A criança nunca sabe o que é um martelo, até confundir o dedo com um prego.
Passagens sobre Dedos
286 resultadosEm Cruz não Era Acabado
As crianças viravam as folhas
dos dias enevoados
e da página do Natal
nasciam os montes prateadosda infância. Intérmina, a mãe
fazia o bolo unido e quente
da noite na boca das crianças
acordadas de repente.Torres e ovelhas de barro
que do armário saíam
para formar a cidade
onde o menino nascia.Menino pronunciado
como uma palavra vagarosa
que terminava numa cruz
e começava numa rosa.Natal bordado por tias
que teciam com seus dedos
estradas que então havia
para a capital dos brinquedos.E as crianças com a tinta invisível
do medo de serem futuro
escreviam os seus pedidos
no muro que dava para o impossível,chão de estrelas onde dançavam
a sua louca identidade
de serem no dicionário
da dor futura: saudade.
Não se Diz ao Triste que se Alegre
Pouco sabe da tristeza quem, sem remédio para ela, diz ao triste que se alegre; pois não vê que alheios contentamentos a um coração descontente, não lhe remediando o que sente, lhe dobram o que padece. Vós, se vem à mão, esperáreis de mim palavrinhas joeiradas, enforcadas de bons propósitos. Pois desenganai-vos, que, desde que professei tristeza, nunca mais soube jogar a outro fito. E, porque não digais que sou gente fora do meu bairro, vedes, vai uma volta feita a este mote, que escolhi na manada dos enjeitados; e cuido que não é tão dedo queimado que não seja dos que el-rei mandou chamar; o qual fala assim:
Não quero e não quero
jubão amarelo.Se de negro for
também me parece
quanto me aborrece
toda a alegre cor:
cor que mostra dor,
quero e não quero
jubão amarelo.Parece-vos que se pode dizer mais ? Não me respondais: «Quem gabará a noiva?» Porque assentai que foi comendo e fazendo, ou assoprando, que não é tão pequena habilidade. E, porque vos não pareça que foi mais acertar que querê-lo fazer, vedes, vai outra do mesmo jaez,
O Teu Céu
É em vida que tens o teu céu. Mas não é um céu prometido. Um céu prometido é um céu precavido, um céu prevenido – um céu invertido. O que já sabes que vai ser céu é um martírio. Se sabes que vai ser céu: então é porque não é céu. És tu que, todos os dias, tens de agarrar nas tuas perninhas e no monte de antíteses de que és feito. És tu que tens de rezar pelo teu céu. Mas rezar não é de joelhos. Rezar nem sequer é cruzar os dedos e olhar para o céu à espera de que de lá caia alguma coisa. O mais inusitado que podes esperar que caia do céu são perdigotos de quem, como tu, pensa que rezar é dizer meia dúzia de palavras com os joelhos dobrados e as mãos unidas em forma de impotência. Mas rezar não é nada disso. Vou-te explicar o que é rezar. Oremos, irmão.
Rezar não é ajoelhar nem é falar nem é esperar. Rezar é lutar. Não é por acaso que depois de morrer alguém de quem se gosta se faz o luto. Luto. Ouve bem, lê bem: sente bem. Luto. Luto.
Somos jovens quando temos muito para amar, anda-se pelos dias à procura de um motivo e quando o encontramos percebe-se que não há motivos, apenas urgência, o tempo a derreter-se entre os dedos e o futuro curto para o espaço que os sonhos ocupam.
O Livro dos Amantes
I
Glorifiquei-te no eterno.
Eterno dentro de mim
fora de mim perecível.
Para que desses um sentido
a uma sede indefinível.Para que desses um nome
à exactidão do instante
do fruto que cai na terra
sempre perpendicular
à humidade onde fica.E o que acontece durante
na rapidez da descida
é a explicação da vida.II
Harmonioso vulto que em mim se dilui.
Tu és o poema
e és a origem donde ele flui.
Intuito de ter. Intuito de amor
não compreendido.
Fica assim amor. Fica assim intuito.
Prometido.III
Príncipe secreto da aventura
em meus olhos um dia começada e finita.
Onda de amargura numa água tranquila.
Flor insegura enlaçada no vento que a suporta.
Pássaro esquivo em meus ombros de aragem
reacendendo em cadência e em passagem
a lua que trazia e que apagou.IV
Dá-me a tua mão por cima das horas.
Quero-te conciso.
Adão depois do paraíso
errando mais nítido à distância
onde te exalto porque te demoras.
À Toa
O Primeiro Homem
Que lindo mundo! E eu só! Que tortura tamanha!
