Sonetos sobre Sonhos

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Sonetos de sonhos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Dói Viver, Nada Sou Que Valha Ser.

Dói viver, nada sou que valha ser.
Tardo-me porque penso e tudo rui.
Tento saber, porque tentar é ser.
Longe de isto ser tudo, tudo flui.

Mágoa que, indiferente, faz viver.
Névoa que, diferente, em tudo influi.
O exílio nado do que fui sequer
Ilude, fixa, dá, faz ou possui.

Assim, noturno, a árias indecisas,
O prelúdio perdido traz à mente
O que das ilhas mortas foi só brisas,

E o que a memória análoga dedica
Ao sonho, e onde, lua na corrente,
Não passa o sonho e a água inútil fica.

Amor Algébrico

Acabo de estudar – da ciência fria e vã,
O gelo, o gelo atroz me gela ainda a mente,
Acabo de arrancar a fronte minha ardente
Das páginas cruéis de um livro de Bertrand.

Bem triste e bem cruel decerto foi o ente
Que este Saara atroz – sem aura, sem manhã,
A Álgebra criou – a mente, a alma mais sã
Nela vacila e cai, sem um sonho virente.

Acabo de estudar e pálido, cansado,
Dumas dez equações os véus hei arancado,
Estou cheio de spleen, cheio de tédio e giz.

É tempo, é tempo pois de, trêmulo e amoroso,
Ir dela descansar no seio venturoso
E achar do seu olhar o luminoso X.

Alma Fatigada

Nem dormir nem morrer na fria Eternidade!
Mas repousar um pouco e repousar um tanto,
Os olhos enxugar das convulsões do pranto,
Enxugar e sentir a ideal serenidade.

A graça do consolo e da tranqüilidade
De um céu de carinhoso e perfumado encanto,
Mas sem nenhum carnal e mórbido quebranto,
Sem o tédio senil da vã perpetuidade.

Um sonho lirial d’estrelas desoladas
Onde as almas febris, exaustas, fatigadas
Possam se recordar e repousar tranqüilas!

Um descanso de Amor, de celestes miragens,
Onde eu goze outra luz de místicas paisagens
E nunca mais pressinta o remexer de argilas!

Inania Verba

Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava,
O que a boca não diz, o que a mão não escreve?
– Ardes, sangras, pregada a’ tua cruz, e, em breve,
Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava…

O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava:
A Forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve…
E a Palavra pesada abafa a Idéia leve,
Que, perfume e dano, refulgia e voava.

Quem o molde achará para a expressão de tudo?
Ai! quem há de dizer as ânsias infinitas
Do sonho? e o céu que foge à mão que se levanta?

E a ira muda? e o asco mudo? e o desespero mudo?
E as palavras de fé que nunca foram ditas?
E as confissões de amor que morrem na garganta?!

O Palácio da Ventura

Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busca anelante
O palácio encantado da Ventura!

Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura…
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formusura!

Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado…
Abri-vos, portas d’ouro, ante meus ais!

Abrem-se as portas d’ouro, com fragor…
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão – e nada mais!

A Lanterna

O sabio antigo andou pelas ruas d’Athenas,
Com a lanterna accesa, errante, à luz do dia,
Buscando o varão forte e justo da Utopia,
Privado de paixões e d’emoções terrenas.

Eu tambem que aborreço as cousas vãs, pequenas
E que mais alto puz a sã Philosophia,
Ha muito busco em vão–ha muito, quem diria!
O mais cruel ideal das concepções serenas.

Tenho buscado em balde, e em vão por todo o mundo;
Esconde-se o ideal no sitio mais profundo,
No mar, no inferno, em tudo, aonde existe a dôr!…

De sorte que hoje emfim, descrente, resignado,
Concentrei-me em mim só, n’um tedio indignado,
E apaguei a lanterna – É só um sonho o Amor!

Fumo

Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!

Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas…
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!

