Sonetos sobre Vozes

206 resultados
Sonetos de vozes escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Gloriosa

A Araújo Figueredo

Pomba! dos céus me dizes que vieste,
Toda c’roada de astros e de rosas,
Mas há regiões mais que essas luminosas.
Não, tu não vens da região celeste

Há um outro esplendor em tua veste,
Uma outra luz nas tranças primorosas,
Outra harmonia em teu olhar — maviosas
Cousas em ti que tu nunca tiveste.

Não, tu não vens das célicas planuras,
Do Éden que ri e canta nas alturas
Como essa voz que dos teus lábios tomba.

Vens de mais longe, vens doutras paragens,
Vens doutros céus de místicas celagens,
Sim, vens de sóis e das auroras, pomba.

Soneto I

De Amor escrevo, de Amor falo e canto;
E se minha voz fosse igual ao que amo,
Esperara eu sentir na que em vão chamo
Piedade, e na gente dor e espanto.

Mas não há pena, ou língua, ou voz, ou canto
Que mostre o amor por que eu tudo desamo,
Nem o vivo fogo em que me sempre inflamo,
Nem de meus olhos o contino pranto.

Assi me vou morrendo, sem ser crida
A causa por que em vão mouro contente,
Nem sei se isto que passo é vida ou morte.

Mas inda da que eu amo fosse ouvida
E crida minha voz, e da vã gente
Nunca entendida fosse minha sorte!

Olhos Suaves, que em Suaves Dias

Olhos suaves, que em suaves dias
Vi nos meus tantas vezes empregados;
Vista, que sobra esta alma despedias
Deleitosos farpões, no céu forjados:

Santuários de amor, luzes sombrias,
Olhos, olhos da cor de meus cuidados,
Que podeis inflamar as pedras frias,
Animar cadáveres mirrados:

Troquei-vos pelos ventos, pelos mares,
Cuja verde arrogância as nuvens toca,
Cuja hrrísona voz perturba os ares:

Troquei-vos pelo mal, que me sufoca;
Troquei-vos pelos ais, pelos pesares:
Oh câmbio triste! oh deplorável troca!

Eu Vi Dos Pólos O Gigante Alado

Eu vi dos pólos o gigante alado,
Sobre um montão de pálidos coriscos,
Sem fazer caso dos bulcões ariscos,
Devorando em silêncio a mão do fado!

Quatro fatias de tufão gelado
Figuravam da mesa entre os petiscos;
E, envolto em manto de fatais rabiscos,
Campeava um sofisma ensangüentado!

– “Quem és, que assim me cercas de episódios?”
Lhe perguntei, com voz de silogismo,
Brandindo um facho de trovões seródios.

– “Eu sou” – me disse, – “aquele anacronismo,
Que a vil coorte de sulfúreos ódios
Nas trevas sepultei de um solecismo…”

Quando Eu Via o Triste Fim que Davam os Meus Amores

O cisne, quando sente ser chegada
A hora que põe termo à sua vida,
Harmonia maior, com voz sentida,
Levanta pela praia inabitada.

Deseja lograr vida prolongada,
E dela está chorando a despedida;
Com grande saudade da partida,
Celebra o triste fim desta jornada.

Assim, Senhora minha, quando eu via
O triste fim que davam meus amores,
Estando posto já no extremo fio,

Com mais suave acento de harmonia
Descantei pelos vossos desfavores
La vuestra falsa fe y el amor mio.

XXII

A Goethe.

Quando te leio, as cenas animadas
Por teu gênio, as paisagens que imaginas,
Cheias de vida, avultam repentinas,
Claramente aos meus olhos desdobradas.

Vejo o céu, vejo as serras coroadas
De gelo, e o sol que o manto das neblinas
Rompe, aquecendo as frígidas campinas
E iluminando os vales e as estradas.

Ouço o rumor soturno da charrúa,
E os rouxinóis que, no carvalho erguido,
A voz modulam de ternuras cheia.

E vejo, à luz tristíssima da lua,
Hermann que cisma, pálido, embebido
No meigo olhar da loura Dorothéa…

Desespero

Não eram meus os olhos que te olharam
Nem este corpo exausto que despi
Nem os lábios sedentos que poisaram
No mais secreto do que existe em ti.

