Lima

Sôfrega, alçando o hirto esporão guerreiro,
Zarpa. A Ă­ngreme cordoalha Ăşmida fica. …
Lambe-lhe a quilha a espĂşmea onda impudica
E ébrios tritões, babando, haurem-lhe o cheiro

Na glauca artéria equórea ou no estaleiro
Ergue a alta mastreação, que o éter indica,
E estende os braços de madeira rica
Para as populações do mundo inteiro!

Aguarda-a ampla reentrância de angra horrenda
Pára e, a amarra agarrada à âncora, sonha!
Mágoas, se as tem, subjugue-as ou disfarce-as…

E nĂŁo haver uma alma que lhe entenda
A angústia transoceânica medonha
No rangido de todas as enxárcias!

Flor Do Mar

És da origem do mar, vens do secreto,
Do estranho mar espumaroso e frio
Que põe rede de sonhos ao navio,
E o deixa balouçar, na vaga, inquieto.

Possuis do mar o deslumbrante afeto,
As dormĂŞncias nervosas e o sombrio
E torvo aspecto aterrador, bravio
Das ondas no atro e proceloso aspecto.

Num fundo ideal de pĂşrpuras e rosas
Surges das águas mucilaginosas
Como a lua entre a nĂ©voa dos espaços…

Trazes na carne o eflorescer das vinhas,
Auroras, virgens musicas marinhas,
Acres aromas de algas e sargaços…

Soneto Da Ilha

Eu deitava na praia, a cabeça na areia
Abria as pernas aos alĂ­sios e ao luar
Tonto de maresia; e a mão da maré cheia
Vinha coçar meus pés com seus dedos de mar.

Longos êxtases tinha; amava a Deus em ânsia
E a uma nudez qualquer ávida de abandono
Enquanto ao longe a clarineta da distância
Era tambĂŞm um mar que me molhava o sono.

E adormecia assim, sonhando, vendo e ouvindo
Pulos de peixes, gritos frouxos, vozes rindo
E a lua virginal arder no plexo

Estelar, e o marulho das ondas sucessivas
Da monção, até que alguma entre as mais vivas
Mansa, viesse desaguar pelo meu sexo.

Campesinas VI

As uvas pretas em- cachos
DĂŁo agora nas latadas…
Que lindo tom de alvoradas
Na vinha, junto aos riachos.

Este ano arados e sachos
Deixaram terras lavradas,
Ă€ espera das inflamadas
Ondas do sol, como fachos.

Veio o sol e fecundou-as,
Deu-lhes vigor, enseivou-as,
Tornou-as férteis de amor.

Eis que as vinhas rebentaram
E as uvas amaduraram,
SanguĂ­neas, com sol na cor.

Evolução

Fui rocha em tempo, e fui no mundo antigo
tronco ou ramo na incĂłgnita floresta…
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquĂ­ssimo inimigo…

Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta;
O, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paĂşl, glauco pascigo…

Hoje sou homem, e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, da imensidade…

Interrogo o infinito e Ă s vezes choro…
Mas estendendo as mãos no vácuo, adoro
E aspiro unicamente Ă  liberdade.

PresĂ­dio

Nem todo o corpo Ă© carne… NĂŁo, nem todo
Que dizer do pescoço, às vezes mármore,
às vezes linho, lago, tronco de árvore,
nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco…?

E o ventre, inconsistente como o lodo?…
E o morno gradeamento dos teus braços?
NĂŁo, meu amor… Nem todo o corpo Ă© carne:
Ă© tambĂ©m água, terra, vento, fogo…

É sobretudo sombra à despedida;
onda de pedra em cada reencontro;
no parque da memĂłria o fugidio

vulto da Primavera em pleno Outono…
Nem sĂł de carne Ă© feito este presĂ­dio,
pois no teu corpo existe o mundo todo!

Primeiras VigĂ­lias

Dos revoltos lençóis sobre o deserto
Despejava-se, em ondas silenciosas,
O luar dessas noites vaporosas,
De seu lânguido cálix todo aberto.

Rangia a cama, e deslizavam, perto
Alvas, femĂ­neas formas ondulosas;
E eu a idear, nas ânsias amorosas,
Uns ombros nus, um colo descoberto.

E a gemer: – “Abeirai-vos de meu leito,
Ó sensuais visões da adolescência,
E inflamai-vos na pira em que me inflamo!

Fervem paixões despertas no meu peito;
Descai a flor virgĂ­nea da inocĂŞncia,
E irrompe o fruto dolorido… Eu amo!”

Canção do Mar Aberto

Onde puseram teus olhos
A mágoa do teu olhar?
Na curva larga dos montes
Ou na planura do mar?

De dia vivi este anseio;
De noite vem o luar,
Deixa uma estrada de prata
Aberta para eu passar.

