Passagens sobre Canto

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Frases sobre canto, poemas sobre canto e outras passagens sobre canto para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Soneto De Vinicius Dedicado A Neruda

Quantos caminhos não fizemos juntos
Neruda, meu irmão, meu companheiro…
Mas este encontro súbito, entre muitos
Não foi ele o mais belo e verdadeiro?

Canto maior, canto menor – dois cantos
Fazem-se agora ouvir sob o cruzeiro
E em seu recesso as cóleras e os prantos
Do homem chileno e do homem brasileiro

E o seu amor – o amor que hoje encontramos…
Por isso, ao se tocarem nossos ramos
Celebro-te ainda além, cantor geral

Porque como eu, bicho pesado, voas
Mas mais alto e melhor do céu entoas
Teu furioso canto material!

O Saber Oral

O novo saber que o género humano vai adquirindo não compensa o saber que se propaga apenas pela transmissão oral directa, o qual, uma vez perdido, nunca mais se pode readquirir e retransmitir: nenhum livro pode ensinar aquilo que apenas se pode aprender na infância, se se entrega o ouvido e o olho atentos ao canto e ao voo dos pássaros e se se encontra então alguém que pontualmente lhes saiba dar um nome.

Pudesse Eu Contar as Vezes

Pudesse eu contar as vezes que ferrei os cantos da boca imaginando que eram teus os dentes que assim me amavam; que eram os teus lábios aqueles que, nessas ocasiões, eu mordia. Lembras-te de uma frase que costumavas citar, por tê-la escutado em qualquer parte, ou lido, já não sei bem? Aquela que dizia
– A minha anatomia enlouqueceu; sou toda corarão.
Pois é como me tenho sentido, mais ou menos assim, com a anatomia enlouquecida, sem saber já quais são os meus dentes ou qual a minha boca; como se cada pedaço meu não fosse mais do que saudade de ti: o desejo de te voltar a ver, de te cobrir outra vez de beijos – olhos, boca, rosto, o corpo todo de beijos -, de te abraçar e sentir o teu cheiro, de tomar nas mãos o ramo crespo dos teus cabelos e inalar a fragrância do teu pescoço. Possuo agora, em mim apenas, nos limites da minha topografia, toda a exaltação dos nossos corpos e sinto que não chego para tanto porque a soma de nós dois excedeu sempre a existência física dos nossos corpos. É como se rebentasse por dentro e tivesse de esticar a alma –

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Uma Palavra

Meu canto busca sempre uma palavra
que seja companheira na canção
da minha voz que canta e se declara:
viver a vida inteira de emoção.

Uma palavra só não se prepara
puxando outra palavra sem razão
na vida que se encanta e se dispara
no claro tiro cego de paixão.

Viver a arte que procura ver
os lábios desbotados da linguagem
deixando a claridade me envolver

no sopro que me leva na paisagem
amaciando a pena ao escrever
teu nome, meu amor, minha viagem

Quer-te Muito a Tua Mulherzinha

Recebi ontem à noite o telegrama que mandaste da Foz. Desejo que tivesses encontrado tudo bem na nossa casinha. Espero com ansiedade a primeira cartinha tua que já cá devia estar. Estou a escrever-te sentada a uma janela com o papel em cima dum livro e o tinteiro no chão; é 1 hora e meia, a hora de ir até às galinhas a ver se já havia algum ovo.

Há quanto tempo isso foi! Escreve para cá só até ao dia 23 ou 24 porque dia 26 pela manhã partimos para Vila Viçosa. O carnaval é dia 8 e já vejo que para minha desgraça o vou passar no covil enjaulada como as feras perigosas. Pouca sorte a da pobre Bela! Não posso ainda hoje falar com o advogado nem amanhã que é domingo, de forma que só segunda-feira te poderei dizer qualquer coisa a esse respeito. Há só um comboio dia sim dia não para Lisboa de forma que não estranhes nem te inquietes por alguma pequena demora na correspondência.
Aí vai um belo soneto que as saudades tuas me trouxeram ontem; só quando estou triste sei fazer versos com jeito como esses. Provavelmente não gostas…

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O Amor Confina o Amor

Na branda luz do frio, gravo a ternura
De andar sofrendo, pela vez primeira,
O amor que, por engano, a vida inteira
Transforma numa lenta desventura.

Se no ar desta manhã sopra tão pura
A obrigação de respirar-me, à beira
De uma esperança enferma e derradeira,
Vou respirando a flor de uma armadura

Imposta pelo amor. Sobre a incerteza
Do noivo abandonado, abre a firmeza
De prosseguir lutando, e ardentemente

Este poder desperta o ardor de um canto
No cárcere de vidro onde, inclemente,
O amor confina o amor, como num pranto.

