Soneto
Ao meu primeiro filho nascido morto com 7 meses incompletos 2 fevereiro 1911.
Agregado infeliz de sangue e cal,
Fruto rubro de carne agonizante,
Filho da grande força fecundante
De minha brônzea trama neuronial,Que poder embriológico fatal
Destruiu, com a sinergia de um gigante,
Em tua morfogênese de infante
A minha morfogênese ancestral?!Porção de minha plásmica substância,
Em que logar irás passar a infância,
Tragicamente anônimo, a feder?!…Ah! Possas tu dormir feto esquecido,
Panteisticamente dissolvido
Na noumenalidade do NÃO SER!
Sonetos sobre Sangue
101 resultadosA Máscara
Eu sei que há muito pranto na existência,
Dores que ferem corações de pedra,
E onde a vida borbulha e o sangue medra,
Aí existe a mágoa em sua essência.No delírio, porém, da febre ardente
Da ventura fugaz e transitória
O peito rompe a capa tormentória
Para sorrindo palpitar contente.Assim a turba inconsciente passa,
Muitos que esgotam do prazer a taça
Sentem no peito a dor indefinida.E entre a mágoa que masc’ra eterna apouca
A humanidade ri-se e ri-se louca
No carnaval intérmino da vida.
A Um Carneiro Morto
Misericordiosíssímo carneiro
Esquartejado, a maldição de Pio
Décimo caia em teu algoz sombrio
E em todo aquele que for seu herdeiro!Maldito seja o mercador vadio
Que te vender as carnes por dinheiro,
Pois, tua lã aquece o mundo inteiro
E guarda as carnes dos que estão com frio!Quando a faca rangeu no teu pescoço,
Ao monstro que espremeu teu sangue grosso
Teus olhos – fontes de perdão – perdoaram!Oh! tu que no Perdão eu simbolizo,
Se fosses Deus, no Dia do juízo,
Talvez perdoasses os que te mataram!
Como Fizeste, Pórcia, Tal Ferida?
Como fizeste, Pórcia, tal ferida?
Foi voluntária, ou foi por inocência?
-Mas foi fazer Amor experiência
se podia sofrer tirar me a vida.-E com teu próprio sangue te convida
a não pores à vida resistência?
-Ando me acostumando à paciência,
porque o temor a morte não impida.-Pois porque comes, logo, fogo ardente,
se a ferro te costumas?-Porque ordena
Amor que morra e pene juntamente.E tens a dor do ferro por pequena?
-Si: que a dor costumada não se sente;
e eu não quero a morte sem a pena.
Portugal, Tão Diferente de seu Ser Primeiro
Os reinos e os impérios poderosos,
Que em grandeza no mundo mais cresceram,
Ou por valor de esforço floresceram,
Ou por varões nas letras espantosos.Teve Grécia Temístocles; famosos,
Os Cipiões a Roma engrandeceram;
Doze Pares a França glória deram;
Cides a Espanha, e Laras belicosos.Ao nosso Portugal, que agora vemos
Tão diferente de seu ser primeiro,
Os vossos deram honra e liberdade.E em vós, grão sucessor e novo herdeiro
Do Braganção estado, há mil extremos
Iguais ao sangue e mores que a idade.
Verônica
Não a face do Cristo, a macilenta
Face do Cristo, a dolorosa face…
O martírio da Cruz passou fugace
E este Martírio, esta Paixão é lenta.Um vivo sangue a face te ensangüenta,
Mais vivo que se o Deus o derramasse;
Porque esta vã paixão, para que passe,
É mister dos Titãs a luta incruenta.Se tu, Visão da Luz, Visão sagrada
Queres ser a Verônica sonhada,
Consoladora dessa dor sombriaImpressa ficara no teu sudário
Não a face do Cristo do Calvário
Mas a face convulsa da Agonia!
Somos o Casamento da Noite com o Sangue
Meu amor, ao fechar esta porta nocturna
peço-te, amor, uma viagem por um escuro recinto:
fecha os teus sonhos, entra com teu céu nos meus olhos,
estende-te no meu sangue como num largo rio.Adeus, adeus, cruel claridade que foi caindo
no saco de cada dia do passado,
adeus a cada raio de relógio ou laranja,
salve, ó sombra, intermitente companheira!Nesta nau ou água ou morte ou nova vida,
uma vez mais unidos, adormecidos, ressuscitados,
somos o casamento da noite com o sangue.Não sei quem vive ou morre, quem repousa ou desperta,
mas é o teu coração que distribui
no meu peito os dons da aurora.
