Sonetos

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Digo Que Esqueço

Creio que te esqueci… de agora em diante
já não há nada entre nós dois, não há,
– achaste-me orgulhoso e intolerante
e eu te achei menos fútil do que má…

Foi um momento só… foi um instante
essa nossa ilusão, e hoje, onde está
aquele amor inquieto e delirante ?
– Bem que pensava: – é falso! morrerá!

Sinto apenas que tenha te adorado,
e que hoje sofra em vão, inutilmente
procurando apagar todo o passado…

Digo que esqueço… que não penso em ti!
– Mas não te esqueço nunca, e justamente
porque fico a pensar que te esqueci.

Espinosa

Gosto de ver-te, grave e solitário,
Sob o fumo de esquálida candeia,
Nas mãos a ferramenta de operário,
E na cabeça a coruscante idéia.

E enquanto o pensamento delineia
Uma filosofia, o pão diário
A tua mão a labutar granjeia
E achas na independência o teu salário.

Soem cá fora agitações e lutas,
Sibile o bafo aspérrimo do inverno,
Tu trabalhas, tu pensas, e executas

Sóbrio, tranqüilo, desvelado e terno,
A lei comum, e morres, e transmutas
O suado labor no prêmio eterno.

Ponderação Do Rosto E Olhos De Anarda

Quando vejo de Anarda o rosto amado,
vejo ao céu e ao jardim ser parecido
porque no assombro do primor luzido
tem o sol em seus olhos duplicado.

Nas faces considero equivocado
de açucenas e rosas o vestido;
porque se vê nas faces reduzido
todo o império de Flora venerado.

Nos olhos e nas faces mais galharda
ao céu prefere quando inflama os raios,
e prefere ao jardim, se as flores guarda:

enfim dando ao jardim e ao céu desmaios,
o céu ostenta um sol, dois sóis Anarda,
um maio o jardim logra; ela dois maios.

Sonetos

Do som, da luz entre os joviais duetos,
Como uma chusma alada de gaivotas,
Vindos das largas amplidões remotas,
Batem as asas todos os sonetos.

Vão — por estradas, por difíceis rotas,
Quatorze versos — entre dois quartetos
E duas belas e luzidas frotas
Rijas, seguras, de mais dois tercetos.

Com a brunida lâmina da lima,
Vão céus radiosos, horizontes acima,
Pelas paragens límpidas, gentis,

Atravessando o campo das quimeras,
Aberto ao sol das flóreas primaveras,
Todo estrelado de áureos colibris.

Lágrimas

Ela chorava muito e muito, aos cantos,
Frenética, com gestos desabridos;
Nos cabelos, em ânsias desprendidos
Brilhavam como pérolas os prantos.

Ele, o amante, sereno como os santos,
Deitado no sofá, pés aquecidos,
Ao sentir-lhe os soluços consumidos,
Sorria-se cantando alegres cantos.

E dizia-lhe então, de olhos enxutos:
– “Tu pareces nascida da rajada,
“Tens despeitos raivosos, resolutos:

“Chora, chora, mulher arrenegada;
“Lagrimeja por esses aquedutos…
-“Quero um banho tomar de água salgada.”

O Sono

É um braço magro de mulher, uns olhos espectrais
e brilhantes, uma cabeça de esfinge, uma lâmpada
que fumega. Talvez por os não vermos, vejamos rios
que flamejam, jardins sepultos, um antepassado

desconhecido e cinzento que se derrama no quarto,
um portão esvoaçante, uma pequena fenda por onde
se vai até às nuvens nocturnas. Tudo o que
lá possa estar é tudo: a vassoura esquecida,

o rosto primordial da mãe, uma torre de cadáveres
ou um modesto banco de madeira onde deixaram
um vaso verídico de gerânios. Talvez um deus

vítreo, rútilo ou, pintada de azul, uma virgem ocre
no cume de colina grega. Uma estranha música soa
nas paredes, antes do exílio para onde nos leva o sono.

LXXX

Quando cheios de gosto, e de alegria
Estes campos diviso florescentes,
Então me vêm as lágrimas ardentes
Com mais ânsia, mais dor, mais agonia.

Aquele mesmo objeto, que desvia
Do humano peito as mágoas inclementes,
Esse mesmo em imagens diferentes
Toda a minha tristeza desafia.