Redenção

I

Vozes do mar, das árvores, do vento!
Quando às vezes, n’um sonho doloroso,
Me embala o vosso canto poderoso,
Eu julgo igual ao meu vosso tormento…

Verbo crepuscular e íntimo alento
Das cousas mudas; psalmo misterioso;
Não serás tu, queixume vaporoso,
O suspiro do mundo e o seu lamento?

Um espírito habita a imensidade:
Uma ânsia cruel de liberdade
Agita e abala as formas fugitivas.

E eu compreendo a vossa língua estranha,
Vozes do mar, da selva, da montanha…
Almas irmãs da minha, almas cativas!

II

Não choreis, ventos, árvores e mares,
Coro antigo de vozes rumorosas,
Das vozes primitivas, dolorosas
Como um pranto de larvas tumulares…

Da sombra das visões crepusculares
Rompendo, um dia, surgireis radiosas
D’esse sonho e essas ânsias afrontosas,
Que exprimem vossas queixas singulares…

Almas no limbo ainda da existência,
Acordareis um dia na Consciência,
E pairando, já puro pensamento,

Vereis as Formas, filhas da Ilusão,
Cair desfeitas, como um sonho vão…
E acabará por fim vosso tormento.

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Tenho Saudades do Calor ó Mãe

Tenho saudades do calor ó mãe que me penteias
Ó mãe que me cortas o cabelo — o meu cabelo
Adorna-te muito mais do que os anéis

Dá-me um pouco do teu corpo como herança
Uma porção do teu corpo glorioso — não o que já tenho —
O que em ti já contempla o que os santos vêem nos céus
Dá-me o pão do céu porque morro
Faminto, morro à míngua do alto

Tenho saudades dos caminhos quando me deixas
Em casa. Padeço tanto
Penso tanto
Canto tão alto quando calculo os corpos celestes

Ó infinita ó infinita mãe

Pare de reclamar da vida e faça algo para mudar, mova-se, saia do canto, ficar parado é para os fracos, os fortes vão a luta

Surdina

No ar sossegado um sino canta,
Um sino canta no ar sombrio…
Pálida, Vênus se levanta…
Que frio!

Um sino canta. O campanário
Longe, entre névoas, aparece…
Sino, que cantas solitário,
Que quer dizer a tua prece?

Que frio! embuçam-se as colinas;
Chora, correndo, a água do rio;
E o céu se cobre de neblinas.
Que frio!

Ninguém… A estrada, ampla e silente,
Sem caminhantes, adormece…
Sino, que cantas docemente,
Que quer dizer a tua prece?

Que medo pânico me aperta
O coração triste e vazio!
Que esperas mais, alma deserta?
Que frio!

Já tanto amei! já sofri tanto!
Olhos, por que inda estais molhados?
Por que é que choro, a ouvir-te o canto,
Sino que dobras a finados?

Trevas, caí! que o dia é morto!
Morre também, sonho erradio!
A morte é o último conforto…
Que frio!

Pobres amores, sem destino,
Soltos ao vento, e dizimados!
Inda vos choro… E, como um sino,
Meu coração dobra a finados.

E com que mágoa o sino canta,

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Tudo tomou seu lugar depois que a banda passou. E cada qual no seu canto, em cada canto uma dor, depois da banda passar…

Ode Marcial

Inúmero rio sem água — só gente e coisa,
Pavorosamente sem água!

Soam tambores longínquos no meu ouvido
E eu não sei se vejo o rio se ouço os tambores,
Como se não pudesse ouvir e ver ao mesmo tempo
Helahoho! Helahoho!

A máquina de costura da pobre viúva morta à baioneta…
Ela cosia à tarde indeterminadamente…
A mesa onde jogavam os velhos,

Tudo misturado, tudo misturtado com os corpos, com sangues,
Tudo um só rio, uma só onda, um só arrastado horror

Helahoho! Helahoho!

Desenterrei o comboio de lata da criança calcado no meio da estrada,
E chorei como todas as mães do mundo sobre o horror da vida.
Os meus pés panteístas tropeçaram na máquina de costura da viúva que mataram à baioneta
E esse pobre instrumento de paz meteu uma lança no meu coração

Sim, fui eu o culpado de tudo, fui eu o soldado todos eles
Que matou, violou, queimou e quebrou,
Fui eu e a minha vergonha e o meu remorso com uma sombra disforme
Passeiam por todo o mundo como Ashavero,

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Aqui

Aqui, deposta enfim a minha imagem,
Tudo o que é jogo e tudo o que é passagem,
No interior das coisas canto nua.

Aqui livre sou eu — eco da lua
E dos jardins, os gestos recebidos
E o tumulto dos gestos pressentidos,
Aqui sou eu em tudo quanto amei.

