Textos sobre Crença

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Textos de crença escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

O Mal das Doutrinas Religiosas

– Bem, o que até agora me pareceu mais interessante foi verificar que a grande maioria de todas essas crenças parte de um facto ou de uma personagem de relativa probabilidade histórica, mas todas evoluem rapidamente para movimentos sociais subordinados e enformados pelas circunstâncias políticas, económicas e sociais do grupo que as aceita. Ainda está acordada?
Eulalia assentiu.
– Uma boa parte da mitologia que se desenvolve à volta de cada uma destas doutrinas, desde a liturgia até às normas e tabus, provém da burocracia que é gerada à medida que evoluem e não do suposto facto sobrenatural que lhes deu origem. A maior parte das anedotas simples e bonançosas, um misto de senso comum e folclore, e toda a carga beligerante que conseguem desenvolver provém da interpretação posterior daqueles princípios, quando não tendem a desvirtuar-se, nas mãos dos seus administradores. A questão administrativa e hierárquica parece ser a chave da sua evolução. A verdade é revelada em princípio a todos os homens, mas depressa aparecem indivíduos que se atribuem o poder e o dever de interpretar, administrar e, nalguns casos, alterar essa verdade em nome do bem comum, estabelecendo para isso uma organização poderosa e potencialmente repressiva.

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Liberdade com Limites

Há muitas espécies de liberdade. Umas tem o mundo de menos, outras tem o mundo de mais. Mas ao dizer que pode haver «de mais» de uma certa espécie de liberdade devo apressar-me a acrescentar que a única espécie de liberdade que considero indesejável é aquela que permite diminuir a liberdade de outrem, por exemplo, a liberdade de fazer escravos.
O mundo não pode garantir-se a maior quantidade possível de liberdade instituindo, pura e simplesmente, a anarquia, pois nesse caso os mais fortes seriam capazes de privar da liberdade os mais fracos. Duvido de que qualquer instituição social seja justificável se contribui para diminuir o quantitativo total de liberdade existente no mundo, mas certas instituições sociais são justificáveis apesar do facto de coarctarem a liberdade de um certo indivíduo ou grupo de indivíduos.
No seu sentido mais elementar, liberdade significa a ausência de controles externos sobre os actos de indivíduos ou grupos. Trata-se, portanto, de um conceito negativo, e a liberdade, por si só, não confere a uma comunidade qualquer alta valia.
Os Esquimós, por exemplo, podem dispensar o Governo, a educação obrigatória, o código das estradas, e até as complicações incríveis do código comercial. A sua vida,

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Porquê Confiar em Si Mesmo?

A confiança só será possível se primeiro tiver confiança em si próprio. E isto deve começar por acontecer dentro de si. Se tiver confiança em si próprio, poderá ter confiança em mim, poderá ter confiança nas pessoas, poderá ter confiança na existência. Mas, se não tiver confiança em si próprio, então nunca mais será possível ter confiança em mais ninguém. E a sociedade corta a confiança pela raiz. Não permite que você confie em si próprio. Ensina-lhe todo o tipo de confiança – confiança nos pais, confiança na Igreja, confiança no Estado, confiança em Deus, ad infinitum. Mas a confiança básica é completamente destruída. E depois qualquer outra confiança será uma impostura, estará destinada a ser uma impostura. E então qualquer outra confiança não passará de meras flores de plástico. Não há em si raízes verdadeiras que lhe permitam fazer nascer flores verdadeiras.

A sociedade faz isso deliberadamente, de propósito, porque um homem que confie em si próprio é perigoso para a sociedade – uma sociedade que depende da escravidão, uma sociedade que investiu demasiadamente na escravidão. Um homem que confie em si próprio é um homem independente. É impossível fazer previsões a seu respeito, ele movimentar-se-á conforme quiser.

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Posse Cega

Afligir-se com o que se perdeu e não se rejubilar com o que foi salvo é necedade; só uma criança faria berreiro e atiraria fora o restante dos seus brinquedos se um lhe fosse tomado. Assim procedemos nós, quando a Fortuna nos é adversa num particular: tomamos o resto improfícuo com chorar e lamentarmo-nos.
– Que é que possuímos? – pode-se perguntar.
Que é que não possuímos? Este homem uma reputação, esse uma família, aquele uma esposa, aquele outro um amigo. No seu leito de morte, Antipater de Tarso fez um inventário das boas coisas que lhe haviam sucedido na vida e nele incluiu, mesmo, uma viagem feliz, que fizera de Cilícia a Atenas. As coisas simples não devem ser negligenciadas, mas levadas em conta. Devemo-nos sentir gratos por estarmos vivos, bem, e por nos ser dado ver o sol; por não haver guerra nem revolução; por a terra e o mar estarem ao dispor de quem deseje plantar ou velejar; por nos ser consentido escolher entre falar e agir ou ficar quietos, em paz, gozando do nosso repouso.
A presença destas bençãos aumentará ainda mais o nosso contentamento se imaginarmos como seria se não estivessem presentes;

