Nocturno
Espírito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a Lua,
Filho esquivo da noite que flutua,
Tu só entendes bem o meu tormento…Como um canto longínquo – triste e lento-
Que voga e subtilmente se insinua,
Sobre o meu coração que tumultua,
Tu vestes pouco a pouco o esquecimento…A ti confio o sonho em que me leva
Um instinto de luz, rompendo a treva,
Buscando, entre visões, o eterno Bem.E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre de Ideal, que me consome,
Tu só, Génio da Noite, e mais ninguém!
Passagens sobre Esquecimento
153 resultadosNão existe o esquecimento total: as pegadas impressas na alma são indestrutíveis.
Sentiu-se esquecido, não com o esquecimento remediável do coração, mas com outro esquecimento mais cruel e irrevogável que ele conhecia muito bem, porque era o esquecimento da morte.
A vida não tem bens suficientes para nos indemnizar do esquecimento de um só dever.
Mais Há-de Perder quem Mais Alcança
De vós me parto, ó vida, e em tal mudança
Sinto vivo da morte o sentimento.
Não sei para que é ter contentamento,
Se mais há-de perder quem mais alcança!Mas dou-vos esta firme segurança:
Que, posto que me mate o meu tormento,
Pelas águas do eterno esquecimento
Segura passará minha lembrança.Antes sem vós meus olhos se entristeçam,
Que com cousa outra alguma se contentem:
Antes os esqueçais, que vos esqueçam.Antes nesta lembrança se atormentem,
Que com esquecimento desmereçam
A glória que em sofrer tal pena sentem.
Escolher Para Desfrutar
A angústia invade quer o inquieto, exclusivamente deslumbrado por aquilo que arde com uma luz vaga, quer o poeta cheio de amor pelos poemas que nunca escreveu o seu, quer a mulher apaixonada pelo amor, mas incapaz de devir por não saber escolher. Eles bem sabem que eu os curaria da angústia se lhes permitisse esse dom que exige sacrifícios e escolha e esquecimento do universo. Porque determinada flor é, em primeiro lugar, uma renúncia a todas as outras flores. E, no entanto, só com esta condição é bela. É o que acontece com o objecto da troca. E o insensato, que vem censurar a esta velha o seu bordado, sob o pretexto de que ela poderia ter tecido outra coisa, demonstra com isso que prefere o nada à criação.
Passagem das Horas
Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.A entrada de Singapura, manhã subindo, cor verde,
O coral das Maldivas em passagem cálida,
Macau à uma hora da noite… Acordo de repente
Yat-iô–ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô … Ghi-…
E aquilo soa-me do fundo de uma outra realidade
A estatura norte-africana quase de Zanzibar ao sol
Dar-es-Salaam (a saída é difícil)…
Majunga, Nossi-Bé, verduras de Madagascar…
Tempestades em torno ao Guardaful…
E o Cabo da Boa Esperança nítido ao sol da madrugada…
E a Cidade do Cabo com a Montanha da Mesa ao fundo…Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei…
Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos…
Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti,
Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir
E a vida sempre me doeu,
É Inútil Tudo
Chega através do dia de névoa alguma coisa do esquecimento,
Vem brandamente com a tarde a oportunidade da perda.
Adormeço sem dormir, ao relento da vida.É inútil dizer-me que as ações têm conseqüências.
É inútil eu saber que as ações usam conseqüências.
É inútil tudo, é inútil tudo, é inútil tudo.Através do dia de névoa não chega coisa nenhuma.
Tinha agora vontade
De ir esperar ao comboio da Europa o viajante anunciado,
De ir ao cais ver entrar o navio e ter pena de tudo.Não vem com a tarde oportunidade nenhuma.
Dormir já não é mais um banho de cura, a recuperação das forças vitais, mas um esquecimento, uma escovagem nocturna aniquiladora.
Se ao Mundo Predissesses teu Morrer
Se ao mundo predissesses teu morrer
na morte a natureza ir-te-ia à frente
volvendo com mandado intransigente
no eterno esquecimento o próprio serO céu se rosaria docemente
por do teu corpo a roupa enfim descer
florestas tingiria o teu sofrer
de negro e a noite o mar barca silenteLuto sem nome com estrelas mede
a estela ao teu olhar no arco celeste
e a escuridão de espesso muro impedeque a luz da nova primavera preste
A estação vê nos astros que pararam
as cisternas que a morte te espelharam.Tradução de Vasco Graça Moura
Em Memória de Angélica
Quantas vidas possíveis já descansam
Nesta bem pobre e diminuta morte,
Quantas vidas possíveis que outra sorte
Daria ao esquecimento ou à lembrança!Quando eu morrer, morrerá um passado;
Com esta flor, morreu só um futuro
Nas águas que o ignoram, o mais puro
Porvir hoje pios astros arrasado.Eu, como ela, morro em infinitos
Destinos que já não me oferece o acaso;
Procura a minha sombra os gastos mitosDe uma pátria que sempre deu a face.
Um breve mármore diz a sua memória;
Sobre nós todos cresce, atroz, a história.
O Ciclo da Vida
O homem domina a natureza e é por ela dominado. Só ele lhe resiste e ao mesmo tempo ultrapassa as suas leis, amplia o seu poderio graças à sua vontade e actividade. Afirmar no entanto que o mundo foi criado para o homem é algo que está longe de ser evidente. Tudo o que o homem constrói é, como ele, efémero: o tempo derruba os edifícios, atulha os canais, apaga o saber – e até o nome das nações. (…) Dir-me-ão que as novas gerações recebem a herança das gerações que as precederam e que, por consequência, a perfeição ou o aperfeiçoamento não têm limites. Mas o homem está longe de receber intacta a súmula dos conhecimentos acumulados pelos séculos que o precederam e se aperfeiçoa algumas dessas invenções no que diz respeito a outras fica bastante atrás dos seus próprios inventores; um grande número dessas invenções chega mesmo a perder-se.
Não preciso sequer de sublinhar como certos pretensos melhoramentos foram nocivos à moral e ao bem-estar. Determinada invenção, suprimindo ou diminuindo o trabalho e o esforço, enfraqueceu a dose de paciência necessária para suportar as contrariedades – ou a energia que temos de dar provas para as vencer.
Alimentar o Amor
Começar é fácil. Acabar é mais fácil ainda. Chega-se sempre à primeira frase, ao primeiro número da revista, ao primeiro mês de amor. Cada começo é uma mudança e o coração humano vicia-se em mudar. Vicia-se na novidade do arranque, do início, da inauguração, da primeira linha na página branca, da luz e do barulho das portas a abrir.
Começar é fácil. Acabar é mais fácil ainda. Por isso respeito cada vez menos estas actividades. Aprendi que o mais natural é criar e o mais difícil de tudo é continuar. A actividade que eu mais amo e respeito é a actividade de manter.
Em Portugal quase tudo se resume a começos e a encerramentos. Arranca-se com qualquer coisa, de qualquer maneira, com todo o aparato. À mínima comichão aparece uma «iniciativa», que depois não tem prosseguimento ou perseverança e cai no esquecimento. Nem damos pela morte.
É por isso que eu hoje respeito mais os continuadores que os criadores. Criadores não nos faltam. Chefes não nos faltam. Faltam-nos continuadores. Faltam-nos tenentes. Heróis não nos faltam. Faltam-nos guardiões.É como no amor. A manutenção do amor exige um cuidado maior. Qualquer palerma se apaixona, mas é preciso paciência para fazer perdurar uma paixão.