O Desejo é Fruto de um Conhecimento Insuficiente
Não existe nada mais estranho e espinhoso do que a relação entre pessoas que só se conhecem de vista – que diariamente, mesmo hora a hora, se encontram, se observam e que têm assim de manter, sem cumprimenros e sem palavras, a aparência de desconhecimento indiferente, devido ao rigor dos costumes ou a caprichos pessoais. Entre elas existe inquietação e curiosidade exacerbada, a histeria da necessidade insatisfeita, anormalmente recalcada, de conhecimento e comunicação e sobretudo também uma forma de consideração tensa. Pois o ser humano ama e respeita o outro ser humano enquanto não está em posição de o julgar e o desejo é produto de um conhecimento insuficiente.
Textos sobre Forma
514 resultadosPolidez é Inteligência
A polidez é uma convenção tácita para ignorarmos a mísera condição moral e intelectual do ser humano e assim evitarmos acusá-la mutuamente; desse modo, ela vem menos a lume, para proveito de todos. Polidez é inteligência; consequentemente, impolidez é parvoíce. Criar inimigos por impolidez, de maneira desnecessária e caprichosa, é tão demente quanto pegar fogo à própria casa. Pois a polidez, como as fichas de jogo, é notoriamente uma moeda falsa: economizá-la é prova de insensatez. Pelo contrário, gastá-la em profusão é prova de sensatez. Todas as nações concluem as suas cartas com «seu mui obediente servidor». Só os alemães suprimem o «servidor» porque, segundo dizem, não é verdadeiro! Quem, pelo contrário, leva a polidez até ao sacrifício dos interesses reais, assemelha-se àquele que, em lugar das fichas de jogo, desse autênticas moedas de ouro. Do mesmo modo que a cera, dura e quebradiça, torna-se maleável com um pouco de calor, assumindo qualquer forma desejada, também se pode, com alguma polidez e amabilidade, tornar flexíveis e dóceis os homens recalcitrantes e hostis. A polidez, portanto, é para o homem o que o calor é para a cera.
As Ideias dependem das Sensações
À primeira vista, nada pode parecer mais ilimitado do que o pensamento humano, que não apenas escapa a toda autoridade e a todo poder do homem, mas também nem sempre é reprimido dentro dos limites da natureza e da realidade. Formar monstros e juntar formas e aparências incongruentes não causam à imaginação mais embaraço do que conceber os objectos mais naturais e mais familiares. Apesar de o corpo confinar-se num só planeta, sobre o qual se arrasta com sofrimento e dificuldade, o pensamento pode transportar-nos num instante às regiões mais distantes do Universo, ou mesmo, além do Universo, para o caos indeterminado, onde se supõe que a Natureza se encontra em total confusão. Pode-se conceber o que ainda não foi visto ou ouvido, porque não há nada que esteja fora do poder do pensamento, excepto o que implica absoluta contradição.
Entretanto, embora o nosso pensamento pareça possuir esta liberdade ilimitada (…) ele está realmente confinado dentro de limites muito reduzidos e todo o poder criador do espírito não ultrapassa a faculdade de combinar, de transpor, aumentar ou de diminuir os materiais que nos foram fornecidos pelos sentidos e pela experiência. Quando pensamos numa montanha de ouro, apenas unimos duas idéias compatíveis,
A Qualidade do Motivo da Acção
A aventura foi sempre a vocação do homem, porque é próprio do homem recusar os seus limites, saber a sua verdade para além daquilo que é, ou seja no impossível. Mas a aventura, como tudo o que é do homem, tem o seu estilo de ser, de acordo com as vísceras que lhe couberam, o ar que respirou, a hora da sua vinda. Do carteirista ao revolucionário, toda uma escala de motivos se estabelece para se transporem os limites da aceitação. Mas num confronto pelo mais alto, a aventura daqueles que se assumiram plenamente como homens do seu tempo e sentiram o apelo do negar e do transpor, e sentiram a vertigem do além do limite, a sua aventura toma a forma paralela da consciência que os separa de tudo aquilo que negam.
