Sonetos sobre Tempo

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Sonetos de tempo escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

A Giganta

No tempo em que a Natura, augusta, fecundanta,
Seres descomunais dava Ă  terra mesquinha,
Eu quisera viver junto d’uma giganta,
Como um gatinho manso aos pĂ©s d’uma rainha!

Gosta de assistir-lhe ao desenvolvimento
Do corpo e da razĂŁo, aos seus jogos terrĂ­veis;
E ver se no seu peito havia o sentimento
Que faz nublar de pranto as pupilas sensĂ­veis

Percorrer-lhe a vontade as formas gloriosas,
Escalar-lhe, febril, as colunas grandiosas;
E Ă s vezes, no verĂŁo, quando no ardente solo

Eu visse deitar, numa quebreira estranha estranha,
Dormir serenamente Ă  sombra do seu colo,
Como um pequeno burgo ao sopé da montanha!

Tradução de Delfim Guimarães

Eu Cantei Já, E Agora Vou Chorando

Eu cantei já, e agora vou chorando
o tempo que cantei tĂŁo confiado;
parece que no canto já passado
se estavam minhas lágrimas criando.

Cantei; mas se me alguém pergunta: -Quando?
-Não sei; que também fui nisso enganado.
É tão triste este meu presente estado
que o passado, por ledo, estou julgando.

Fizeram-me cantar, manhosamente,
contentamentos não, mas confianças;
cantava, mas já era ao som dos ferros.

De quem me queixarei, que tudo mente?
Mas eu que culpa ponho às esperanças
onde a Fortuna injusta Ă© mais que os erros?

Podes, Ăł Tempo, Entrar: Eu Te Convido

Podes, Ăł Tempo, entrar: eu te convido
A ser hóspede meu, que eu nunca faço
Distinção quando és bom ou mau, pois passo
Os meus dias, de ti nunca esquecido.

Ou me batas Ă  porta, enfurecido,
Envolto em furacões, com torvo braço,
Ou entres brandamente, passo a passo,
Cum sorriso na boca apetecido:

Ou me sejas contrário, ou venturoso,
Eu me acomodo a ti e a pouco custo,
Se visitar-me vens, tempestuoso.

Às tuas intenções sempre me ajusto.
Tu, a quem pensa, és sempre proveitoso:
Feliz quem te ama sem pavor nem susto.

Que Amor Fez sem Remédio, o Tempo, os Fados?

Depois de tantos dias mal gastados,
Depois de tantas noites mal dormidas,
Depois de tantas lágrimas vertidas,
Tantos suspiros vĂŁos vĂŁmente dados,

Como não sois vós já desenganados,
Desejos, que de cousas esquecidas
Quereis remediar mortais feridas,
Que amor fez sem remédio, o tempo, os Fados?

Se nĂŁo tivĂ©reis já longa exp’riĂŞncia
Das sem-razões de Amor a quem servistes,
Fraqueza fora em vĂłs a resistĂŞncia.

Mas pois por vosso mal seus males vistes,
Que o tempo nĂŁo curou, nem larga ausĂŞncia,
Qual bem dele esperais, desejos tristes?

Este Amor Que Vos Tenho, Limpo E Puro

Este amor que vos tenho, limpo e puro,
de pensamento vil nunca tocado,
em minha tenra idade começado,
tĂŞ-lo dentro nesta alma sĂł procuro.

De haver nele mudança estou seguro,
sem temer nenhum caso ou duro Fado,
nem o supremo bem ou baixo estado,
nem o tempo presente nem futuro.

A bonina e a flor asinha passa;
tudo por terra o Inverno e Estio
deita, sĂł para meu amor Ă© sempre Maio.

Mas ver-vos para mim, Senhora, escassa,
e que essa ingratidĂŁo tudo me enjeita,
traz este meu amor sempre em desmaio.

A FelĂ­cio Dos Santos

FelĂ­cio amigo, se eu disser que os anos
Passam correndo ou passam vagarosos,
Segundo sĂŁo alegres ou penosos,
Tecidos de afeições ou desenganos,

“Filosofia Ă© esta de rançosos!”
Dirás. Mas não há outra entre os humanos.
NĂŁo se contam sorrisos pelos danos,
Nem das tristezas desabrocham gozos.

Banal, confesso. O precioso e o raro
É, seja o céu nublado ou seja claro,
Tragam os tempos amargura ou gosto,

NĂŁo desdizer do mesmo velho amigo,
Ser com os teus o que eles sĂŁo contigo,
Ter um só coração, ter um só rosto.