Ninguem! Meu pae é o céu. Minha mãe é a montanha.A Montanha
Os meus cabellos são os pinheiraes sombrios
E veias do meu corpo os azulados rios.Os Rios
Nós somos o suor que o Estio asperge e sua,
Nós somos, em Janeiro, a agoa-benta da Lua!A Lua
Eu sou a bala, no Ar detida, d’essa guerra
Que teve contra Deus, em seu principio, a Terra…A Terra
E eu uma das maçãs, entre outras a primeira,
Que certo Virgem viu cair d’uma macieira!A Macieira
Tantas ainda por cair! Vinde colhel-as!
Abanae a macieira e cairão estrellas!A Estrellas
No mar, á noite, reflectimo-nos, a olhar,
E formamos, assim, as Estrellas-do-mar…O Mar
Sou padre. São d’agoa meus Santos-Evangelhos:
Accendei meu altar, relampagos vermelhos!Os Relampagos
Nós somos (o contrario, embora, seja escripto)
Os fogos-tátuos d’esta cova do Infinito…O Infinito
Sou o mar sem borrasca,
Fuga
O músico procura
Fixar em cada verso
O cântico disperso
Na luz, na água e no vento.Porém, luz, vento e água
Variam riso e mágoa,
De momento a momento.E em vão a área dos dedos
Se eleva! Não traduz
Os súbitos segredos
Escondidos no vento,
Nas águas e na luz…
Em rio quedo, não metas o dedo.
Canção tão simples
Quem poderá domar os cavalos do vento
quem poderá domar este tropel
do pensamento
à flor da pele?Quem poderá calar a voz do sino triste
que diz por dentro do que não se diz
a fúria em riste
do meu país?Quem poderá proibir estas letras de chuva
que gota a gota escrevem nas vidraças
pátria viúva
a dor que passa?Quem poderá prender os dedos farpas
que dentro da canção fazem das brisas
as armas harpas
que são precisas?
Luva Abandonada
Uma só vez calçar-vos me foi dado,
Dedos claros! A escura sorte minha,
O meu destino, como um vento irado,
Levou-vos longe e me deixou sozinha!Sobre este cofre, desta cama ao lado,
Murcho, como uma flor, triste e mesquinha,
Bebendo ávida o cheiro delicado
Que aquela mão de dedos claros tinha.Cálix que a alma de um lírio teve um dia
Em si guardada, antes que ao chão pendesse,
Breve me hei de esfazer em poeira, em nada…Oh! em que chaga viva tocaria
Quem nesta vida compreender pudesse
A saudade da luva abandonada!
No Sorriso Louco das Mães
No sorriso louco das mães batem as leves
gotas de chuva. Nas amadas
caras loucas batem e batem
os dedos amarelos das candeias.
Que balouçam. Que são puras.
Gotas e candeias puras. E as mães
aproximam-se soprando os dedos frios.
Seu corpo move-se
pelo meio dos ossos filiais, pelos tendões
e órgãos mergulhados,
e as calmas mães intrínsecas sentam-se
nas cabeças filiais.
Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado
vendo tudo,
e queimando as imagens, alimentando as imagens
enquanto o amor é cada vez mais forte.
E bate-lhes nas caras, o amor leve.
O amor feroz.
E as mães são cada vez mais belas.
Pensam os filhos que elas levitam.
Flores violentas batem nas suas pálpebras.
Elas respiram ao alto e em baixo. São
silenciosas.
E a sua cara está no meio das gotas particulares
da chuva,
em volta das candeias. No contínuo
escorrer dos filhos.
As mães são as mais altas coisas
que os filhos criam, porque se colocam
na combustão dos filhos, porque
os filhos estão como invasores dentes-de-leão
no terreno das mães.
Álvaro
… Diabo de homem, este Álvaro… Agora chama-se Álvaro de Silva… Vive em Nova Iorque… Passou quase toda a vida na selva nova-iorquina… Imagino-o a comer laranjas a horas insólitas, queimando com o fósforo o papel dos cigarros, fazendo perguntas vexatórias a toda a gente… Foi sempre um mestre desordenado, possuidor de uma brilhante inteligência, inteligência inquiridora que parecia não o levar a pparte nenhuma, excepto a Nova Iorque. Era em 1925…
Entre as violetas que se lhe escapavam da mão quando corria para as entregar a uma transeunte desconhecida, com a qual queria logo ir deitar-se, sem saber como ela se chamava nem donde era, e as suas intermináveis leituras de Joyce, revelou-me a mim e a muitos outros insuspeitadas opiniões, pontos de vist-a de grande cidadão que vive dentro da urbe, na sua cova, e sai a explorar a música, a pintura, os livros, a dança… Sempre a comer laranjas, a descascar maçãs, insuportável dietético, assombrosamente intrometido em tudo, víamos nele, por fim, o sonhado antiprovinciano que todos nós, os provincianos, tínhamos querido ser, sem as etiquetas coladas nas malas, antes circulando dentro de si próprio, com uma mistura de países e concertos, de cafés ao alvorecer,
Meu coração vai desdobrando os panos, se alargando aquecido, dando a volta ao mundo, estalando os dedos pra pessoa e bicho.
