Sonetos sobre Ondas

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Sonetos de ondas escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

A Fúria Mais Fatal e Mais Medonha

Das Fúrias infernais foi sempre a Inveja
No mundo a mais fatal e a mais medonha,
Pois faz dos bens dos outros a peçonha
Com que a si mesma se envenena e peja.

Com ira e com furor, raivosa, arqueja,
Com vinganças, traições, com ódios sonha.
Onde quer que se encoste e os olhos ponha,
Tragar as ditas dos mortais deseja.

Mãe dos males fatais à Sociedade,
Vidas, honras destrói, cismas fomenta,
Nutrindo n’alma as serpes da Maldade.

O próprio coração que come a alenta,
Vive afogada em ondas de ansiedade,
Da frenética raiva se alimenta.

A Noite

A nebulosidade ameaçadora
Tolda o éter, mancha a gleba, agride os rios
E urde amplas teias de carvões sombrios
No ar que álacre e radiante, há instantes, fora.

A água transubstancia-se. A onda estoura
Na negridão do oceano e entre os navios
Troa bárbara zoada de ais bravios,
Extraordinariamente atordoadora.

A custódia do anímico registro
A planetária escuridão se anexa…
Somente, iguais a espiões que acordam cedo,

Ficam brilhando com fulgor sinistro
Dentro da treva omnímoda e complexa
Os olhos fundos dos que estão com medo!

Soneto X

Quais no soberbo mar à nao, que cansa
Lidando c’os assaltos da onda e vento,
Os Ebálios irmãos do Etéreo assento
Lhe confirmam do porto a esperança,

Tal vossa vista ao tempo, que se alcança
Desta, que não tem mor contentamento,
No mar de meu cuidado e meu tormento
Mil esperanças cria de bonança.

Comparação, conforme a causa, ufana,
Pois quando um me aparece, outro se esconde,
Como no Céu faz ua, e outra estrela.

Iguais também no Amor, que em vós responde
Também no desamor da Irmã Troiana,
Que ambos vos conjurais em ódio dela.

Os Porquês do Amor

Céu, porque tão convulso e consternado
Me bate, ao Vê-la, o coração no peito?
Porque pasma entre os beiços congelado,
Indo a falar-lhe, o tímido conceito?

Porque nas áureas ondas engolfado
Da caudalosa trança, inda que afeito,
Me naufraga o juízo embelezado,
E em ternura suavíssima desfeito?

Porque a luz dos seus olhos, tão activa,
Por lânguida inda mais encantadora,
Me cega, e por a ver, ansioso, clamo?

Porque da mão nevada sai tão viva
Chama, que me electriza e me devora?
Os mesmos meus porquês me dizem: – Amo!

O Mar Da Minha Aldeia É Doce E Calmo

O mar da minha aldeia é doce e calmo
mas se alimenta no sal dos meus olhos.
Não é azul e reza em negro salmo
quando essas águas tragam o fumo eólio

As almas que o conhecem palmo a palmo
sabem do escasso peixe em seu espólio
Ah, várzeas alagadas! Onda e espasmo
nessas barrigas d’águas-promontórios

Crianças se alimentam dessa argila
em cuias com chibé de mandioca
farinha de um maná que a fé ventila

Do barro vem barroca que se espoca
na lama de uma origem que destila
febres palustres, fome que se estoca

Música Da Morte

A musica da Morte, a nebulosa,
Estranha, imensa musica sombria,
Passa a tremer pela minh’alma e fria
Gela, fica a tremer, maravilhosa…

Onda nervosa e atroz, onda nervosa,
Letes sinistro e torvo da agonia,
Recresce a lancinante sinfonia,
Sobe, numa volúpia dolorosa…

Sobe, recresce, tumultuando e amarga,
Tremenda, absurda, imponderada e larga,
De pavores e trevas alucina…

E alucinando e em trevas delirando,
Como um Ópio letal, vertiginando,
Os meus nervos, letárgica, fascina…

Mendiga

Na vida nada tenho e nada sou;
Eu ando a mendigar pelas estradas…
No silêncio das noites estreladas
Caminho, sem saber para onde vou!

Tinha o manto do sol… quem mo roubou?!
Quem pisou minhas rosas desfolhadas?!
Quem foi que sobre as ondas revoltadas
A minha taça de oiro espedaçou?!