RemissĂŁo

Tua memĂłria, pasto de poesia,
tua poesia, pasto dos vulgares,
vĂŁo se engastando numa coisa fria
a que tu chamas: vida, e seus pesares.

Mas, pesares de quĂŞ? perguntaria,
se esse travo de angĂşstia nos cantares,
se o que dorme na base da elegia
vai correndo e secando pelos ares,

e nada resta, mesmo, do que escreves
e te forçou ao exílio das palavras,
senĂŁo contentamento de escrever,

enquanto o tempo, em suas formas breves
ou longas, que sutil interpretavas,
se evapora no fundo do teu ser?

New York

Resplandeces e ris, ardes e tumultuas;
Na escalada do céu, galgando em fúria o espaço,
Sobem do teu tear de praças e de ruas
Atlas de ferro, Anteus de pedra e Brontes de aço.

Gloriosa! Prometeu revive em teu regaço,
Delira no teu gênio, enche as artérias tuas,
E combure-te a entranha arfante de cansaço,
Na incessante criação de assombros em que estuas.

Mas, como as tuas Babéis, debalde o céu recortas,
E pesas sobre o mar, quando o teu vulto assoma,
Como a recordação da Tebas de cem portas:

Falta-te o Tempo, – o vago, o religioso aroma
Que se respira no ar de Lutécia e de Roma,
Sempre moço perfume anciĂŁo de idades mortas…

Do Viver me Desapossa aquele Riso com que a Vida Dais

Formosos olhos, que na idade nossa
Mostrais do Céu certíssimos sinais,
Se quereis conhecer quanto possais,
Olhai-me a mim, que sou feitura vossa.

Vereis que do viver me desapossa
Aquele riso com que a vida dais;
Vereis como de Amor nĂŁo quero mais,
Por mais que o tempo corra, o dano possa.

E se ver-vos nesta alma, enfim, quiserdes,
Como num claro espelho, ali vereis
Também a vossa, angélica e serena.

Mas eu cuido que, sĂł por me nĂŁo verdes,
Ver-vos em mim, Senhora, nĂŁo quereis:
Tanto gosto levais de minha pena!

Ditoso Seja Aquele Que Somente

Ditoso seja aquele que somente
se queixa de amorosas esquivanças;
ois por elas não perde as esperanças
de poder n’algum tempo ser contente.

Ditoso seja quem, estando ausente,
não sente mais que a pena das lembranças;
porqu’, inda que se tema de mudanças,
menos se teme a dor quando se sente.

Ditoso seja, enfim, qualquer estado
onde enganos, desprezos e isenção
trazem o coração atormentado.

Mas triste quem se sente magoado
d’erros em que nĂŁo pode haver perdĂŁo,
sem ficar n’alma a mágoa do pecado.

Do Tempo que Fui Livre me Arrependo

O culto divinal se celebrava
No templo donde toda criatura
Louva o Feitor divino, que a feitura
Com seu sagrado sangue restaurava.

Amor ali, que o tempo me aguardava
Onde a vontade tinha mais segura,
Com uma rara e angélica figura
A vista da razĂŁo me salteava.

Eu crendo que o lugar me defendia
De seu livre costume, nĂŁo sabendo
Que nenhum confiado lhe fugia,

Deixei-me cativar; mas hoje vendo,
Senhora, que por vosso me queria,
Do tempo que fui livre me arrependo.

Somente se Queixa de Amorosas Esquivanças

Ditoso seja aquele que somente
Se queixa de amorosas esquivanças;
Pois por elas não perde as esperanças
De poder nalgum tempo ser contente.

Ditoso seja quem estando ausente
Não sente mais que a pena das lembranças;
Porqu’inda que se tema de mudanças,
Menos se teme a dor quando se sente.

Ditoso seja, enfim, qualquer estado,
Onde enganos, desprezos e isenção
Trazem um coração atormentado.

Mas triste quem se sente magoado
De erros em que nĂŁo pode haver perdĂŁo
Sem ficar na alma a mágoa do pecado.

VolĂşvel do Homem Foi Sempre a Vontade

Sobre as asas do Tempo, que nĂŁo cansa,
Nossos gostos se vão, nossas paixões
Os projectos, sistemas e opiniões
Cos tempos que se mudam tem mudança.

Não pode haver no mundo segurança
Entre o vário montão de inclinações,
Pois sujeita a Vontade a mil baldões
No variável moto não descansa.

Nas nossas quatro épocas da idade
Temos mudanças mil: nossa fraqueza
Sujeita está, do Tempo, à variedade.

