Escrever com Intuição e Instinto
Outra coisa que não parece ser entendida pelos outros é quando me chamam de intelectual e eu digo que não sou. De novo, não se trata de modéstia e sim de uma realidade que nem de longe me fere. Ser intelectual é usar sobretudo a inteligência, o que eu não faço: uso é a intuição, o instinto. Ser intelectual é também ter cultura, e eu sou tão má leitora que, agora já sem pudor, digo que não tenho mesmo cultura. Nem sequer li as obras importantes da humanidade. Além do que leio pouco: só li muito, e li avidamente o que me caísse nas mãos, entre os treze e os quinze anos de idade. Depois passei a ler esporadicamente, sem ter a orientação de ninguém. Isto sem confessar que – dessa vez digo-o com alguma vergonha – durante anos eu só lia romance policial. Hoje em dia, apesar de ter muitas vezes preguiça de escrever, chego de vez em quando a ter mais preguiça de ler do que de escrever.
Literata também não sou porque não tornei o fato de escrever livros uma profissão, nem uma carreira. Escrevi-os só quando espontaneamente me vieram, e só quando eu realmente quis.
Passagens de Clarice Lispector
1250 resultadosEu sou uma atriz para mim. Eu finjo que sou uma determinada pessoa mas na realidade não sou nada.
Meu espírito é tecido pela terra mais fina.
Tenho o péssimo hábito de fugir de algumas coisas que amo.
No amor felizmente a riqueza está na doação mútua. O que não significa que não haja luta: é preciso se doar o direito de receber amor. Mas lutar é bom.
E ninguém é eu, e ninguém é você. Esta é a solidão.
O sofrimento não é medida de vida: o sofrimento é subproduto fatal e, por mais agudo, é negligenciável.
Às vezes eu tenho vontade ser menos intensa, só pra poder entender como o resto do mundo aguenta essas coisas que me devoram permanentemente e de uma forma tão absurda…
Quando eu morrer sentirei saudade de mim.
Errado é você deixar de fazer alguma coisa com medo do que os outros vão pensar.
E eis que de repente agora vi que não sou pura
Exactamente porque é tão forte em mim a vontade de me dar a algo ou alguém, é que me tornei bastante arisca: tenho medo de revelar o quanto preciso e de como sou pobre. Sou, sim. Muito pobre. Só tenho um corpo e uma alma. E preciso de mais do que isso. Quem sabe se comecei a escrever tão cedo na vida porque, escrevendo, pelo menos eu pertencia um pouco a mim mesma. O que é um fac-símile triste.
Para ela a realidade era demais para ser acreditada.
Não tenho tempo pra mais nada, ser feliz me consome muito.
É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria – e não o que é.
Suponho que este tipo de sensibilidade, uma que não só se comove como por assim dizer pensa sem ser com a cabeça, suponho que seja um dom.
O sucesso é uma gafe, é uma falsa realidade.
Faltava-lhe o jeito de se ajeitar. Só vagamente tomava conhecimento da espécie de ausência que tinha de si em si mesma.
Que ninguém se engane: só se consegue a simplicidade através de muito trabalho.
O Mundo Só se Dá para os Simples
Minha gula pelo mundo: eu quis comer o mundo e a fome com que nasci pelo leite — esta fome quis se estender pelo mundo e o mundo não se queria comível. Ele se queria comível sim — mas para isso exigia que eu fosse comê-lo com a humildade com que ele se dava. Mas fome violenta é exigente e orgulhosa. E quando se vai com orgulho e exigência o mundo se transmuta em duro aos dentes e à alma. O mundo só se dá para os simples e eu fui comê-lo com o meu poder e já com esta cólera que hoje me resume. E quando o pão se virou em pedra e ouro aos meus dentes eu fingi por orgulho que não doía eu pensava que fingir força era o caminho nobre de um homem e o caminho da própria força. Eu pensava que a força é o material de que o mundo é feito e era com o mesmo material que eu iria a ele. E depois foi quando o amor pelo mundo me tomou: e isso já não era a fome pequena, era a fome ampliada. Era a grande alegria de viver — e eu pensava que esta sim,