Sonetos sobre Pés

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Sonetos de pés escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Soneto Do Poeta Brasileiro

NĂŁo sou viril somente nas poesias.
Quero dormir contigo, pois teus pés
amassavam pitangas e trazias
no corpo inteiro a marca das marés.

Disseste que comigo casarias
– amor na cama, beijos, cafunĂ©s.
Entre-sombras de carne oferecias
tão navegåveis como igarapés.

Minha morena até dizer que não,
o nosso amor demais me recordava
duas lagoas onde me banhei.

Sou macho e brasileiro, coração:
em teu olhar eu nu e forte estava
e foi assim, morena, que te amei.

Madalena

…e lhe regou de lĂĄgrimas os pĂ©s e os enxugou com os cabelos da sua cabeça. Evangelho de S. Lucas.

Ó Madalena, ó cabelos de rastos,
LĂ­rio poluĂ­do, branca flor inĂștil…
Meu coração, velha moeda fĂștil,
E sem relevo, os caracteres gastos,

De resignar-se torpemente dĂșctil…
Desespero, nudez de seios castos,
Quem também fosse, ó cabelos de rastos,
EnsangĂŒentado, enxovalhado, inĂștil,

Dentro do peito, abominĂĄvel cĂŽmico!
Morrer tranqĂŒilo, – o fastio da cama…
Ó redenção do mármore anatîmico,

Amargura, nudez de seios castos!…
Sangrar, poluir-se, ir de rastos na lama,
Ó Madalena, ó cabelos de rastos!

Encantamento

Quantas vezes, ficava a olhar, a olhar
A tua dĂŽce e angelica Figura,
Esquecido, embebido num luar,
Num enlĂȘvo perfeito e graça pura!

E å força de sorrir, de me encantar,
Deante de ti, mimosa Creatura,
Suavemente sentia-me apagar…
E eu era sombra apenas e ternura.

Que inocencia! que aurora! que alegria!
Tua figura de Anjo radiava!
Sob os teus pés a terra florescia,

E até meu proprio espirito cantava!
Nessas horas divinas, quem diria
A sorte que jĂĄ Deus te destinava!

Mulher

“JĂĄ Ă© demais! – me disseste – o teu ciĂșme Ă© irritante
e hĂĄ de acabar na certa, por nos indispor,
– fazes do meu viver um martĂ­rio constante
e ao que vĂȘs, tu dĂĄs sempre afinal outra cĂŽr”

Eu resolvi entĂŁo, daquele dia em diante,
sem nada te dizer, e sem nada propor,
– sufocar esse amor egoĂ­sta e dominante
e o ciĂșme… que era o fel que eu punha em nosso amor!

Hoje… Tu sofres mais quando em minha presença…
e hå pouco (creio até que bateste com os pés!)
– jĂĄ achavas demais a minha indiferença…

E possa eu compreender, afinal, o que queres,
quando enfim descobri, sem surpresa, que tu és
incoerente… e igualzinha a todas as mulheres!

Jatir E Coema

JATIR

Desprezo-te, Coema, a velha usança
Que entre nĂłs se pratica… desprezaste:
O bem-vindo estrangeiro abandonaste
Que em mole rede o corpo seu descansa.

Desprezo-te, Coema, bem criança
Em meus braços de ferro te criaste
E neles sempre firme abrigo achaste
Mas pede a tua ação pronta vingança.

COEMA

Senhor das matas, meu Jatir valente,
Tu desconheces este amor ardente,
Choro embalde a teus pés mísera louca!

Afoga-me em teus braços musculosos.
Antes isso, que os beijos asquerosos
Do bem-vindo estrangeiro em minha boca!

A uma Mulher

Para tristezas, para dor nasceste.
Podia a sorte pÎr-te o berço estreito
N’algum palĂĄcio e ao pĂ© de rĂ©gio leito,
Em vez d’este areal onde cresceste:

Podia abrir-te as flores — com que veste
As ricas e as felizes — n’esse peito:
Fazer-te… o que a Fortuna hĂĄ sempre feito…
Terias sempre a sorte que tiveste!

Tinhas de ser assim… Teus olhos fitos,
Que nĂŁo sĂŁo d’este mundo e onde eu leio
Uns mistérios tão tristes e infinitos,

Tua voz rara e esse ar vago e esquecido,
Tudo me diz a mim, e assim o creio,
Que para isto sĂł tinhas nascido!

Pinheiro Manso

Copado, alto, gentil Pinheiro Manso;
Debaixo cujos ramos debruçados
Do sol ou lua nunca penetrados,
JĂĄ gozei, jĂĄ gozei mais que descanso…

Quando para onde estås os olhos lanço,
Tantos gostos ao pé de ti passados
Vejo na fantasia retratados,
TĂŁo vivos, que jĂ mais de ver-te canso!

Ah! deixa o outono vir; de um jasmineiro
te hei-de cobrir, terĂĄs cĂłpia crescida
De flores, serĂĄs honra dĂȘste outeiro.