Os dias são Outonos: choram… choram…
Há crisântemos roxos que descoram…
Há murmúrios dolentes de segredos…

Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!…

Évora

Ao amigo vindo da luminosa Itália, a minha cidade, como eu soturno e triste…

Évora! Ruas ermas sob os céus
Cor de violetas roxas…Ruas frades
Pedindo em triste penitência a Deus
Que nos perdoe as míseras vaidades!

Tenho corrido em vão tantas cidades!
E só aqui recordo os beijos teus,
E só aqui eu sinto que são meus
Os sonhos que sonhei noutras idades!

Évora!…O teu olhar…o teu perfil…
Tua boca sinuosa, um mês de Abril,
Que o coração no peito me alvoroça!

…Em cada viela o vulto dum fantasma…
E a minh’alma soturna escuta e pasma…
E sente-se passar menina e moça…

No Meio Do Caminho

Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha…

E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.

Hoje segues de novo… Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.

Pequenina

À Maria Helena Falcão Risques

És pequenina e ris…A boca breve
É um pequeno idílio cor-de-rosa…
Haste de lírio frágil e mimosa!
Cofre de beijos feito sonho e neve!

Doce quimera que a nossa alma deve
Ao Céu que assim te fez tão graciosa!
Que desta vida amarga e tormentosa
Te fez nascer como um perfume leve!

O ver o teu olhar faz bem à gente…
E cheira e sabe, a nossa boca, a flores…
Quando o teu nome diz, suavemente…

Pequenina que a Mãe de Deus sonhou,
Que ela afaste de ti aquelas dores
Que fizeram de mim isto que sou!…

O que é Viver?

Viver é só sentir como a Morte caminha
E como a Vida a quer e como a vida a chama…
Viver, minha princesa pobrezinha,
É esta morte triste de quem ama…

Viver é ter ainda uma quimera erguida
Ou um sonho febril a soluçar de rastos;
É beijar toda a dor humana, toda a Vida,
Como eu beijo a chorar os teus cabelos castos…

Viver é esperar a Morte docemente,
Beijando a luz, beijando os cardos, e beijando
Alguém, corpo ou fantasma, que nos venha amando…

É sentir a nossa alma presa tristemente
Ao mistério da Vida que nos leva
Perdidos pelo sol, perdidos pela treva…

Menina Dos Olhos Verdes

Ó! menina dos olhos verdes, que à tardinha
estás sempre à janela à hora de minha volta…
Que cousas pensarás? Que fazes aí sozinha?
Por que regiões de sonho a tua alma se solta?

Sempre que dobro a esquina encontro o teu olhar
e o teu claro sorriso adolescente ainda…
Habituei-me a te ver – e és tão criança e tão linda
que sem querer, também sorrio ao te encontrar…

Menina dos olhos verdes… A quem esperas
com teus olhos gritando a cor das primaveras?
Queres versos? Pois bem, estes são teus, recolhe-os!

Escrevi-os pensando em ti, tímida e bela,
– a menina dos olhos verdes da janela
debruçada à janela verde dos meus olhos!

Doce Certeza

Por essa vida fora hás-de adorar
Lindas mulheres, talvez; em ânsia louca,
Em infinito anseio hás de beijar
Estrelas d´ouro fulgindo em muita boca!

Hás de guardar em cofre perfumado
Cabelos d´ouro e risos de mulher,
Muito beijo d´amor apaixonado;
E não te lembrarás de mim sequer…

Hás de tecer uns sonhos delicados…
Hão de por muitos olhos magoados,
Os teus olhos de luz andar imersos!…

Mas nunca encontrarás p´la vida fora,
Amor assim como este amor que chora
Neste beijo d´amor que são meus versos!…

Das Unnennbare

Oh quimera, que passas embalada
Na onda de meus sonhos dolorosos,
E roças co’os vestidos vaporosos
A minha fronte pálida e cansada!

