Sonetos sobre Tempo

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Sonetos de tempo escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Vibra o Passado em Tudo o que Palpita

Vibra o passado em tudo o que palpita
qual dança em coração de bailarino
ao regressar já mudo o violino
e há nuvens sobre o bosque em que transita

À paz dos seres a morte em seu contínuo
crescer em ramos de coral incita
a bem da noite negra e infinita
ser um raro instrumento é seu destino:

O ceptro dos eleitos que não cansam
o corpo que este tempo já não quebra
é como a cruz que os astros quando avançam

sobre o sul traçam por medida e regra
Os deuses têm-no em suas mãos cativo
risível é quem eles mandam vivo.

Tradução de Vasco Graça Moura

II

Mãos de finada, aquelas mãos de neve,
De tons marfíneos, de ossatura rica,
Pairando no ar, num gesto brando e leve,
Que parece ordenar, mas que suplica.

Erguem-se ao longe como se as eleve
Alguém que ante os altares sacrifica:
Mãos que consagram, mãos que partem breve,
Mas cuja sombra nos meus olhos fica…

Mãos de esperança para as almas loucas,
Brumosas mãos que vêm brancas, distantes,
Fechar ao mesmo tempo tantas bocas…

Sinto-as agora, ao luar, descendo juntas,
Grandes, magoadas, pálidas, tateantes,
Cerrando os olhos das visões defuntas…

Para que quero a Glória Fugitiva?

Já é tempo, já, que minha confiança
Se desça duma falsa opinião;
Mas Amor não se rege por razão,
Não posso perder, logo, a esperança.

A vida sim, que uma áspera mudança
Não deixa viver tanto um coração.
E eu só na morte tenho a salvação?
Sim, mas quem a deseja não a alcança.

Forçado é logo que eu espere e viva.
Ah dura lei de Amor, que não consente
Quietação num’alma que é cativa!

Se hei-de viver, enfim, forçadamente,
Para que quero a glória fugitiva
Duma esperança vã que me atormente?

Tentara o Amor de Abril

Tentara o amor de Abril tornar mais duro,
Naquele mês de céu azul cortado
Pelas pandorgas cor do assombro, o brado
Que no meu peito armava o meu futuro;

Porque de novo, a procurar, procuro,
De bruços na janela, e debruçado
Por sobre as mágoas deste amor calado,
Nas portas tenebrosas, o ar mais puro.

Firmando para o Norte, o brando povo
Das andorinhas parte, e fervoroso
Consuma o seu destino. Eu tento armá-lo

No céu da alma, e durmo procurando
Essa firmeza no abandono, e calo,
Por pouco tempo embora o como e o quando.

Soneto à Rendeira

O linho é uma oração remota, nesse
fluir fabril de fio para a flor.
Move-se o coração da moça, e esquece
o tempo prisioneiro, em derredor

da sombra esguia que à almofada tece.
Move-se, em seu afã modelador
de paz, o mito imemorial da prece
que do limbo da morte inventa o amor.

Movem-se dentro dela o sol e o vento.
Move-se o mar, e os pórticos se movem
das águas em perpétuo movimento…

Move-se a gênese em seu corpo jovem.
E, enquanto o olhar medita, os dedos tecem
gestos de amor que os lábios não conhecem.

Velhinha

Se os que me viram já cheia de graça
Olharem bem de frente em mim,
Talvez, cheios de dor, digam assim:
“Já ela é velha! Como o tempo passa! …”

Não sei rir e cantar por mais que faça!
Ó minhas mãos talhadas em marfim,
Deixem esse fio de oiro que esvoaça!
Deixem correr a vida até o fim!

Tenho vinte e três anos! Sou velhinha!
Tenho cabelos brancos e sou crente …
Já murmuro orações … falo sozinha …

E o bando cor-de-rosa dos carinhos
Que tu me fazes, olho-os indulgente,
Como se fosse um bando de netinhos …

A Minha Ausência de Ti

Foi tal e qual o inverno a minha ausência
de ti, prazer dum ano fugitivo:
dias nocturnos, gelos, inclemência;
que nudez de dezembro o frio vivo.

E esse tempo de exílio era o do verão;
era a excessiva gravidez do outono
com a volúpia de maio em cada grão:
um seio viúvo, sem senhor nem dono.