Caminho por sobre as ondas
NĂŁo paro de caminhar.
O longe é sempre mais longe…
Ai de mim se me cansar!…

Morre o meu sonho comigo,
Sem te poder encontrar

Mater Dolorosa

Quando se fez ao largo a nave escura,
na praia essa mulher ficou chorando,
no doloroso aspecto figurando
a lacrimosa estátua da amargura.

Dos céus a curva era tranquila e pura;
Das gementes alcĂ­ones o bando
Via-se ao longe, em cĂ­rculos, voando
Dos mares sobre a cérula planura.

Nas ondas se atufara o Sol radioso,
E Lua sucedera, astro mavioso,
De alvor banhando os alcantis das fragas…

E aquela pobre mĂŁe, nĂŁo dando conta
Que o sol morrera, e que o luar desponta,
A vista embebe na amplidĂŁo das vagas…

Quis Deixar-me a que Eu Adoro

Apartava-se Nise de Montano,
Em cuja alma, partindo-se, ficava,
Que o pastor na memĂłria a debuxava,
Por poder sustentar-se deste engano.

Por ũa praia do Índico Oceano
Sobre o curvo cajado se encostava,
E os olhos pelas águas alongava,
Que pouco se doĂ­am de seu dano.

Pois com tamanha mágoa e saudade,
(Dizia) quis deixar-me a que eu adoro,
Por testemunhas tomo céu e estrelas.

Mas se em vĂłs, ondas, mora piedade,
Levai também as lágrimas que choro,
Pois assim me levais a causa delas.

O Que Tu És…

És Aquela que tudo te entristece
Irrita e amargura, tudo humilha;
Aquela a quem a Mágoa chamou filha;
A que aos homens e a Deus nada merece.

Aquela que o sol claro entenebrece
A que nem sabe a estrada que ora trilha,
Que nem um lindo amor de maravilha
Sequer deslumbra, e ilumina e aquece!

Mar-Morto sem marés nem ondas largas,
A rastejar no chĂŁo como as mendigas,
Todo feito de lágrimas amargas!

És ano que nĂŁo teve Primavera…
Ah! NĂŁo seres como as outras raparigas
Ă“ Princesa Encantada da Quimera!…

A FĂşria Mais Fatal e Mais Medonha

Das FĂşrias infernais foi sempre a Inveja
No mundo a mais fatal e a mais medonha,
Pois faz dos bens dos outros a peçonha
Com que a si mesma se envenena e peja.

Com ira e com furor, raivosa, arqueja,
Com vinganças, traições, com ódios sonha.
Onde quer que se encoste e os olhos ponha,
Tragar as ditas dos mortais deseja.

MĂŁe dos males fatais Ă  Sociedade,
Vidas, honras destrĂłi, cismas fomenta,
Nutrindo n’alma as serpes da Maldade.

O próprio coração que come a alenta,
Vive afogada em ondas de ansiedade,
Da frenética raiva se alimenta.

A Noite

A nebulosidade ameaçadora
Tolda o éter, mancha a gleba, agride os rios
E urde amplas teias de carvões sombrios
No ar que álacre e radiante, há instantes, fora.

A água transubstancia-se. A onda estoura
Na negridĂŁo do oceano e entre os navios
Troa bárbara zoada de ais bravios,
Extraordinariamente atordoadora.

A custĂłdia do anĂ­mico registro
A planetária escuridĂŁo se anexa…
Somente, iguais a espiões que acordam cedo,

Ficam brilhando com fulgor sinistro
Dentro da treva omnĂ­moda e complexa
Os olhos fundos dos que estĂŁo com medo!

Soneto X

Quais no soberbo mar Ă  nao, que cansa
Lidando c’os assaltos da onda e vento,
Os Ebálios irmãos do Etéreo assento
Lhe confirmam do porto a esperança,

Tal vossa vista ao tempo, que se alcança
Desta, que nĂŁo tem mor contentamento,
No mar de meu cuidado e meu tormento
Mil esperanças cria de bonança.

Comparação, conforme a causa, ufana,
Pois quando um me aparece, outro se esconde,
Como no Céu faz ua, e outra estrela.

Iguais também no Amor, que em vós responde
Também no desamor da Irmã Troiana,
Que ambos vos conjurais em Ăłdio dela.

Os PorquĂŞs do Amor

Céu, porque tão convulso e consternado
Me bate, ao Vê-la, o coração no peito?
Porque pasma entre os beiços congelado,
Indo a falar-lhe, o tĂ­mido conceito?

Porque nas áureas ondas engolfado
Da caudalosa trança, inda que afeito,
Me naufraga o juĂ­zo embelezado,
E em ternura suavĂ­ssima desfeito?

Porque a luz dos seus olhos, tĂŁo activa,
Por lânguida inda mais encantadora,
Me cega, e por a ver, ansioso, clamo?

Porque da mĂŁo nevada sai tĂŁo viva
Chama, que me electriza e me devora?
Os mesmos meus porquĂŞs me dizem: – Amo!