Um pouco de aventura liberta a alma cativa do algoz cotidiano.
Passagens de Clarice Lispector
1250 resultadosO pior é que sou vice-versa e em ziguezague. Sou inconcludente. Mas é preciso me amar como involuntariamente sou. Apenas me responsabilizo pelo que há de voluntário em mim e que é muito pouco.
-Que é que eu faço? É de noite e estou viva. Estar viva está me matando aos poucos, e eu estou toda alerta no escuro.
A dor não é motivo de preocupação. Faz parte da vida animal.
Deus lhe deu inúmeros pequenos dons que ele não usou nem desenvolveu por receio de ser um homem completo e sem pudor.
O quotidiano contém em si o abuso do quotidiano: o quotidiano tem a tragédia do tédio da repetição. Mas há uma escapatória: é que a grande realidade é fora de série, como um sonho nas entranhas do dia.
Em Busca do Outro
Não é à toa que entendo os que buscam caminho. Como busquei arduamente o meu! E como hoje busco com sofreguidão e aspereza o meu melhor modo de ser, o meu atalho, já que não ouso mais falar em caminho. Eu que tinha querido. O Caminho, com letra maiúscula, hoje me agarro ferozmente à procura de um modo de andar, de um passo certo. Mas o atalho com sombras refrescantes e reflexo de luz entre as árvores, o atalho onde eu seja finalmente eu, isso não encontrei. Mas sei de uma coisa: meu caminho não sou eu, é outro, é os outros. Quando eu puder sentir plenamente o outro estarei salva e pensarei: eis o meu porto de chegada.
Sou tão misteriosa que não me entendo.
Amo e adoro tudo o que é simples, tanto que às vezes pareço exigente.
A visão consiste em surpreender o símbolo das coisas nas próprias coisas.
O que escrevo não se refere ao passado de um pensamento, mas é o pensamento presente: o que vem à tona já vem com suas palavras adequadas e insubstituíveis, ou não existe.
Até hoje eu por assim dizer não sabia que se pode não escrever. Gradualmente, gradualmente até que de repente a descoberta tímida: quem sabe, também eu já poderia não escrever. Como é infinitamente mais ambicioso. É quase inalcançável.
Amar não acaba. É como se o mundo estivesse a minha espera. E eu vou ao encontro do que me espera.
* Em mim qualquer começo de pensamento esbarra logo com a testa. *
Como, pois, inaugura agora em mim o pensamento? E talvez só o pensamento me salvasse, tenho medo da paixão.
Fui até onde pude, mas como é que não compreendi que aquilo que não alcanço em mim já são os outros?
Eu sou uma pergunta… Sou tudo o que não explicação. Sou alguém em constante construção.
Por dentro eu sempre me persegui. Eu me tornei intolerável para mim mesma. Vivo numa dualidade dilacerante. Eu tenho uma aparente liberdade mas estou presa dentro de mim.
Era uma falsa revolta, uma tentativa de libertação que vinha sobretudo com muito medo de vitória.
Eu não sabia que o perigo é o que torna preciosa a vida. A morte é o perigo constante da vida.