Assim não é precisamente a própria vida que se jogue que dá a medida da grandeza de uma acção, mas a qualidade do motivo por que a jogamos, a extensão e profundidade de consciência que esse gesto preenche – porque se pode jogar a vida pelo motivo mais fútil.O acto de jogar e o seu risco, ainda quando se decidem por eles próprios,
A Boa Companhia
Normalmente é um mau hábito, que provoca frequentes enganos, estarmos tão prontamente dispostos a julgar, e principalmente a desaprovar. Assim como não se condena nem o mais culpado sem acolher a sua defesa, não se deve rejeitar estouvadamente certas coisas que seriam bem acolhidas, se se pudessem expor em toda a plenitude do seu direito. Conheço pessoas que não olham o que quer que seja senão com a intenção de notar-lhe os defeitos, e este é o meio mais apropriado para atrair o ódio e a inveja. Mas vejo também os que examinam aquilo que se apresenta para descobrir ali algo de agradável; e não é que não tenham o gosto melhor e mais delicado que os outros: mas eles desculpam tudo, e cuido que são facilmente amados, e que a sua amizade é bem vista.
Aquele que quer ser boa companhia deve fazer de modo que, quanto mais conhecidos sejam o seu coração e a sua forma de proceder, mais seja desejado; e como é belo ser humano, e não ter nada de injusto! Como a sinceridade confere distinção, e a falsidade me parece desagradável! Deve-se seguir este sentimento, em qualquer caso; pois jamais fica bem afastar-se dele.
Hoje Toda a Gente se Trata por Tu
Hoje toda a gente se trata por tu, já deves ter reparado, é uma forma despachada e falsamente confidencial. Eu não gosto, porque é inconveniente… Acho que quando duas pessoas se estimam devem tratar-se por você, é uma forma que revela civilidade e respeito pelo outro. E além disso marca aquela distância necessária para exprimirmos mutuamente que apesar de nos conhecermos bem, intimamente, até, e de sabermos os nossos respectivos segredos, continuamos a fazer de conta que não, que não sabemos certas coisas, e fazemo-lo para que o outro se sinta mais à-vontade, como quando alguém te confessou uma coisa importante que não diria a ninguém, mas era como se estivesses distraído, claro que não é bem assim, ouviste-o com muita atenção, mas… lá está, é como se já não estivesses a pensar nisso, guardaste aquilo num compartimento secreto do teu coração e fechaste-o à chave…
A Falsa Emancipação da Mulher
Actualmente, tem-se a pretensão de que a mulher é respeitada. Uns cedem-lhe o lugar, apanham-lhe o lenço: outros reconhecem-lhe o direito de exercer todas as funções, de tomar parte na administração, etc.; mas a opinião que têm dela é sempre a mesma – um instrumento de prazer. E ela sabe-o. Isso em nada difere da escravatura. A escravatura mais não é do que a exploração por uns do trabalho forçado da maioria. Assim, para que deixe de haver escravatura é necessário que os homens cessem de desejar usufruir o trabalho forçado de outrem e considerem semelhante coisa como um pecado ou vergonha. Entretanto, eles suprimem a forma exterior da escravatura, depois imaginam, persuadem-se de que a escravatura está abolida mas não vêem, não querem ver que ela continua a existir porque as pessoas procedem sempre de maneira idêntica e consideram bom e equitativo aproveitar o trabalho alheio. E desde que isso é julgado bom, torna-se inveitável que apareçam homens mais fortes ou mais astutos dispostos a passar à acção. A escravatura da mulher reside unicamente no facto de os homens desejarem e julgarem bom utilizá-la como instrumento de prazer. Hoje em dia, emancipam-na ou concedem-lhe todos os direitos iguais aos do homem,
Use o Seu Cérebro
Não existe manual de instruções para o cérebro, mas ele precisa de alimento, reparação e da devida manutenção ainda assim. Certos nutrientes são físicos; a atual mania dos alimentos para o cérebro faz as pessoas correrem para vitaminas e enzimas. Mas o devido alimento para o cérebro é tanto mental como físico. O álcool e o tabaco são tóxicos, e sujeitar o cérebro à sua exposição é fazer mau uso dele. A raiva e o medo, o stress e a depressão são igualmente uma forma de má utilização. No momento em que escrevemos este livro, um novo estudo revela que uma rotina de stress diário fecha o córtex pré-frontal, a parte do cérebro responsável pela tomada de decisões, correção de erros e avaliação de situações. É por isso que as pessoas dão em doidas em engarrafamentos. É um stress rotineiro, e contudo a fúria, frustração e impotência que alguns condutores sentem indicam que o córtex pré-frontal deixou de dominar os impulsos primários por cujo controlo é responsável.