Leva-te o ar da noite sossegada…
Pergunto em vão, com olhos ansiosos,
Que nome é que te dão os venturosos
No teu país, misteriosa fada!

Mas que destino o meu! e que luz baça
A d’esta aurora, igual à do sol posto,
Quando só nuvem lívida esvoaça!

Que nem a noite uma ilusão consinta!
Que só de longe e em sonhos te presinta…
E nem em sonhos possa ver-te o rosto!

Pensamentos, Que Agora Novamente

Pensamentos, que agora novamente
cuidados vãos em mim ressuscitais,
dizei me: ainda não vos contentais
de terdes, quem vos tem, tão descontente?

Que fantasia é esta, que presente
cad’hora ante meus olhos me mostrais?
Com sonhos e com sombras atentais
quem nem por sonhos pode ser contente?

Vejo vos, pensamentos, alterados
e não quereis, d’esquivos, declarar me
que é isto que vos traz tão enleados?

Não me negueis, se andais para negar me;
que, se contra mim estais alevantados,
eu vos ajudarei mesmo a matar me.

Saudades

Saudades! Sim.. talvez.. e por que não?…
Se o sonho foi tão alto e forte
Que pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!

Esquecer! Para quê?… Ah, como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como o pão.

Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar
Mais decididamente me lembrar de ti!

E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais saudade andasse presa a mim!

Inconstância

É o meu destino: – hei de seguir assim
como um novo amor por sol, em cada dia…
– o que há pouco era tudo o que queria
já agora não é nada para mim…

Só vive, o que ainda é sonho e fantasia!
O que conquisto encontra logo um fim…
O amor que nasce cheio de alegria
hoje – morre amanhã cheio de esplim…

Inconstante e volúvel, meus desejos
– tem a alma das bolhas de sabão
e a duração efêmera dos beijos…

O amor – é a vida de um perfume no ar,
o encanto de um segundo de ilusão…
– a beleza da espuma sobre o mar!…

Monja

Ó Lua, Lua triste, amargurada,
Fantasma de brancuras vaporosas,
A tua nívea luz ciliciada
Faz murchecer e congelar as rosas.

Nas flóridas searas ondulosas,
Cuja folhagem brilha fosforeada,
Passam sombras angélicas, nivosas,
Lua, Monja da cela constelada.

Filtros dormentes dão aos lagos quietos,
Ao mar, ao campo, os sonhos mais secretos,
Que vão pelo ar, noctâmbulos, pairando…

Então, ó Monja branca dos espaços,
Parece que abres para mim os braços,
Fria, de joelhos, trêmula, rezando…

Anima Mea

Ó minh’alma, ó minh’alma, ó meu Abrigo,
Meu sol e minha sombra peregrina,
Luz imortal que os mundos ilumina
Do velho Sonho, meu fiel Amigo!

Estrada ideal de São Tiago, antigo
Templo da minha fé casta e divina,
De onde é que vem toda esta mágoa fina
Que é, no entanto, consolo e que eu bendigo?

De onde é que vem tanta esperança vaga,
De onde vem tanto anseio que me alaga,
Tanta diluída e sempiterna mágoa?

Ah! de onde vem toda essa estranha essência
De tanta misteriosa Transcendência
Que estes olhos me dixam rasos de água?!

Volúpia

Era já tarde e tu continuavas
entre os meus braços trémulos, cansados…
E eu, sonolenta, já de olhos fechados,
bebia ainda os beijos que me davas!

Passaram horas!… Nossas bocas flavas,
Muito unidas, em haustos repousados,
Queimavam os meus sonhos macerados,
Como rescaldos de candentes lavas.

Veio a manhã e o sol, feroz, risonho,
entrou na minha alcova adormecida,
quebrando o lírio roxo do meu sonho…

Mas deslumbrou-se… e em rúbidos adejos
Ajoelhou-se… e numa luz vencida,
Sorveu… sorveu o mel dos nossos beijos!