Na inconstância jamais houve firmeza:
VolĂşvel do homem foi sempre a vontade,
Por defeito comum da Natureza.

Fermosos Olhos Que Na Idade Nossa

Fermosos olhos que na idade nossa
mostrais do Céu certissimos sinais,
se quereis conhecer quanto possais,
olhai me a mim, que sou feitura vossa.

Vereis que de viver me desapossa
aquele riso com que a vida dais;
vereis como de Amor nĂŁo quero mais,
por mais que o tempo corra e o dano possa.

E se dentro nest’alma ver quiserdes,
como num claro espelho, ali vereis
também a vossa, angélica e serena.

Mas eu cuido que sĂł por nĂŁo me verdes,
ver vos em mim, Senhora, nĂŁo quereis:
tanto gosto levais de minha pena!

Felina Mulher

Eu quisera depois das lutas acabadas,
na paz dos vegetais adormecer um dia
e nunca mais volver da santa letargia,
meu corpo dando pasto Ă s plantas delicadas.

Seria belo ouvir nas moitas perfumadas,
enquanto a mesma seiva em mim também corria,
as sãs vegetações, em íntima harmonia,
aos troncos enlaçando as lívidas ossadas!

Ó beleza fatal que há tanto tempo gabo:
se eu volvesse depois feito em jasmins-do-cabo
– gentil metamorfose em que nesta hora penso –

tu, felina mulher, com garras de veludo,
havias de trazer meu espĂ­rito, contudo,
envolto muita vez nas dobras do teu lenço!

Discreta E FormosĂ­ssima Maria

Discreta e formosĂ­ssima Maria,
Enquanto estamos vendo a qualquer hora,
Em tuas faces a rosada Aurora,
Em teus olhos e boca, o Sol e o dia:

Enquanto com gentil descortesia,
O Ar, que fresco AdĂ´nis te namora,
Te espalha a rica trança brilhadora
Quando vem passear-te pela fria.

Goza, goza da flor da mocidade,
Que o tempo trata, a toda a ligeireza
E imprime em toda flor sua pisada.

Oh nĂŁo aguardes que a madura idade
te converta essa flor, essa beleza,
em terra, em cinza, em pĂł, em sombra, em nada.

Ah! Os RelĂłgios

Amigos, nĂŁo consultem os relĂłgios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fĂşteis problemas tĂŁo perdidas
que atĂ© parecem mais uns necrolĂłgios…

Porque o tempo é uma invenção da morte:
nĂŁo o conhece a vida – a verdadeira –
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma Ă© dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.

E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguĂ©m – ao voltar a si da vida –
acaso lhes indaga que horas sĂŁo…

a fava

espero que me calhe aquela fava
que Ă© costume meter no bolo-rei:
quer dizer que o comi, que o partilhei
no natal com quem mais o partilhava

numa ordem das coisas cuja lei
de afectos e memĂłria em nĂłs se grava
nalgum lugar da alma e que destrava
tanta coisa sumida que, bem sei,

pela sua presença cristaliza
saudade e alegria em sons e brilhos,
sabores, cores, luzes, estribilhos…
e até por quem nos falta então se irisa

na mais pobre semente a intensa dança
de tempo adulto e tempo de criança.

Ah! Fortuna Cruel! Ah! Duros Fados!

Ah! Fortuna cruel! Ah! duros Fados!
QuĂŁo asinha em meu dano vos mudastes!
Passou o tempo que me descansastes,
agora descansais com meus cuidados.

Deixastes-me sentir os bens passados,
para mor dor da dor que me ordenastes;
entĂŁo nĂĽ’hora juntos mos levastes,
deixando em seu lugar males dobrados.

Ah! quanto milhor fora nĂŁo vos ver,
gostos, que assi passais tĂŁo de corrida,
que fico duvidoso se vos vi:

sem vós já me não fica que perder,
se nĂŁo se for esta cansada vida,
que por mor perda minha nĂŁo perdi.

XXVII

Apressa se a tocar o caminhante
O pouso, que lhe marca a luz do dia;
E da sua esperança se confia,
Que chegue a entrar no porto o navegante;

Nem aquele sem termo passa avante
Na longa, duvidosa e incerta via;
Nem este atravessando a regiĂŁo fria
Vai levando sem rumo o curso errante:

Depois que um breve tempo houver passado,
Um se verá sobre a segura areia,
Chegará o outro ao sítio desejado:

Eu sĂł, tendo de penas a alma cheia,
NĂŁo tenho, que esperar; que o meu cuidado
Faz, que gire sem norte a minha idéia.