Se das flores a bela contextura
Esmalta o campo na melhor fragrância,
Para dar uma idéia da ventura;

Como, ó Céus, para os ver terei constância,
Se cada flor me lembra a formosura
Da bela causadora de minha ânsia?

Lápide

(com tema de Virgílio, o Latino,
e de Lino Pedra-Azul, o Sertanejo)

Quando eu morrer, não soltem meu Cavalo
nas pedras do meu Pasto incendiado:
fustiguem-lhe seu Dorso alardeado,
com a Espora de ouro, até matá-lo.

Um dos meus filhos deve cavalgá-lo
numa Sela de couro esverdeado,
que arraste pelo Chão pedroso e pardo
chapas de Cobre, sinos e badalos.

Assim, com o Raio e o cobre percutido,
tropel de cascos, sangue do Castanho,
talvez se finja o som de Ouro fundido

que, em vão – Sangue insensato e vagabundo —
tentei forjar, no meu Cantar estranho,
à tez da minha Fera e ao Sol do Mundo!

Se me Aparto de ti, Deus da Bondade

Se me aparto de ti, Deus da bondade,
Que ausência tão cruel! Como é possível
Que me leve a um abismo tão terrível
O pendor infeliz da humanidade!

Conforta-me, Senhor, que esta saudade
Me despedaça o coração sensível;
Se a teus olhos na cruz sou desprezível,
Não olhes para a minha iniquidade!

À suave esperança me entregaste,
E o preço de teu sangue precioso
Me afiança que não me abandonaste.

Se, justo, castigar-me te é forçoso,
lembra-te que te amei, e me criaste
para habitar contigo o Céu lustroso!

Nossa Língua

para o poeta Antoniel Campos*

O doce som de mel que sai da boca
na língua da saudade e do crepúsculo
vem adoçando o mar de conchas ocas
em mansa voz domando tons maiúsculos.

É bela fiandeira em sua roca
tecendo a fala forte com seu músculo
na hora que é preciso sai da toca
como fera que sabe o tomo e o opúsculo.

Dizer e maldizer do mel ao fel
é fado de cantigas tão antigas
desde Camões, Bandeira a Antoniel,
este jovem poeta que se abriga

na língua portuguesa em verso e fala
nau de calado ao mar que não se cala.

* “filiu brasilis, mater portucale,
Que em outra língua a minha língua cale.”

Mágoas

Quando nasci, num mês de tantas flores,
Todas murcharam, tristes, langorosas,
Tristes fanaram redolentes rosas,
Morreram todas, todas sem olores.

Mais tarde da existência nos verdores
Da infância nunca tive as venturosas
Alegrias que passam bonançosas,
Oh! Minha infância nunca teve flores!

Volvendo à quadra azul da mocidade,
Minh’alma levo aflita à Eternidade,
Quando a morte matar meus dissabores.

Cansado de chorar pelas estradas,
Exausto de pisar mágoas pisadas,
Hoje eu carrego a cruz das minhas dores!

Paisagem Única

Olhas-me tu: e nos teus olhos vejo
Que eu sou apenas quem se vê: assim
Tu tanto me entregaste ao teu desejo
Que é nos teus olhos que eu me vejo a mim.

Em ti, que bem meu corpo se acomoda!
Ah! quanto amor por os teus olhos arde!
Contigo sou? — perco a paisagem toda…
Longe de ti? — sou como um dobre à tarde…

Adeuses aos casais dessas Marias
Em cuja graça o meu olhar flutua,
Tudo o que amei ao teu amor o entrego.

Choupos com ar de velhas Senhorias,
Castelo moiro donde nasce a Lua,
E apenas tu, a tudo o mais sou cego.

Infeliz

Alma viúva das paixões da vida,
Tu que, na estrada da existência em fora,
Cantaste e riste, e na existência agora
Triste soluças a ilusão peerdida;

Oh! Tu, que na grinalda emurchecida
De teu passado de felicidade
Foste juntar os goivos da Saudade
Às flores da Esperança enlanguescida;

Se nada te aniquila o desalento
Que te invade, e o pesar negro e profundo,
Esconde à Natureza o sofrimento,

E fica no teu ermo entristecida,
Alma arrancada do prazer do mundo,
Alma viúva das paixões da vida.