Agora vou andando e mendigando,
Sem que um olhar dos mundos infinitos
Veja passar o verme, rastejando…

Ah, quem me dera ser como os chacais
Uivando os brados, rouquejando os gritos
Na solidão dos ermos matagais!…

Soneto do amor difícil

A praia abandonada recomeça
logo que o mar se vai, a desejá-lo:
é como o nosso amor, somente embalo
enquanto não é mais que uma promessa…

Mas se na praia a onda se espedaça,
há logo nostalgia duma flor
que ali devia estar para compor
a vaga em seu rumor de fim de raça.

Bruscos e doloridos, refulgimos
no silêncio de morte que nos tolhe,
como entre o mar e a praia um longo molhe
de súbito surgido à flor dos limos.

E deste amor difícil só nasceu
desencanto na curva do teu céu.

Está Cheio De Ti Meu Coração

Está cheio de ti meu coração
como a noite de estrelas está cheia,
tão cheia, que ao se olhar para a amplidão
o olhar de luz se inunda e se incendeia…

Está cheio de ti meu coração
como de ondas o mar que o dorso alteia,
como a praia que estende sobre o chão
milhões de grãos do seu lençol de areia…

Está cheio de ti meu coração,
como uma taça, erguida, transbordante,
num momento de amor e de emoção,

– como o meu canto enquanto eu viva e eu cante
como o meu pensamento a todo instante
está cheio de ti meu coração!

Conto de Fadas

Eu trago-te nas mãos o esquecimento
Das horas más que tens vivido, Amor!
E para as tuas chagas o unguento
Com que sarei a minha própria dor.

Os meus gestos são ondas de Sorrento…
Trago no nome as letras de uma flor…
Foi dos meus olhos garços que um pintor
Tirou a luz para pintar o vento…

Dou-te o que tenho: o astro que dormita,
O manto dos crepúsculos da tarde,
O sol que é d’oiro, a onda que palpita.

Dou-te comigo o mundo que Deus fez!
– Eu sou Aquela de quem tens saudade,
A Princesa do conto: “Era uma vez…”

Soneto XXV

Do bravo mar onde às voltas ando
Ora temendo as ondas, ora o vento,
Na esperança maior de salvamento,
A minha barca vai à costa dando.

Pus os olhos na costa, imaginando
Achar remanso de pirigo isento,
Vendo, porém, frustrado o pensamento,
Louvo o mar já demais seguro e brando.

Ai fementido amor, amor tirano,
Que onde minha esperança tinha posta
Me trouxeste a fazer naufrágio amargo.

Porém ainda comigo foste humano,
Que mais quero perder-me dando à costa,
Que andar com mil temores em mar largo.

XLIX

Os olhos tendo posto, e o pensamento
No rumo, que demanda, mais distante;
As ondas bate o Grego Navegante,
Entregue o leme ao mar, a vela ao vento

Em vão se esforça o harmonioso acento
Da sereia, que habita o golfo errante;
Que resistindo o espírito constante,
Vence as lisonjas do enganoso intento.

Se pois, ninfas gentis, rompe a Cupido
O arco, a flecha, o dardo, a chama acesa
De um peito entre os heróis esclarecido;

Que vem buscar comigo a néscia empresa,
Se inda mais, do que Ulisses atrevido,
Sei vencer os encantos da beleza!

Vinho Negro

O vinho negro do imortal pecado
Envenenou nossas humanas veias
Como fascinações de atras sereias
E um inferno sinistro e perfumado.

O sangue canta, o sol maravilhado
Do nosso corpo, em ondas fartas, cheias.
como que quer rasgar essas cadeias
Em que a carne o retém acorrentado.

E o sangue chama o vinho negro e quente
Do pecado letal, impenitente,
O vinho negro do pecado inquieto.

E tudo nesse vinho mais se apura,
Ganha outra graça, forma e formosura,
Grave beleza d’esplendor secreto.

Talvez o Vento Saiba

Talvez o vento saiba dos meus passos,
das sendas que os meus pés já não abordam,
das ondas cujas cristas não transbordam
senão o sal que escorre dos meus braços.