Essa posteridade em seu esplendor
uma esperança de órfãos me parecia:
contigo ausente, o verão teu servidor

emudeceu as aves todo o dia.
Ou tanto as deprimiu, que a folha arfava
e no temor do inverno desmaiava.

Tradução de Carlos de Oliveira

Paciência, um Sofrimento Voluntário

Tu és, ó Paciência, um sofrimento
Voluntário, fiel, bem ordenado,
Da conhecida sem razão tirado,
De um constante varão nobre ornamento.

Tu, recolhendo n’alma o pensamento,
Suportas com valor o Tempo irado.
Tu sustentas, com ânimo esforçado,
Todo o peso do mal, no bem atento.

Magnânima tu és, tu és Constância,
Cedro que não derruba a tempestade,
Rocha, onde a fúria quebra o mar com ânsia.

Tu triunfas da mesma Adversidade.
Subjugando as paixões co’a Tolerância,
Tu vences os ardis da vil Maldade.

Renascimento

A Olegária Siqueira

Manhã de rosas. Lá no etéreo manto,
O sol derrama lúcidos fulgores,
E eu vou cantando pela estrada, enquanto
Riem crianças e desabrocham flores.

Quero viver! Há quanto tempo, quanto!
Não venho ouvir na selva os trovadores!
Quero sentir este consolo santo
De quem, voltando à vida, esquece as dores.

Ouves, minh’alma? Que prazer no ninhos!
Como é suave a voz dos passarinhos
Neste tranqüilo e plácido deserto!

Ah! entre os risos da Natura em festa,
Entoa o hino da alegria honesta,
Canta o Te Deum, meu coração liberto!

No mundo quis o Tempo que se achasse

No mundo quis o Tempo que se achasse
O bem que por acerto ou sorte vinha;
E, por exprimentar que dita tinha,
Quis que a Fortuna em mim se exprimentasse.

Mas por que meu destino me mostrasse
Que nem ter esperanças me convinha,
Nunca nesta tão longa vida minha
Cousa me deixou ver que desejasse.

Mudando andei costume, terra e estado,
Por ver se se mudava a sorte dura;
A vida pus nas mãos de um leve lenho.

Mas, segundo o que o Céu me tem mostrado,
Já sei que deste meu buscar ventura
Achado tenho já que não a tenho.

Retrato da Beleza Nova e Pura

Retrato da beleza nova e pura
Que com divina mão, divino engenho,
Amor retratou na alma, onde vos tenho
Das injúrias do tempo mais segura,

Não mostreis aspereza em tal brandura,
Por vos vingar de mim, vendo que venho
a tanta confiança, que detenho
Os olhos em tamanha formosura.

O resplendor do Céu, sem dar mais pena
A quem olha seus raios em direito,
A vista só por breve espaço assombra,

Mas vossa luz mais clara, mais serena,
Juntamente me cega, e abrasa o peito:
Vede o Sol que fará, de que sois sombra!

Por Quê ?

Foi tudo uma surpresa, tudo de repente,
talvez nenhum de nós saiba explicar porque,
– você deixou de ser o que era antigamente
e o que era antigamente eu já não sou, se vê…

Eu era um seu amigo. E pra mim, você
por muito tempo foi a amiga e a confidente,
– deixei-a ler, assim como um cigano lê
nas mãos, toda a minha alma indiferentemente…

Por muito tempo, os dois, felizes, nos julgamos,
ate que certo dia… (e eu não lhe disse nada
nem você disse nada) nós nos afastamos…

Hoje você me evita… Hoje evito a você…
E seguimos então, cada um por sua estrada
sem que nenhum de nós saiba explicar porque…

Conheço o Teu Poder e a Fouce Dura

Conheço o teu poder e a fouce dura
Que a tua dextra empolga assaz respeito.
Sei que abaixo do sol tudo é sujeito
A teu poder feroz, tua bravura.

De Babilónia a torre assaz segura
De teu golpe fatal sentiu o efeito.
Por ti o Ródio c’losso foi desfeito,
Sem lhe valer a desmarcada altura.

Mas eu tenho um padrão que Amor defende.
Tempo cruel, que zomba do teu corte,
Bem que a mim teu furor assaz ofende.

É o meu coração constante e forte,
Coração que do Tempo a mão não rende,
Coração que só vence a mão da Morte.