Lésbia
Cróton selvagem, tinhorão lascivo,
Planta mortal, carnívora, sangrenta,
Da tua carne báquica rebenta
A vermelha explosão de um sangue vivo.Nesse lábio mordente e convulsivo,
Ri, ri risadas de expressão violenta
O Amor, trágico e triste, e passe, lenta,
A morte, o espasmo gélido, aflitivo…Lésbia nervosa, fascinante e doente,
Cruel e demoníaca serpente
Das flamejantes atracões do gozo.Dos teus seios acídulos, amargos,
Fluem capros aromas e os letargos,
Os ópios de um luar tuberculoso…
A Dor
Que venha, refúgio ou insónia, futuro
antigo e comece no campo ou no flanco, à
direita, onde consome a alma, à esquerda
onde exclama no corpo, na seiva ou no chãodos sobressaltos. Venha, amantíssima e espessa,
orelha ou folha acesa, fugaz ou rasgada,
planície vermelha, doce, gélida ou rápida.
Obedeça ao enleio, desperte ou descanse,corre pelo sangue como cervo na noite,
sol que despedaça o peito. O rosto se cobre
de grandes cinzas, pesado como uma lágrima,a alma, sendo ar, em nenhum lugar sereno.
Única posse de que dispomos. É seu
absurdo desejo, subtil e sem domínio.
O Inimigo
A mocidade foi-me um temporal bem triste,
Onde raro brilhou a luz d’um claro dia;
Tanta chuva caiu, que quase não existe
Uma flor no jardim da minha fantasia.E agora, que alcancei o outono, alquebrantado,
Que paciente labor não preciso — ai de mim! —
Se quiser renovar o terreno encharcado,
Cheio de boqueirões, que é hoje o meu jardim!E quem sabe se as flor’s ideais que ora cobiço
Iriam encontrar no chão alagadiço
O preciso alimento ao seu desabrochar?Corre o tempo veloz, num galope desfeito,
E a Dor, a ingente Dor, que nos corrói o peito,
Com nosso próprio sangue, a crescer, a medrar!Tradução de Delfim Guimarães
Inverno
Já na quarta estação final da vida
Estou, do triste Inverno rigoroso.
Fustigado do tempo borrascoso,
Co’a saraiva das asas sacudida.Gelada tenho a fronte encanecida,
O sangue frio, pálido e soroso.
Compresso está o físico nervoso
E a máquina de todo enfraquecida.Nesta quadra da fúnebre tristeza,
Que alegria terei na sombra escura,
Se enlutada se vê a Natureza?Só, c’os frutos da má agricultura,
Vago triste no espaço da incerteza
De que a Morte me dê melhor ventura.
Post Mortem
Quando do amor das Formas inefáveis
No teu sangue apagar-se a imensa chama,
Quando os brilhos estranhos e variáveis
Esmorecerem nos troféus da Fama.Quando as níveas Estrelas invioláveis,
Doce velário que um luar derrama,
Nas clareiras azuis ilimitáveis
Clamarem tudo o que o teu Verso clama.Já terás para os báratros descido,
Nos cilícios da Morte revestido,
Pés e faces e mãos e olhos gelados…Mas os teus Sonhos e Visões e Poemas
Pelo alto ficarão de eras supremas
Nos relevos do Sol eternizados!
4A Sombra – Fabíola
Como teu riso dói… como na treva
Os lêmures respondem no infinito:
Tens o aspecto do pássaro maldito,
Que em sânie de cadáveres se ceva!Filha da noite! A ventania leva
Um soluço de amor pungente, aflito…
Fabíola!… É teu nome!… Escuta é um grito,
Que lacerante para os céus s’eleva!…E tu folgas, Bacante dos amores,
E a orgia que a mantilha te arregaça,
Enche a noite de horror, de mais horrores…É sangue, que referve-te na taça!
É sangue, que borrifa-te estas flores!
E este sangue é meu sangue… é meu… Desgraça!
Boca Imortal
Abre a boca mordaz num riso convulsivo
Ó fera sensual, luxuriosa fera!