Não eram meus os dedos que tocaram
Tua falsa beleza, em que não vi
Mais que os vícios que um dia me geraram
E me perseguem desde que nasci.

Não fui eu que te quis. E não sou eu
Que hoje te aspiro e embalo e gemo e canto,
Possesso desta raiva que me deu

A grande solidão que de ti espero.
A voz com que te chamo é o desencanto
E o espermen que te dou, o desespero.

Noitinha

A noite sobre nós se debruçou…
Minha alma ajoelha, põe as mãos e ora!
O luar, pelas colinas, nesta hora,
É água dum gomil que se entornou…

Não sei quem tanta pérola espalhou!
Murmura alguém pelas quebradas fora…
Flores do campo, humildes, mesmo agora.
A noite, os olhos brandos, lhes fechou…

Fumo beijando o colmo dos casais…
Serenidade idílica de fontes,
E a voz dos rouxinóis nos salgueirais…

Tranquilidade… calma… anoitecer…
Num êxtase, eu escuto pelos montes
O coração das pedras a bater…

O cisne, quando sente ser chegada

O cisne, quando sente ser chegada
A hora que põe termo a sua vida,
Música com voz alta e mui subida
Levanta pela praia inabitada.

Deseja ter a vida prolongada
Chorando do viver a despedida;
Com grande saudade da partida,
Celebra o triste fim desta jornada.

Assim, Senhora minha, quando via
O triste fim que davam meus amores,
Estando posto já no extremo fio,

Com mais suave canto e harmonia
Descantei pelos vossos desfavores
La vuestra falsa fé y el amor mio.

Imaginai Um Misto De Alvoradas

Imaginai um misto de alvoradas
Assim com uns vagos longes de falena,
Ou mesmo uns quês suaves de açucena
C’os magos prantos bons das madrugadas!…

Imaginai mil cousas encantadas…
O tímido dulçor da tarde amena,
As esquisitas graças de uma Helena,
As vaporosas noites estreladas…

Que encontrareis então em Julieta
O tipo são, fiel da Georgeta
Nos dois brilhantes, primorosos atos!…

E sentireis um fluido magnético
Trêmulo, nervoso, mórbido, patético,
Bem como a voz dos langues psicattos!…

A Esperança

A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.

Muita gente infeliz assim não pensa;
No entanto o mundo é uma ilusão completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?

Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a crença de fanal bendito,
Salve-te a glória no futuro – avança!

E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da morte a me bradar: descansa!

Pior Velhice

Sou velha e triste. Nunca o alvorecer
Dum riso são andou na minha boca!
Gritando que me acudam, em voz rouca,
Eu, náufraga da Vida, ando a morrer!

A Vida, que ao nascer, enfeita e touca
De alvas rosas a fronte da mulher,
Na minha fronte mística de louca
Martírios só poisou a emurchecer!

E dizem que sou nova… A mocidade
Estará só, então, na nossa idade,
Ou está em nós e em nosso peito mora?!

Tenho a pior velhice, a que é mais triste,
Aquela onde nem sequer existe
Lembrança de ter sido nova… outrora…

A Noite Branca

Uma fonte clara e musical
canta na noite branca de Roma
e dos jardins pagãos vem o aroma
que embalsama as camas dos amantes.

A água de si mesma enamorada
cinge a fronte fria das estátuas
de dia feridas pelas fátuas
vozes dos turistas sucessivos.

A memória oculta das cloacas
narra o seu trajeto de água e fábula
pela boca dos tritões e máscaras.

No brancor da praça adormecida
Aparece um travesti aidético
E ouve a fonte, a eterna voz da vida.

Aqui Morava Um Rei

“Aqui morava um rei quando eu menino
Vestia ouro e castanho no gibão,
Pedra da Sorte sobre meu Destino,
Pulsava junto ao meu, seu coração.

Para mim, o seu cantar era Divino,
Quando ao som da viola e do bordão,
Cantava com voz rouca, o Desatino,
O Sangue, o riso e as mortes do Sertão.