Damos constantemente connosco a voltar à mesma questão: use o seu cérebro, não deixe que o seu cérebro o use a si. As fúrias com o trânsito são um exemplo do seu cérebro a usá-lo,
O Milagre da Vida
Pode ser que um dia deixemos de nos falar…
Mas, enquanto houver amizade,
Faremos as pazes de novo.Pode ser que um dia o tempo passe…
Mas, se a amizade permanecer,
Um de outro se há-de lembrar.Pode ser que um dia nos afastemos…
Mas, se formos amigos de verdade,
A amizade nos reaproximará.Pode ser que um dia não mais existamos…
Mas, se ainda sobrar amizade,
Nasceremos de novo, um para o outro.Pode ser que um dia tudo acabe…
Mas, com a amizade construiremos tudo novamente,
Cada vez de forma diferente.
Sendo único e inesquecível cada momento
Que juntos viveremos e nos lembraremos para sempre.Há duas formas para viver a sua vida:
Uma é acreditar que não existe milagre.
A outra é acreditar que todas as coisas são um milagre.
Prazer e Dor São as Únicas Certezas da Vida
Os filósofos têm tentado abalar todas as nossas certezas e mostrar que do mundo conhecemos apenas aparências. Possuiremos sempre, porém, duas grandes certezas, que nada poderia destruir: o prazer e a dor. Toda a nossa actividade deriva delas. As recompensas sociais, os paraísos e os infernos criados pelos códigos religiosos ou civis baseiam-se na acção dessas certezas, cuja evidente realidade não pode ser contestada.
Desde que a vida se manifesta, surgem o prazer e a dor. Não é o pensamento, mas a sensibilidade, que nos revela o nosso “eu”. Se dissesse: “Sinto, logo existo” ao invés de: “Penso, logo existo”, Descartes estaria muito perto da verdade. Assim modificada, a sua fórmula aplica-se a todos os seres e não a uma fração apenas da humanidade. Dessas duas certezas poder-se-ia deduzir a completa filosofia prática da vida. Fornecem uma resposta segura à eterna pergunta tão repetida desde o Eclesiastes: por que tanto trabalho e tantos esforços, já que a morte nos espera e o nosso planeta se extingará um dia?
Porquê? Porque o presente ignora o futuro e no presente a Natureza condena-nos a procurar o prazer e a evitar a dor.
O operário, curvado sob o peso do trabalho,
Encontro-me em Plena Posse das Leis Fundamentais da Arte Literária
Deixei para trás o hábito de ler. Já nada leio a não ser um ou outro jornal, literatura ligeira e ocasionalmente livros técnicos relacionados com o que porventura estudo e em que o simples raciocínio possa ser insuficiente.
O género definido de literatura quase o abandonei. Poderia lê-lo para aprender ou por gosto. Mas nada tenho a aprender, e o prazer que se obtém dos livros é do género que pode ser substituído com proveito pelo que me pode proporcionar directamente o contacto com a natureza e a observação da vida.