As sereias que ouvi não mais acordam
à cálida pressão dos meus abraços,
e o que a infância teceu entre sargaços
as agulhas do tempo já não bordam.

Só vejo sobre a areia vagos traços
de tudo o que meus olhos mal recordam
e os dentes, por inúteis, não concordam

sequer em mastigar como bagaços.
Talvez se lembre o vento desses laços
que a dura mão de Deus fez em pedaços.

O Céu, A Terra, O Vento Sossegado

O céu, a terra, o vento sossegado…
As ondas, que se estendem pela areia…
Os peixes, que no mar o sono enfreia…
O nocturno silêncio repousado…

O pescador Aónio, que, deitado
onde co vento a água se meneia,
chorando, o nome amado em vão nomeia,
que não pode ser mais que nomeado:

Ondas (dezia), antes que Amor me mate,
torna-me a minha Ninfa, que tão cedo
me fizestes à morte estar sujeita.

Ninguém lhe fala; o mar de longe bate;
move-se brandamente o arvoredo;
leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita.

Soneto VI

Qual naufragante mísero que cai
Da rota barca no soberbo pego,
E, lidando c’os braços sem sossego,
A cada onda receia que desmaie,

Tal, sem ter já lugar onde se espraie
Neste mar de meu mal, cansado e cego
Ando, aqui desfaleço, ali me anego,
E a cada encontro seu [a] alma me sai.

Em meio de mil barcas clamo, e brado:
“Me lancem por piedade um cabo forte!”,
Mas a ninguém magoa meu cuidado.

Ah, não queirais que vida tal se corte
Que se vida me dais, ganhais dobrado,
Livrando muitas vidas de ua morte.

A Tua Voz de Primavera

Manto de seda azul, o céu reflete
Quanta alegria na minha alma vai!
Tenho os meus lábios úmidos: tomai
A flor e o mel que a vida nos promete!

Sinfonia de luz meu corpo não repete
O ritmo e a cor dum mesmo desejo… olhai!
Iguala o sol que sempre às ondas cai,
Sem que a visão dos poentes se complete!

Meus pequeninos seios cor-de-rosa,
Se os roça ou prende a tua mão nervosa,
Têm a firmeza elástica dos gamos…

Para os teus beijos, sensual, flori!
E amendoeira em flor, só ofereço os ramos,
Só me exalto e sou linda para ti!

Das Unnennbare

Oh quimera, que passas embalada
Na onda de meus sonhos dolorosos,
E roças co’os vestidos vaporosos
A minha fronte pálida e cansada!

Leva-te o ar da noite sossegada…
Pergunto em vão, com olhos ansiosos,
Que nome é que te dão os venturosos
No teu país, misteriosa fada!

Mas que destino o meu! e que luz baça
A d’esta aurora, igual à do sol posto,
Quando só nuvem lívida esvoaça!

Que nem a noite uma ilusão consinta!
Que só de longe e em sonhos te presinta…
E nem em sonhos possa ver-te o rosto!

Conchita

Adeus aos filtros da mulher bonita;
A esse rosto espanhol, pulcro e moreno;
Ao pé que no bolero… ao pé pequeno;
Pé que, alígero e célere, saltita…

Lira do amor, que o amor não mais excita,
A um silêncio de morte eu te condeno;
Despede-te; e um adeus, no último treno,
Soluça às graças da gentil Conchita:

A esses, que em ondas se levantam, seios
Do mais cheiroso jambo; a esses quebrados
Olhos meridionais de ardência cheios;

A esses lábios, enfim, de nácar vivo,
Virgens dos lábios de outrem, mas corados
Pelos beijos de um sol quente e lascivo.

Arrependo-me de a Meter num Romance

O poema tem mais pressa que o romance,
Asa de fogo para te levar:
Assim, pois, se houver lama que te lance
Ao corpo quente algum, hei-de chorar.

Deus fez o poeta por que não descanse
No golfo do destino e amores no mar:
Vem um, de onda, cobri-la — e ela que dance!
Vem outro — e faz menção de me enfeitar.

Os outros a conspurcam, mas é minha!
Chicoteá-la vou com a própria espinha,
Estreitam-me de amor seus braços mornos,

Transformo seus gemidos em meus uivos
E torno anéis dos seus cabelos ruivos
Na raspa canelada dos meus cornos.