Mas mataram meu pai. Desde esse dia
Eu me vi, como cego sem meu guia
Que se foi para o Sol, transfigurado.

Sua efígie me queima. Eu sou a presa.
Ele, a brasa que impele ao Fogo acesa
Espada de Ouro em pasto ensanguentado.”

Tenho Fome da Tua Boca

Tenho fome da tua boca, da tua voz, do teu cabelo,
e ando pelas ruas sem comer, calado,
não me sustenta o pão, a aurora me desconcerta,
busco no dia o som líquido dos teus pés.

Estou faminto do teu riso saltitante,
das tuas mãos cor de furioso celeiro,
tenho fome da pálida pedra das tuas unhas,
quero comer a tua pele como uma intacta amêndoa.

Quero comer o raio queimado na tua formosura,
o nariz soberano do rosto altivo,
quero comer a sombra fugaz das tuas pestanas

e faminto venho e vou farejando o crepúsculo
à tua procura, procurando o teu coração ardente
como um puma na solidão de Quitratue.

Lindóia

Vem, vem das águas, mísera Moema,
Senta-te aqui. As vozes lastimosas
Troca pelas cantigas deleitosas,
Ao pé da doce e pálida Coema.

Vós, sombras de Iguaçu e de Iracema,
Trazei nas mãos, trazei no colo as rosas
Que o amor desabrochou e fez viçosas
Nas laudas de um poema e outro poema.

Chegai, folgai, cantai. É esta, é esta
De Lindóia, que a voz suave e forte
Do vate celebrou, a alegre festa.

Além do amável, gracioso porte,
Vede o mimo, a ternura que lhe resta.
Tanto inda é bela no seu rosto a morte

Hino À Razão

Razão, irmã do Amor e da Justiça,
Mais uma vez escuta a minha prece.
É a voz dum coração que te apetece,
Duma alma livre só a ti submissa.

Por ti é que a poeira movediça
De astros, sóis e mundos permanece;
E é por ti que a virtude prevalece,
E a flor do heroísmo medra e viça.

Por ti, na arena trágica, as nações
buscam a liberdade entre clarões;
e os que olham o futuro e cismam, mudos,

Por ti podem sofrer e não se abatem,
Mãe de filhos robustos que combatem
Tendo o teu nome escrito em seus escudos!

Afrodite I

Móvel, festivo, trépido, arrolando,
À clara voz, talvez da turba iriada
De sereias de cauda prateada,
Que vão com o vento os carmes concertando,

O mar, – turquesa enorme, iluminada,
Era, ao clamor das águas, murmurando,
Como um bosque pagão de deuses, quando
Rompeu no Oriente o pálio da alvorada.

As estrelas clarearam repentinas,
E logo as vagas são no verde plano
Tocadas de ouro e irradiações divinas;

O oceano estremece, abrem-se as brumas,
E ela aparece nua, à flor de oceano,
Coroada de um círculo de espumas.

Pacto Das Almas (I) Para Sempre!

Ah! para sempre! para sempre! Agora
Não nos separaremos nem um dia…
Nunca mais, nunca mais, nesta harmoia
Das nossas almas de divina aurora.

A voz do céu pode vibrar sonora
Ou do Inferno a sinistra sinfonia,
Que num fundo de astral melancolia
Minh’alma com a tu’alma goza e chora.

Para sempre está feito o augusto pacto!
Cegos serenos do celeste tacto,
Do Sonho envoltas na estrelada rede.

E perdidas, perdidas no Infinito
As nossas almas, no Clarão bendito,
Hão de enfim saciar toda esta sede…

De Alma Em Alma

Tu andas de alma em alma errando, errando,
como de santuário em santuário.
És o secreto e místico templário
As almas, em silêncio, contemplando.

Não sei que de harpas há em ti vibrando,
que sons de peregrino estradivário
Que lembras reverências de sacrário
E de vozes celestes murmurando.

Mas sei que de alma em alma andas perdido
Atrás de um belo mundo indefinido
De silêncio, de Amor, de Maravilha.

Vai! Sonhador das nobres reverências!
A alma da Fé tem dessas florescências,
Mesmo da Morte ressuscita e brilha!