A Nossa Vida é Estilhaçada pelo Pormenor
Vivemos mesquinhamente, quais formigas, ainda que a fábula nos relate que há muito tempo atrás fomos transformados em homens; como os pigmeus lutamos com gruas; e é erro sobre erro, remendo sobre remendo, e a nossa melhor virtude decorre de uma miséria supérflua e evitável. A nossa vida é estilhaçada pelo pormenor.
Um homem honesto dificilmente precisa de contar para além dos seus dez dedos das mãos, acrescentando, em caso extremo, os seus dez dedos dos pés, e o resto que se amontoe. Simplicidade, simplicidade, simplicidade! Digo: ocupai-vos de dois ou três afazeres, e não de cem ou mil; contai meia dúzia em vez de um milhão e tomai nota das receitas e despesas na ponta do polegar. A meio do agitado mar da vida civilizada, tantas são as nuvens, as tempestades, as areias movediças, tantos são os mil e um imprevistos a ser levados em conta, que para não se afundar, para não ir a pique antes de chegar ao porto, um homem tem de ser um grande calculista para lograr êxito.
Simplificar, simplificar, simplificar. Em vez de três refeições por dia, se preciso for, comer apenas uma; em vez de cem pratos, cinco; e reduzir proporcionalmente as outras coisas.
Imagens Que Passais Pela Retina
Imagens que passais pela retina
Dos meus olhos, porque não vos fixais?
Que passais como a água cristalina
Por uma fonte para nunca mais!…Ou para o lago escuro onde termina
Vosso curso, silente de juncais,
E o vago medo angustioso domina,
– Porque ides sem mim, não me levais?Sem vós o que são os meus olhos abertos?
– O espelho inútil, meus olhos pagãos!
Aridez de sucessivos desertos…Fica sequer, sombra das minhas mãos,
Flexão casual de meus dedos incertos,
– Estranha sombra em movimentos vãos.
Guerra
Tanto é o sangue
que os rios desistem de seu ritmo,
e o oceano delira
e rejeita as espumas vermelhas.Tanto é o sangue
que até a lua se levanta horrível,
e erra nos lugares serenos,
sonâmbula de auréolas rubras,
com o fogo do inferno em suas madeixas.Tanta é a morte
que nem os rostos se conhecem, lado a lado,
e os pedaços de corpo estão por ali como tábuas sem uso.Oh, os dedos com alianças perdidos na lama…
Os olhos que já não pestanejam com a poeira…
As bocas de recados perdidos…
O coração dado aos vermes, dentro dos densos uniformes…Tanta é a morte
que só as almas formariam colunas,
as almas desprendidas… — e alcançariam as estrelas.E as máquinas de entranhas abertas,
e os cadáveres ainda armados,
e a terra com suas flores ardendo,
e os rios espavoridos como tigres, com suas máculas,
e este mar desvairado de incêndios e náufragos,
e a lua alucinada de seu testemunho,
e nós e vós, imunes,
chorando,
Casamento: cerimônia em que se coloca uma aliança no dedo da mulher e outra no nariz do homem.
Nunca Envelhecerás
A tua cabeleira
é já grisalha ou mesmo branca?
Para mim é toda loira
e circundada de estrelas.
Sobre ela
o tempo não poisou
o inverno dos anos
que se escoam maldosos
insinuando rugas, fios brancos…Ao teu corpo colou-se
o vestido de seda,
como segunda pele;
entre os seios pequenos
viceja perene
um raminho de cravos…Pétalas esguias
emolduram-te os dedos…
E revoadas de aves
traçam ao teu redor
volutas de primavera.Nunca envelhecerás na minha lembrança!…
Não é para Contar uma Estória que tu Escreves
Não é para contar uma estória que tu escreves
e eu pinto
nem para nos apontarem a dedo que limamos
o bico aos pregos no avesso do mundo, nem a terra
é o centro deste. O universo não usa
adereços de cena
nem liga a espelhos. Tem mais que fazer
que nos copiar e tão-pouco ao fado pois ele é
velho, não tem dentes, e tresanda
ao ranço de uma açorda
salgada e sem coentros.