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A Nossa Religiosidade

Existe sempre, em cada um de nós, uma religiosidade, mesmo em quem se considera ateu. É uma questão civilizacional, que se desvenda em aspectos tão prosaicos como acordarmos todos os dias com a certeza de que vamos encontrar o mundo igual ao que deixámos no dia anterior. Apesar de nada nos garantir que assim seja, senão a crença, uma palavra em tudo semelhante à palavra fé.

O Sentido da Vida Está em Cada um de Nós

‘Vejamos, que vem a ser isto que me perturba?’, perguntou Levine a si próprio, sentindo, no fundo da sua alma, a solução para as suas dúvidas, embora ainda não soubesse qual fosse. ‘Sim, a única manifestação evidente e indiscutível da divindade está nas leis do bem, expostas ao mundo pela revelação que sinto dentro de mim e me identifica, quer queira quer não, com todos aqueles que como eu as reconhecem. É esta congregação de criaturas humanas comungando na mesma crença que se chama Igreja. Mas o judeus, os muçulmanos, os budistas, os confuccionistas?’, disse para si mesmo, repisando o ponto delicado. ‘Estarão eles entre milhões de homens privados do maior de todos os benefícios, do único que dá sentido à vida?… Ora vejamos’, continuou, após alguns instantes de reflexão, ‘qual é o problema que eu a mim mesmo estou a pôr? O das relações das diversas crenças da humanidade com a Divindade? É a revelação de Deus no Universo, com os seus astros e as suas nebulosas, que eu pretendo sondar. E é no momento em que me é revelado um saber certo inacessível à razão que eu me obstino em recorrer à lógica!

‘Eu bem sei que as estrelas não caminham’,

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A Influência das Ilusões nas Nossas Vidas

Traçar o papel das ilusões na génese das opiniões e das crenças seria refazer a história da humanidade. Da infância à morte, a ilusão envolve-nos. Só vivemos por ela e só ela desejamos. Ilusões do amor, do ódio, da ambição, da glória, todas essas várias formas de uma felicidade incessantemente esperada, mantêm a nossa actividade. Elas iludem-nos sobre os nossos sentimentos e sobre os sentimentos alheios, velando-nos a dureza do destino.
As ilusões intelectuais são relativamente raras; as ilusões afectivas são quotidianas. Crescem sempre porque persistimos em querer interpretar racionalmente sentimentos muitas vezes ainda envoltos nas trevas do inconsciente. A ilusão afectiva persuade, por vezes, que entes e coisas nos aprazem, quando, na realidade, nos são indiferentes. Faz também acreditar na perpetuidade de sentimentos que a evolução da nossa personalidade condena a desaparecer com a maior brevidade.
Todas essas ilusões fazem viver e aformoseiam a estrada que conduz ao eterno abismo. Não lamentemos que tão raramente sejam submetidas à análise. A razão só consegue dissolvê-las paralisando, ao mesmo tempo, importantes móbeis de acção. Para agir, cumpre não saber demasiado. A vida é repleta de ilusões necessárias.
Os motivos para não querer multiplicam-se com as discussões das coisas do querer.

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A Essência de Nós não Está na Razão

“Que teria sido de mim, que teria sido da minha vida se não fossem essas crenças, se não soubesse que é preciso viver para Deus e não para as minhas necessidades? Teria roubado, teria matado, teria mentido. Nenhuma das principais alegrias da minha vida teria podido existir para mim”. E por mais esforços mentais que fizesse, não conseguia ver-se a si próprio como o ser bestial que teria sido, caso não soubesse para que vivia. “Buscava resposta à minha pergunta. Mas o pensamento não me podia responder, pois o pensamento não pode medir-se com a pergunta. A própria vida se encarregou de me responder graças ao conhecimento do bem e do mal”.

“E esse conhecimento não o adquiri através de coisa alguma, foi-me outorgado, como a todos os demais, visto que o não pude encontrar em parte alguma. De onde o soube? Porventura foi através do raciocínio que eu cheguei à conclusão de que é preciso amar o próximo e não lhe fazer mal? Disseram-me na infância e acreditei-o com alegria, pois trazia-o na alma. E quem o descobriu? A razão, não. A razão descobriu a luta pela existência e a lei, que exige que se eliminem todos quantos nos impedem de satisfazer os nossos desejos.