Alvorada Eterna

Quando formos os dois já bem velhinhos,
já bem cansados, trôpegos, vencidos,
um ao outro apoiados, nos caminhos,
depois de tantos sonhos percorridos…

Quando formos os dois já bem velhinhos
a lembrar tempos idos e vividos,
sem mais nada colher, nem mesmo espinhos
nos gestos desfolhados e pendidos…

Quando formos só os dois, já bem velhinhos,
lá onde findam todos os caminhos
e onde a saudade, o chão, de folhas junca…

Olha amor, os meus olhos, bem no fundo,
e hás de ver que este amor em que me inundo
é uma alvorada que não morre nunca!

História Antiga

Vendo-a, fico a pensar que entre nós, certo dia…
Mas, para que falar desse tempo feliz?
Eu a quis – nem eu sei dizer como a queria!
Ela – Quem poderá dizer quanto me quis?!

Foi romance talvez, foi talvez fantasia,
vida que quase chega, e foge, por um triz…
Nosso amor, mas nem eu me lembro o que dizia!
Quem há de se lembrar do que a sonhar se diz!

Era um misto de sonho e tímido desejo:
eu – temendo manchar uma afeição tão bela!
ela – a entregar-me a vida e a boca num só beijo!

Ah! a Vida… Afinal quem a vida adivinha?
Nem eu – que tanto a quis – sei por que não sou dela!
nem ela, há de saber por que nunca foi minha!

Soneto XXXIIII

Buscando ando ventura e não dou nela,
A tudo só por ela me aventuro,
Mas por mais que acho tudo, em vão procuro
Que só de tudo, em tudo me falta ela.

Se para vê-la velo, também vela
E vai de mim fugindo pelo escuro,
Eu pelo escuro a sigo assaz seguro
Como quem a não tem para perdê-la.

Mas ai, que digo, como não conheço
A ventura que sem ventura alcanço,
Que mor ventura que não ter ventura.

Fora ventura então de pouco preço
E tempo, mas faltando a meu descanso,
Achei ventura em vós, que sempre dura.

IV – Sempre O Brasil

Nunca noite dormi tão sossegado,
Quem nem mesmo sonhei com o meu Brasil,
Porém, vendo infinito mar d’anil,
Lembra-me a aurora dele nacarada.

Cada dia que passa não é nada,
E os que faltam parecem mais de mil.
Se o tempo que lá vivo é um ceitil,
Aqui é para mim grande massada.

E a doença porém me consentir,
Sempre pensando nele, cuidarei
De tornar-me mais digno de o servir,

E, quando possa, logo voltarei;
Pois na terra só quero eu existir
Quando é para bem dele que eu o sei.

Correm Turvas As Águas Deste Rio

Correm turvas as águas deste rio,
que as do Céu e as do monte as enturbaram;
os campos florecidos se secaram,
intratável se fez o vale, e frio.

Passou o Verão, passou o ardente Estio,
üas cousas por outras se trocaram;
os fementidos Fados já deixaram
do mundo o regimento, ou desvario.

Tem o tempo sua ordem já sabida;
o mundo, não; mas anda tão confuso,
que parece que dele Deus se esquece.

Casos, opiniões, natura e uso
fazem que nos pareça desta vida
que não há nela mais que o que parece.

Ars De Eros

Enquanto vias vi fôrmas e formas
mas sabia que vinhas ver os versos
depois de veres várias folhas mortas
desse outono jardim nosso em regressos.

Não adianta rosnar pantera morna
o tempo rasga sempre um vento espesso
embora não queiramos ser da horta
estrume de um adubo tão perverso,

E não me venha viúva simbolista
reclamar dos poemas tão transgressos
pois te mostro a visão livre e anarquista.

Se é para ver que venha então diverso
o modo de te amar mais tribalista
que morro nesse clímax dos possessos.

Rebelado

Ri tua face um riso acerbo e doente,
Que fere, ao mesmo tempo que contrista…
Riso de ateu e riso de budista
Gelado no Nirvana impenitente.

Flor de sangue, talvez, e flor dolente
De uma paixão espiritual de artista,
Flor de Pecado sentimentalista
Sangrando em riso desdenhosamente.

Da alma sombria de tranqüilo asceta
Bebeste, entanto, a morbidez secreta
Que a febre das insânias adormece.

Mas no teu lábio convulsivo e mudo
Mesmo até riem, com desdéns de tudo,
As sílabas simbólicas da Prece!