Não por aquilo que só atravessei,
Não pelo meu rumor que só perdi,
Não pelos incertos actos que vivi,

Mas por tudo de quanto ressoei
E em cujo amor de amor me eternizei.

O Coração – II

A solidão é perfeita como um rasgo entre
as nuvens, ao último sonho. A solidão
que se cala em teu fundo e vai envelhecendo
na terra perdida do som descompassado.

Te guardas na intimidade dos armários,
onde a paz é negra e se desagrega a luz.
Nunca foste mais do que uma ficção, matriz
de riso e sombra, um poço verde, teorema

de ilusões, engrenagem de poentes roxos.
E, agora, frouxo, já nada designas ou
desenhas. És, apenas, testemunha efémera

e longínqua, trovão engolido de Deus,
fingidor ferido de doces cantos, mentira
precária nas cordas de uma harpa febril.

O Anjo De Pernas Tortas

A um passe de Didi, Garrincha avança
Colado o couro aos pés, o olhar atento
Dribla um, dribla dois, depois descansa
Como a medir o lance do momento.

Vem-lhe o pressentimento; ele se lança
Mais rápido que o próprio pensamento
Dribla mais um, mais dois; a bola trança
Feliz, entre seus pés – um pé-de-vento!

Num só transporte a multidão contrita
Em ato de morte se levanta e grita
Seu uníssono canto de esperança.

Garrincha, o anjo, escuta e atende: – Goooool!
É pura imagem: um G que chuta um o
Dentro da meta, um 1. É pura dança!

As Lágrimas e o Amor

As lágrimas das raparigas refrescam-me. Levantam-me o moral. Às vezes lambo-as dos cantos dos olhos. São mini-margaridas, sem álcool, inteiramente naturais. Dizer «Não chores» funciona sempre, porque só mencionar o verbo «chorar» emociona-as e liberta-as, dando-lhe a carta branca para chorar ainda mais. Só intervenho com piadas e palavras de esperança e de amor quando elas vão longe demais e começam, por exemplo, a pingar do nariz.

As raparigas, depois de chorar, ficam com vontade de fazer amor. É como se tivessem apanhado uma carga de chuva. Ficam todas molhadas. Nós somos a toalha que está mais à mão. O turco maluco com que se embrulham e enxutam. É horrível, não é? Mas só um santo não se aproveitaria.

E as raparigas que choram depois de se virem? Estarão assim tão arrependidas? Comovidas? Simplesmente agradecidas? Gostaria de pensar que sim. As três coisas, pelo menos. Elas próprias não sabem. Riem-se logo de seguida. As piores são as que se riem logo ao princípio. Mas as piores também são muito queridas.

A Vida

“A Vida”
IV
“…A vida é assim, uma ânsia… feito a vaga
que se ergue e rola a espumejar na areia,
– apor esse bem que a tua mão semeia
espera o mal que ainda terás por paga!

A essa hora boa que te agrada e enleia
sucede uma outra torturante e aziaga,
– a vida é assim… um canto de sereia
que à morte nos convida, e nos afaga…

O teu sonho melhor bem pouco dura,
e há sempre”um amanhã”cheio de dor
para”um hoje”nem sempre de ventura…

Toma entre as mãos o búzio da alegria
e surpreso verás que no interior
canta profunda e imensa nostalgia!…”

Manhã

Alta alvorada. — Os últimos nevoeiros
A luz que nasce levemente espalha;
Move-se o bosque, a selva que farfalha
Cheia da vida dos clarões primeiros.

Da passarada os vôos condoreiros,
Os cantos e o ar que as árvores ramalha
Lembram combate, estrídula batalha
De elementos contrários e altaneiros.

Vozes, trinados, vibrações, rumores
Crescem, vão se fundindo aos esplendores
Da luz que jorra de invisível taça.

E como um rei num galeão do Oriente
O sol põe-se a tocar bizarramente
Fanfarras marciais, trompas de caça.

Saudade Só

Hoje vieste ver-me
a troco de um pensamento
que não se esconde
na ressonância adormecida
num olimpo.

Vieste e trazias
um ramo de palavras cintilantes,
flores que pacientemente
escorrem entre o alfa e o omega
como um perfume de tempo.

Hoje a tua visita
apareceu à janela do tempo
que a paisagem do nosso olhar
incendeia num vespertino silêncio.

De corpo cansado
das pedras que colhi
na paisagem transparente erguida
adormeci na pausa
tão perfeitamente adormecida
do nosso paraíso
que tarda a acontecer.

Hoje vieste ver-me
E, sem ter de tocar
no mármore da paixão,
contigo fui devagar
ver o tempo passado para nele escrever
o tempo do amor
voz da nossa idade
que nossos olhos cantam
no canto do nosso olhar.