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Crenças e Opiniões Vencem o Conhecimento

A idade moderna contém tanta fé quanto tiveram os séculos precedentes. Nos novos templos pregam-se dogmas, tão despóticos quanto os do passado, e estes contam fiéis igualmente numerosos. Os velhos credos religiosos que outrora escravizavam a multidão, são substituídos por credos socialistas ou anarquistas, tão imperiosos e tão pouco racionais como aqueles, mas não dominam menos as almas. A igreja é substituída muitas vezes pela taberna, mas aos sermões dos agitadores místicos que aí são ouvidos, atribui-se a mesma fé.
Se a mentalidade dos fieis não tem evoluído muito desde a época remota em que, às margens do Nilo, Isis e Hathor atraíam aos seus templos milhares de fervorosos peregrinos, é porque, no decurso das idades, os sentimentos, verdadeiros alicerces da alma, mantêm a sua fixidez. A inteligência progride, mas os sentimentos não mudam.
A fé num dogma qualquer é, sem dúvida, de um modo geral, apenas uma ilusão. Cumpre, contudo, não a desdenhar. Graças à sua mágica pujança, o irreal torna-se mais forte do que o real. Uma crença aceite dá a um povo uma comunhão de pensamentos que originam a sua unidade e a sua força.
Sendo o domínio do conhecimento muito diverso do terreno da crença,

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Lucidez sem Ignorância nem Sobranceria

Possivelmente não é sem razão que atribuímos à ingenuidade e ignorância a facilidade de crer e de se deixar persuadir: pois parece-me haver aprendido outrora que a crença era como uma impressão que se fazia na nossa alma; e, na medida em que esta se encontrava mais mole e com menor resistência, era mais fácil imprimir-lhe algo. Assim como, necessariamente, os pesos que nele colocamos fazem pender o prato da balança, assim a evidência arrasta a mente (Cícero). Quanto mais vazia e sem contrapeso está a alma, mais facilmente ela cede sob a carga da primeira persuasão. Eis porque as crianças, o vulgo, (…) e os doentes estão mais sujeitos a ser conduzidos pelas orelhas (ou seja, pelo que ouvem). Mas também, por outro lado, é uma tola presunção ir desdenhando e condenando como falso o que não nos parece verossímil; esse é um vício habitual nos que pensam ter algum discernimento além do comum. Outrora eu agia assim, e, se ouvia falar de espíritos que retornam, ou do prognóstico das coisas futuras, de encantamentos, de feitiçarias, ou contarem alguma outra história que eu não conseguisse compreender, vinha-me compaixão pelo pobre povo logrado por essas loucuras. Mas actualmente acho que eu próprio era no mínimo igualmente digno de pena;

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Somos Vítimas de uma Prolongada Servidão Colectiva

Produto de dois séculos de falsa educação fradesca e jesuítica, seguidos de um século de pseudo-educação confusa, somos as vítimas individuais de uma prolongada servidão colectiva. Fomos esmagados (…) por liberais para quem a liberdade era a simples palavra de passe de uma seita reaccionária, por livres-pensadores para quem o cúmulo do livre-pensamento era impedir uma procissão de sair, de maçãos para quem a Maçonaria (longe de a considerarem a depositária da herança sagrada da Gnose) nunca foi mais do que uma Carbonária ritual. Produto assim de educações dadas por criaturas cuja vida era uma perpétua traição àquilo que diziam que eram, e às crenças ou ideias que diziam servir, tínhamos que ser sempre dos arredores…

A Moda

As variações da sensibilidade sob a influência das modificações do meio, das necessidades, das preocupações, etc., criam um espírito público que varia de uma geração para outra e mesmo muitas vezes no espaço de uma geração. Esse espírito publico, rapidamente dilatado por contacto mental, determina o que se chama a moda. Ela é um possante factor de propagação da maior parte dos elementos da vida social, das nossas opiniões e das nossas crenças.
Não é só o vestuário que se submete às suas vontades. O teatro, a literatura, a política, a arte, as próprias idéias científicas lhe obedecem, e é por isso que certas obras apresentam um fundo de semelhança que permite falar do estilo de uma época.
Em virtude da sua acção inconsciente, submetemo-nos à moda sem que o percebamos. Os espíritos mais independentes a ela não se podem subtrair. São muito raros os artistas, os escritores que ousam produzir uma obra muito diferente das ideias do dia.
A influência da moda é tão pujante que ela obriga-nos, por vezes, a admirar coisas sem interesse e que parecerão mesmo de uma fealdade extrema, alguns anos mais tarde. O que nos impressiona numa obra de arte é muito raramente a obra em si mesma,