Que essa boca nervosa, em riso de pantera,
Quando ri para mim lembra um capro lascivo.Teu olhar dá-me febre e dá-me um brusco e vivo
Tremor as carnes, que eu, se ele em mim reverbera,
Fico aceso no horror da paixão que ele gera,
Inflamada, fatal, dum sangue rubro e ativo.Mas a boca produz tais sensações de morte,
O teu riso, afinal, é tão profundo e forte
E tem de tanta dor tantas negras raízes;Rigolboche do tom, ó flor pompadouresca!
Que és, para mim, no mundo, a trágica e dantesca
Imperatriz da Dor, entre as imperatrizes!
Aquela Que, De Pura Castidade
Aquela que, de pura castidade,
de si mesma tomou cruel vingança
por üa breve e súbita mudança,
contrária a sua honra e qualidade(venceu à fermosura a honestidade,
venceu no fim da vida a esperança
porque ficasse viva tal lembrança,
tal amor, tanta fé, tanta verdade!),de si, da gente e do mundo esquecida,
feriu com duro ferro o brando peito,
banhando em sangue a força do tirano.[Oh!] estranha ousadia ! estranho feito !
Que, dando breve morte ao corpo humano,
tenha sua memória larga vida!
Interrogação
A Guido Batelli
Neste tormento inútil, neste empenho
De tornar em silêncio o que em mim canta,
Sobem-me roucos brados à garganta
Num clamor de loucura que contenho.Ó alma de charneca sacrossanta,
Irmã da alma rútila que eu tenho,
Dize pra onde vou, donde é que venho
Nesta dor que me exalta e me alevanta!Visões de mundos novos, de infinitos,
Cadências de soluços e de gritos,
Fogueira a esbrasear que me consome!Dize que mão é esta que me arrasta?
Nódoa de sangue que palpita e alastra…
Dize de que é que eu tenho sede e fome?!
Salve! Rainha!
Ó sempre virgem Maria, concebida
sem pecado original, desde o
primeiro instante do teu ser…Mãe de Misericórdia, sem pecado
Original, desde o primeiro instante!
Salve! Rainha da Mansão radiante,
Virgem do Firmamento constelado…Teu coração de espadas lacerado,
Sangrando sangue e fel martirizante,
Escute a minha Dor, a torturante,
A Dor do meu soluço eternizado.A minha Dor, a minha Dor suprema,
A Dor estranha que me prende, algema
Neste Vale de lágrimas profundo…Salve! Rainha! por quem brado e clamo
E brado e brado e com angústia chamo,
Chamo, através das convulsões do mundo!…
A Redenção
A divina emoção que tu me deste,
Já m´a deu uma árvore ao poente…
Não é só teu encanto que te veste:
A seiva e o sangue rezam irmãmente.Às vezes nuvens, mares, areais,
Dão-me mais sonho do que os olhos teus…
É como se eles fossem meus iguais,
Tendo nós todos fé no mesmo Deus…Não será isto o instinto, a profecia,
De que desfeitos e transfigurados
Viveremos num só, numa harmonia?…Sim, deve ser: amor, sonho, emoção,
São esforços febris d´encarcerados
Para quem a Unidade é a redenção.
A Teodoro de Banville
De tal modo agarraste a Deusa pela crina,
Com ar dominador, num gesto sacudido
Que se alguém presencia o caso acontecido
Poderia julgar-te um rufião de esquina.Com o límpido olhar, — precoce e ardente vista,
Audaz, vais expandido o orgulho de arquitecto
Em nobres produções, de traço tão correcto,
Que deixam futurar um prodigioso artista.O nosso sangue, Poeta, esvai-se dia a dia!…
Acaso, do Centauro, a túnica sombria,
— Que, fúnebres caudais as velas transformava —Três vezes se tingiu com as barbas subtis
D’aqueles infernais, monstruosos, répteis,
Que Hércules, em crença, a rir, estrangulava?Tradução de Delfim Guimarães
Ilustre O Dino Ramo Dos Meneses
Ilustre o dino ramo dos Meneses,
aos quais o prudente e largo Céu
(que errar não sabe), em dote concedeu
rompesse os maométicos arneses;desprezando a Fortuna e seus reveses,
ide para onde o Fado vos moveu;
erguei flamas no Mar alto Eritreu,
e sereis nova luz aos Portugueses.Oprimi com tão firme e forte peito
o Pirata insolente, que se espante
e trema Taprobana e Gedrosia.Dai nova causa à cor do Arabo estreito:
assi que o roxo mar, daqui em diante,
o seja só co sangue de Turquia!