Encontro-me agora em plena posse das leis fundamentais da arte literária. Shakespeare já não me pode ensinar a ser subtil, nem Milton a ser completo. O meu intelecto atingiu uma flexibilidade e um alcance tais que me permitem assumir qualquer emoção que deseje e penetrar à vontade em qualquer estado de espírito. Quanto àquilo por que sempre se luta com esforço e angústia, ser-se completo, não há livro que valha.
Isto não significa que eu tenha sacudido a tirania da arte literária. Aceito-a apenas sujeita a mim próprio.
Há um livro de que ando sempre acompanhado – «As Aventuras de Pickwick». Li várias vezes os livros de Mr.
As Leis da Consciência Nascem do Hábito
As leis da consciência, que dizemos nascerem naturalmente, nascem do hábito; toda a pessoa, venerando intimamente as ideias e costumes aprovados e aceites ao seu redor, não pode desligar-se deles sem remorso nem se aplicar neles sem aplauso.
(…) Mas o principal efeito do seu poder é apoderar-se de nós e prender-nos nas suas garras de tal forma que mal nos conseguimos libertar do seu jugo e voltar a nós para reflectirmos e raciocinarmos sobre as suas ordens. Na verdade, porque o ingerimos com o leite do nosso nascimento, e porque a face do mundo se apresenta nesse estado ao nosso primeiro olhar, parece que nascemos para seguir esse procedimento. E as ideias comuns que vemos ser respeitadas ao nosso redor e infundidas na nossa alma pela semente dos nossos pais parecem ser as gerais e naturais.
Disso advém que o que está fora dos gonzos do costume, julgamo-lo fora dos gonzos da razão – Deus sabe quão desarrazoadamente, quase sempre.
A Mancha Humana
– É o resultado de ter sido criado entre nós – disse Faunia. – É o resultado de passar toda a vida com pessoas como nós. A mancha humana – acrescentou, mas sem repulsa, desprezo ou condenação. Nem sequer com tristeza. As coisas são como são – à sua maneira seca e concisa, era só isso que ela estava a dizer à rapariga que dava de comer à serpente: nós deixamos uma mancha, deixamos um rasto, deixamos a nossa marca. Impureza, crueldade, mau trato, erro, excremento, sémen. Não há outra maneira de estar aqui. Não tem nada a ver com desobediência. Nem com graça, ou salvação, ou redenção. Está em todos. Sopro interior. Inerente. Determinante. A mancha que existe antes da sua marca. Sem o sinal de que está lá. A mancha que é tão intrínseca que não precisa de uma marca. A mancha que precede a desobediência, que engloba a desobediência e confunde toda e qualquer explicação e compreensão. É por isso que toda a purificação é uma anedota. É uma anedota básica, ainda por cima. A fantasia da pureza é aterradora. É demencial. O que á ânsia de purificar senão impureza?
Tudo quanto estava a dizer acerca da mancha era que ela é inelutável.
Da Desigualdade que Existe Entre os Homens
Plutarco diz nalgum lugar que não observa entre um animal e outro distância tão grande como encontra entre um homem e outro. Está a falar do valor da alma e das faculdades interiores. Na verdade, observo tanta distância de Epaminondas, como o imagino, até alguém que conheço, quero dizer capaz de senso comum, que de bom grado eu iria além de Plutarco e diria que há mais distância entre tal e tal homem do que há entre tal homem e tal animal: Ah! Entre um homem e outro homem, quanta distância! (Terêncio), e que há tantos graus de espíritos quantas braças há daqui ao céu, e igualmente inumeráveis.
Mas, a propósito da avaliação dos homens, é espantoso que, excepto nós, todas as coisas sejam avaliadas tão-somente pelas suas próprias qualidades. Elogiamos um cavalo porque é vigoroso e ágil, e não pelos arreios; um galgo pela sua velocidade, não pela coleira; um pássaro pela envergadura e não pelas suas correias e sinetas. Por que da mesma forma não avaliamos um homem pelo que é propriamente seu? Ele tem um alto nível de vida, um belo palácio, tanto de crédito, tanto de renda: tudo isto está ao redor dele e não nele.