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A Religião como Ficção

– A fé é uma resposta instintiva a aspectos da existência que não podemos explicar de outro modo, seja o vazio moral que percebemos no universo, a certeza da morte, a própria origem das coisas, o sentido da nossa vida ou a ausência dele. São aspectos elementares e de extrema simplicidade, mas as nossas limitações impedem-nos de responder de modo inequívoco a essas perguntas e por isso geramos, como defesa, uma resposta emocional. É simples e pura biologia.
– Então, a seu ver, todas as crenças ou ideais não passariam de uma ficção.
– Toda a interpretação ou observação da realidade o é necessariamente. Neste caso, o problema reside no facto de o homem ser um animal moral abandonado num universo amoral e condenado a uma existência finita e sem outro significado que não seja perpetuar o ciclo natural da espécie. É impossível sobreviver num estado prolongado de realidade, pelo menos para o ser humano. Passamos uma boa parte das nossas vidas a sonhar, sobretudo quando estamos acordados. Como digo, pura biologia.

O Sensacionismo

Sentir é criar.
Sentir é pensar sem ideias, e por isso sentir é compreender, visto que o Universo não tem ideias.
– Mas o que é sentir?
Ter opiniões é não sentir.
Todas as nossas opiniões são dos outros.
Pensar é querer transmitir aos outros aquilo que se julga que se sente.
Só o que se pensa é que se pode comunicar aos outros. O que se sente não se pode comunicar. Só se pode comunicar o valor do que se sente. Só se pode fazer sentir o que se sente. Não que o leitor sinta a pena comum [?].
Basta que sinta da mesma maneira.
O sentimento abre as portas da prisão com que o pensamento fecha a alma.
A lucidez só deve chegar ao limiar da alma. Nas próprias antecâmaras é proibido ser explícito.
Sentir é compreender. Pensar é errar. Compreender o que outra pessoa pensa é discordar dela. Compreender o que outra pessoa sente é ser ela. Ser outra pessoa é de uma grande utilidade metafísica. Deus é toda a gente.
Ver, ouvir, cheirar, gostar, palpar – são os únicos mandamentos da lei de Deus. Os sentidos são divinos porque são a nossa relação com o Universo,

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A Irrelevância da Escrita Controversa

Suponhamos que amanhã, como consequência de terem lido Henri Miller, todas as pessoas começavam a usar uma linguagem livre, uma linguagem de sarjeta, se quiserem, e a agir de acordo com as suas crenças e convicções. E então ? A minha resposta é que, acontecesse o que acontecesse, seria como nada tivesse ocorrido, nada, insisto, se o compararmos com os efeitos da explosão de uma única bomba atómica. E isto é, confesso, a coisa mais triste que um indivíduo criador como eu pode admitir. É minha convicção que estamos hoje a atravessar um período a que se poderia chamar de «insensibilidade cósmica», um período em que Deus parece, mais do que nunca, ausente do mundo, e o homem se vê condenado a enfrentar o destino que para si próprio criou. Num momento como este, a questão de saber se um homem é ou não culpado de usar de uma linguagem obscena em livros impressos parece-me perfeitamente inconsequente. É quase como se eu, ao atravessar um prado, descobrisse uma erva coberta de esterco e, curvando-me para a ervilha obscura, lhe dissesse em tom de admoestação: «

Absurdo, Liberdade e Projecto

Uma vez admitidos dois factos: que o devir não tem fim e que não é dirigido por qualquer grande unidade na qual o indivíduo possa mergulhar totalmente como num elemento de valor supremo, resta só uma escapatória possível: condenar todo esse mundo do devir como ilusório e inventar um mundo situado no além, que seria o mundo verdadeiro. Mas, logo que o homem descobre que este mundo não é senão construído sobre as suas próprias necessidades psicológicas e que ele não é de nenhum modo obrigado a acreditar nele, vemos aparecer a última forma do niilismo, que implica a negação do mundo metafísico e que a si mesma se proíbe de crer num mundo verdadeiro. Alcançado este estado, reconhecemos que a realidade do devir é a única realidade e abstemo-nos de todos os caminhos afastados que conduziriam à crença em outros mundos e em falsos deuses – mas não suportamos este mundo que não temos já a vontade de negar.
(…) Que se passou portanto? Chegámos ao sentimento do não valor da existência quando compreendemos que ela não pode interpretar-se, no seu conjunto, nem com a ajuda do conceito de fim, nem com a do conceito de unidade, nem com a do conceito de verdade.