E para te dar glĂłria mais subida,
No meu tronco feliz, alto Pinheiro,
O teu nome escreverei de Margarida.

À Morte

Os correos da morte sĂŁo chegados,
Por caminhos antigos, impedidos,
Mal com meus olhos, mal com meus ouvidos,
Mal com meus pés, do chão mal levantados.

E mal, por nĂŁo chorar bem meus pecados,
Que sendo sete, e cinco, meus sentidos,
Por serem tantas vezes repetidos,
ImpossĂ­vel serĂĄ serem contados.

Se nĂŁo viera a morte acompanhada
Da conta, que dar devo tĂŁo estreita,
NĂŁo fora tĂŁo penosa imaginada.

Mas a que vivo ou morto tenho feita,
Tenho com meu Senhor na cruz pregada,
Onde o ladrĂŁo contrito nĂŁo se enjeita.

Ciganos em Viagem

A tribo que prevĂȘ a sina dos viventes
Levantou arraiais hoje de madrugada;
Nos carros, as mulher’, c’o a torva filharada
Às costas ou sugando os mamilos pendentes;

Ao lado dos carrÔes, na pedregosa estrada,
Vão os homens a pé, com armas reluzentes,
Erguendo para o céu uns olhos indolentes
Onde jĂĄ fulgurou muita ilusĂŁo amada.

Na buraca onde estĂĄ encurralado, o grilo,
Quando os sente passar, redobra o meigo trilo;
Cibela, com amor, traja um verde mais puro,

Faz da rocha um caudal, e um vergel do deserto,
Para assim receber esses p’ra quem ‘stĂĄ aberto
O império familiar das trevas do futuro!

Tradução de Delfim Guimarães

Classicismo

LongĂ­nquo descendente dos helenos
pelo espĂ­rito claro, a alma panteĂ­sta,
– amo a beleza esplĂȘndida de VĂȘnus
com uma alegria singular de artista!

Amo a aventura e o belo, amo a conquista!
Nem receio os traidores e os venenos…
– Trago na alma engastada uma ametista,
– meus olhos de esmeraldas sĂŁo serenos!

Com os pés na terra tenho o olhar no céu;
a alma, pura e irrequieta como as linfas
soltas no chĂŁo; nos lĂĄbios, tenho mel…

Meu culto Ă© a liberdade e a vida sĂŁ.
E ainda hoje sigo e persigo as ninfas
com a minha flauta mĂĄgica de PĂŁ!

Barrow-On-Furness II

Deuses, forças, almas de ciĂȘncia ou fĂ©,
Eh! Tanta explicação que nada explica!
Estou sentado no cais, numa barrica,
E não compreendo mais do que de pé.

Por que o havia de compreender?
Pois sim, mas também por que o não havia?
Águia do rio, correndo suja e fria,
Eu passo como tu, sem mais valer…

Ó universo, novelo emaranhado,
Que paciĂȘncia de dedos de quem pensa
Em outras cousa te pÔe separado?

Deixa de ser novelo o que nos fica…
A que brincar? Ao amor?, Ă  indif’rença?
Por mim, sĂł me levanto da barrica.

A MĂŁe e o Filho

Teu sĂȘr tragicamente enternecido,
Em desespero de alma transformado,
Vae através do espaço escurecido
E pousa no seu tumulo sagrado.

E ele acorda, sentindo-o; e, comovido,
Chora ao vĂȘr teu espirito adorado,
Assim tĂŁo sĂł na noite e arrefecido
E todo de ĂȘrmas lagrimas molhado!

E eis que ele diz: “Ó MĂŁe, nĂŁo chores mais!
Em vez dos teus suspiros, dos teus ais,
Quero que venha a mim tua alegria!”

E só nas horas em que a Mãe descança,
É que ele inclina a fronte de creança
E dorme ao pé de ti, Virgem Maria!

Ela Ia, TranqĂŒila Pastorinha

Ela ia, tranqĂŒila pastorinha,
Pela estrada da minha imperfeição.
Segui-a, como um gesto de perdĂŁo,
O seu rebanho, a saudade minha…

“Em longes terras hĂĄs de ser rainha”
Um dia lhe disseram, mas em vĂŁo…
Seu vulto perde-se na escuridĂŁo…
SĂł sua sombra ante meus pĂ©s caminha…

Deus te dĂȘ lĂ­rios em vez desta hora,
E em terras longe do que eu hoje sinto
SerĂĄs, rainha nĂŁo, mas sĂł pastora _

SĂł sempre a mesma pastorinha a ir,
E eu serei teu regresso, esse indistinto
Abismo entre o meu sonho e o meu porvir…

Eu Passava Na Vida Errante E Vago

Eu passava na vida errante e vago
Como o nauta perdido em noite escura,
Mas tu te ergueste peregrina e pura
Como o cisne inspirado em manso lago,

Beijava a onda, num soluço mago,
Das moles plumas a brilhante alvura,
E a voz ungida de eternal doçura
Roçava as nuvens em divino afago.