Vós, Ninfas Da Gangética Espessura

Vós, Ninfas da gangética espessura,
cantai suavemente, em vez sonora,
um grande Capitão, que a roxa Aurora
dos filhos defendeu da noite escura.

Ajuntou-se a caterva negra e dura,
que na Áurea Quersoneso afouta mora,
para lançar do caro ninho fora
aqueles que mais podem que a ventura.

Mas um forte Leão, com pouca gente,
a multidão tão fera como nécia
destruindo castiga e torna fraca.

Pois, ó Ninfas, cantai! que claramente
mais do que Leonidas fez em Grécia,
o nobre Leonis fez em Malaca.

A uma Bailarina

Quero escrever meu verso no momento
Em que o limite extremo da ribalta
Silencia teus pés, e um deus se exalta
Como se o corpo fosse um pensamento.

Além do palco, existe o pavimento
Que nunca imaginamos em voz alta,
Onde teu passo puro sobressalta
Os pássaros sutis do movimento.

Amo-te de um amor que tudo pede
No sensual momento em que se explica
O desejo infinito da tristeza,

Sem que jamais se explique ou desenrede,
Mariposa que pousa mas não fica,
A tentação alegre da pureza.

A Musa Enferma

Ó minha musa, então! que tens tu, meu amor?
Que descorada estás! No teu olhar sombrio
Passam fulgurações de loucura e terror;
Percorre-te a epiderme em fogo um suor frio.

Esverdeado gnomo ou duende tentador,
Em teu corpo infiltrou, acaso, um amavio?
Foi algum sonho mau, visão cheia de terror,
Que assim te magoou o teu olhar macio?

Eu quisera que tu, saudável e contente.
Só nobres idéias abrigasses na mente,
E que o sangue cristão, ritmado, te pulsara

Como do silabálirio antigo os sons variados,
Onde reinam, o par, os deuses decantados;
Febo — pai das canções, e Pã — senhor da seara!

Tradução de Delfim Guimarães

IV

Vagueiam suavemente os teus olhares
Pelo amplo céu franjado em linho:
Comprazem-te as visões crepusculares…
Tu és uma ave que perdeu o ninho.

Em que nichos doirados, em que altares
Repoisas, anjo errante, de mansinho?
E penso, ao ver-te envolta em véus de luares,
Que vês no azul o teu caixão de pinho.

És a essência de tudo quanto desce
Do solar das celestes maravilhas…
– Harpa dos crentes, cítola da prece…

Lua eterna que não tivesse fases,
Cintilas branca, imaculada brilhas,
E poeiras de astros nas sandálias trazes…

Lá Quando Em Mim Perder A Humanidade

Lá quando em mim perder a humanidade
Mais um daqueles, que não fazem falta,
Verbi-gratia – o teólogo, o peralta,
Algum duque, ou marquês, ou conde, ou frade:

Não quero funeral comunidade,
Que engrole sub-venites em voz alta;
Pingados gatarrões, gente de malta,
Eu também vos dispenso a caridade:

Mas quando ferrugenta enxada idosa
Sepulcro me cavar em ermo outeiro,
Lavre-me este epitáfio mão piedosa:

“Aqui dorme Bocage, o putanheiro;
Passou a vida folgada, e milagrosa;
Comeu, bebeu, fodeu, sem ter dinheiro.”

Divino Instante

Ser uma pobre morta inerte e fria,
Hierática, deitada sob a terra,
Sem saber se no mundo há paz ou guerra,
Sem ver nascer, sem ver morrer o dia;

Luz apagada ao alto e que alumia,
Boca fechada à fala que não erra,
Urna de bronze que a Verdade encerra,
Ah! ser Eu essa morta inerte e fria!

Ah! fixar o efémero! Esse instante
Em que o teu beijo sôfrego de amante
Queima o meu corpo frágil de âmbar loiro;

Ah! fixar o momento em que, dolente,
Tuas pálpebras descem, lentamente,
Sobre a vertigem dos teus olhos de oiro!

Inconstância

Procurei o amor que me mentiu.
Pedi à Vida mais do que ela dava.
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!

Tanto clarão nas trevas refulgiu,
E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!

Passei a vida a amar e a esquecer…
Um sol a apagar-se e outro a acender
Nas brumas dos atalhos por onde ando…

E este amor que assim me vai fugindo
É igual a outro amor que vai surgindo,
Que há de partir também… nem eu sei quando…