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O Nosso Infinito

Há ou não um infinito fora de nós? É ou não único, imanente, permanente, esse infinito; necessariamente substancial pois que é infinito, e que, se lhe faltasse a matéria, limitar-se-ia àquilo; necessáriamente inteligente, pois que é infinito, e que, se lhe faltasse a inteligência, acabaria ali? Desperta ou não em nós esse infinito a ideia de essência, ao passo que nós não podemos atribuir a nós mesmos senão a ideia de existência? Por outras palavras, não é ele o Absoluto, cujo relativo somos nós?
Ao mesmo tempo que fora de nós há um infinito não há outro dentro de nós? Esses dois infinitos (que horroroso plural!) não se sobrepõem um ao outro? Não é o segundo, por assim dizer, subjacente ao primeiro? Não é o seu espelho, o seu reflexo, o seu eco, um abismo concêntrico a outro abismo? Este segundo infinito não é também inteligente? Não pensa? Não ama? Não tem vontade? Se os dois infinitos são inteligentes, cada um deles tem um princípio volante, há um eu no infinito de cima, do mesmo modo que o há no infinito de baixo. O eu de baixo é a alma; o eu de cima é Deus.
Pôr o infinito de baixo em contacto com o infinito de cima,

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Nada nos Faz Acreditar Mais do que o Medo

Nada nos faz acreditar mais do que o medo, a certeza de estarmos ameaçados. Quando nos sentimos vítimas, todas as nossas acções e crenças são legitimadas, por mais questionáveis que sejam. Os nossos opositores, ou simplesmente os nossos vizinhos, deixam de estar ao nosso nível e transformam-se em inimigos. Deixamos de ser agressores para nos convertermos em defensores. A inveja, a cobiça ou o ressentimento que nos movem ficam santificados, porque pensamos que agimos em defesa própria. O mal, a ameaça, está sempre no outro. O primeiro passo para acreditar apaixonadamente é o medo. O medo de perdermos a nossa identidade, a nossa vida, a nossa condição ou as nossas crenças. O medo é a pólvora e o ódio o rastilho. O dogma, em última instância, é apenas um fósforo aceso.

O Bom Senso como Suporte da Humanidade

Se não tivesse havido em todos os tempos uma maioria de homens para fazer depender o seu orgulho, o seu dever, a sua virtude da disciplina do seu espírito, da sua «razão», dos amigos do «bom senso», para se sentirem feridos e humilhados pela menor fantasia, o menor excesso da imaginação, a humanidade já teria naufragado há muito tempo.
A loucura, o seu pior perigo, não deixou nunca, com efeito, de planar por cima dela, a loucura prestes a estalar… quer dizer a irrupção da lei do bom prazer em matéria de sentimento de sensações visuais ou auditivas, o direito de gozar com o jorro do espírito e de considerar como um prazer a irrisão humana. Não são a verdade, a certeza que estão nos antípodas do mundo dos insensatos; é a crença obrigatória e geral, é a exclusão do bom prazer no ajuizar. O maior trabalho dos homens foi até agora concordar sobre uma quantidade de coisas, e fazer uma lei desse acordo,… quer essas coisas fossem verdadeiras ou falsas. Foi a disciplina do espírito que preservou a humanidade,… mas os instintos que a combatem são ainda tão poderosos que em suma só se pode falar com pouca confiança no futuro da humanidade.

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Estamos Nós Realmente Salvando o Mundo?

Hoje a pergunta com que nos confrontamos é simples: estamos nós realmente salvando o mundo? Não me parece que a resposta possa ser aquela que gostaríamos. O mundo só pode ser salvo se for outro, se esse outro mundo nascer em nós e nos fizer nascer nele.
Mas nem o mundo está sendo salvo nem ele nos salva enquanto seres de existência única e irrepetível. Alguns de nós estarão fazendo coisas que acreditam ser importantíssimas. Mas poucos terão a crença que estão mudando o nosso futuro. A maior parte de nós está apenas gerindo uma condição que sabemos torta, geneticamente modificada ao sabor de um enorme laboratório para o qual todos trabalhamos mesmo sem vencimento.

Se alguma coisa queremos mudar e parece que mudar é preciso, temos que enfrentar algumas perguntas. A primeira das quais é como estamos nós, biólogos, pensando a ciência biológica? Antes de sermos cientistas somos cidadãos críticos, capazes de questionar os pressupostos que nos são entregues como sendo «naturais». A verdade, colegas, é que estamos hoje perante uma natureza muito pouco natural.

E é aqui que o pecado da preguiça pode estar ganhando corpo. Uma subtil e silenciosa preguiça pode levar a abandonar a reflexão sobre o nosso próprio objecto de trabalho.

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