Vi-te; e nas chamas de fervor profundo
A teus pés afoguei a mocidade
Esqueci de mim, de Deus, do mundo ! …

Mas ai! Cedo Fugiste ! … da saudade,
Hoje te imploro desse amor tĂŁo fundo
Uma idéia, uma queixa, uma saudade!

IrradiaçÔes

Às crianças

Qual da amplidĂŁo fantĂĄstica e serena
À luz vermelha e rĂștila da aurora
Cai, gota a gota, o orvalho que avigora
A imaculada e cùndida açucena.

Como na cruz, da triste Madalena
Aos pés de Cristo, a lågrima sonora
Caia, rolou, qual bĂĄlsamo que irrora
A negra mĂĄgoa, a indefinida pena…

Caia por vĂłs, esplĂȘndidas crianças
Bando feliz de castas esperanças,
Sonhos da estrela no infinito imersas;

Caia por vĂłs, as mĂșsicas formosas,
Como um dilĂșvio matinal de rosas,
Todo o luar benéfico dos versos!

O Ideal

Nunca poderĂĄ ser pĂĄlida bonequinha,
Produto sem frescor qual manequim de molas,
PĂ©s para borzeguins, dedos p’ra castanholas,
Que hĂĄ-de satisfazer almas como esta minha.

Eu deixo a Gavarni, poeta de enfermaria,
Seu rebanho gentil de belezas clorĂłticas,
Porque nunca encontrei n’essas plantas exĂłticas
A rubra flor que anela a minha fantasia.

Meu torvo coração, na angĂșstia que o oprime,
Sonha Lady Macbeth, alma fadada ao crime,
Pesadelo infernal que um Ésquilo criou;

E contigo também, ó Noite grandiosa,
Filha de Miguel-Anjo, esfinge misteriosa,
Sereia colossal que algum TitĂŁ gerou!

Tradução de Delfim Guimarães

VĂȘnus I

À flor da vaga, o seu cabelo verde,
Que o torvelinho enreda e desenreda…
O cheiro a carne que nos embebeda!
Em que desvios a razĂŁo se perde!

PĂștrido o ventre, azul e aglutinoso,
Que a onda, crassa, num balanço alaga,
E reflui (um olfato que se embriaga)
Como em um sorvo, murmura de gozo.

O seu esboço, na marinha turva…
De pé flutua, levemente curva;
Ficam-lhe os pĂ©s atrĂĄs, como voando…

E as ondas lutam, como feras mugem,
A lia em que a desfazem disputando,
E arrastando-a na areia, co’a salsugem.

Soneto V

Lançado ao pé de um monte, onde rebenta
Um rio, que ao mais alto vai correndo,
Um estrago de fogo estava vendo
Que quasi morto em cinzas se sustenta.

Eis quando ua Ave chega, e tĂŁo isenta
As asas sobre as cinzas vem batendo,
Que acende o fogo e vai o monte ardendo;
Mas cadavez o rio se acrecenta.

Despois de ter o mal e o dano certo,
Voando para mi, li-lhe no bico
“Em quanto vento houver vivirĂĄ a frĂĄgoa.”

Desejei de a tomar vendo-a tĂŁo perto,
Estendo a mĂŁo, mas com as penas fico,
Fugiu, e eu caĂ­ no fogo e n’ĂĄgua.

Beijo a Beijo

E de novo a armadilha dos abraços.
E de novo o enredo das delĂ­cias.
O rouco da garganta, os pés descalços
a pele alucinada de carĂ­cias.

As preces, os segredos, as risadas
no altar esplendoroso das ofertas.
De novo beijo a beijo as madrugadas
de novo seio a seio as descobertas.

Alcandorada no teu corpo imenso
teço um colar de gritos e silĂȘncios
a ecoar no som dos precipĂ­cios.

E tudo o que me dĂĄs eu te devolvo.
E fazemos de novo, sempre novo
o amor total dos deuses e dos bichos.

SĂł

Este, que um deus cruel arremessou Ă  vida,
Marcando-o com o sinal da sua maldição,
– Este desabrochou como a erva mĂĄ, nascida
Apenas para aos pés ser calcada no chão.

De motejo em motejo arrasta a alma ferida…
Sem constùncia no amor, dentro do coração
Sente, crespa, crescer a selva retorcida
Dos pensamentos maus, filhos da solidĂŁo.

Longos dias sem sol! noites de eterno luto!
Alma cega, perdida Ă  toa no caminho!
Roto casco de nau, desprezado no mar!

E, ĂĄrvore, acabarĂĄ sem nunca dar um fruto;
E, homem, hĂĄ de morrer como viveu: sozinho!
Sem ar! sem luz! sem Deus! sem fé! sem pão! sem lar!