Citação de

A Qualidade do Motivo da Acção

A aventura foi sempre a vocação do homem, porque é próprio do homem recusar os seus limites, saber a sua verdade para além daquilo que é, ou seja no impossível. Mas a aventura, como tudo o que é do homem, tem o seu estilo de ser, de acordo com as vísceras que lhe couberam, o ar que respirou, a hora da sua vinda. Do carteirista ao revolucionário, toda uma escala de motivos se estabelece para se transporem os limites da aceitação. Mas num confronto pelo mais alto, a aventura daqueles que se assumiram plenamente como homens do seu tempo e sentiram o apelo do negar e do transpor, e sentiram a vertigem do além do limite, a sua aventura toma a forma paralela da consciência que os separa de tudo aquilo que negam.
Assim não é precisamente a própria vida que se jogue que dá a medida da grandeza de uma acção, mas a qualidade do motivo por que a jogamos, a extensão e profundidade de consciência que esse gesto preenche – porque se pode jogar a vida pelo motivo mais fútil.

O acto de jogar e o seu risco, ainda quando se decidem por eles próprios, ainda quando não tenham um motivo exterior a orientá-los, graduam-se em importãncia pela qualidade do que levou a jogar pelo jogar. Toda a grandeza do homem, dos seus actos, demarca-se pela grandeza do que neles se consciencializa. A morte de um animal e a morte de um homem são iguais e diferentes, de uma diferença alucinante. Mas quanto mais medíocre for ese homem, tanto mais a sua morte se aproxima da do animal. Assim o jogo da vida no medícore e no consciente é de si mesmo diferente pela qualidade desse jogar. Dar a vida pelo que for é pagar o preço máximo que se nos exige. Mas esse preço só é máximo se soubermos bem o que é. Porque esse preço, sendo sempre o mesmo, como vida que é, pode ser profundamente diferente. Assim pois a aventura reveste as formas mais diversas consoante a qualidade do que a determina, ainda quando essas formas se unificam na morte. Assim o problema da própria morte se pode desvalorizar como problema, exactamente por se ignorar o que faz dele um problema. Ninguém confere talvez coragem ao temerário, porque a temeridade mal é consciente. Mas qualquer acto ou sentimento, para aquele de que procedeu, mede-se em qualidade pela consciência que os autentifica. A fundura das raízes é que justifica o porte de uma árvore. A morte é um problema para quem sabe em que é um problema.