A Embriaguez e Seriedade da Juventude
Passada a adolescência, é possível conhecer-se alegrias, mas não já a embriaguez. Tapar os buracos das peúgas uns com os outros! Ter medo de perder o comboio! Ter o dinheiro à justa para a viagem e recear que à última hora um irmão ainda a dormir surripie a quantia! Talvez porque a embriaguez venha do facto da inquietação e das hesitações se tornarem mais angustiantes quando tudo se ignora. Não teria qualquer aventura amorosa em Nantes? Quem diz «amor» diz pistola, e pistola era coisa que eu não tinha. Ora o que nesta viagem mais me surpreendeu foi terem-me reconhecido, em casa de um sapateiro, por certa parecença com uma velha parente minha e o elogio que ouvi fazerem dessa criatura cuja vida eu considerava nula. Os jovens levam tudo a sério, ainda que não saibam conferir um ar sério àquilo que levam. Na realidade, experimentam apenas emoções desproporcionadas.
Exclamativos
2657 resultadosTerra Do Brasil
Espavorida agita-se a criança,
De noturnos fantasmas com receio,
Mas se abrigo lhe dá materno seio,
Fecha os doridos olhos e descansa.Perdida é para mim toda a esperança
De volver ao Brasil; de lá me veio
Um pugilo de terra; e neste creio
Brando será meu sono e sem tardança…Qual o infante a dormir em peito amigo,
Tristes sombras varrendo da memória,
ó doce Pátria, sonharei contigo!E entre visões de paz, de luz, de glória,
Sereno aguardarei no meu jazigo
A justiça de Deus na voz da história!
A Felicidade é Modesta e não Ambiciosa
Aqui tens o que posso dizer-te constantemente, a matéria que poderei estar sempre a debater, pois ambos vemos à nossa roda inúmeros milhares de pessoas inquietas que, a fim de obterem algo de altamente nocivo, andam com perseverança a praticar o mal, sempre à procura de coisas que logo a seguir deixam de lhes interessar, ou mesmo as enchem de repulsa! Já viste alguém contentar-se com uma coisa que, antes de a obter, lhe parecia mais que suficiente? A felicidade, ao contrário da opinião corrente, não é ambiciosa, mas sim modesta, e por isso mesmo nunca sacia ninguém. Tu pensas que aquilo que satisfaz o vulgo é elevado porque ainda estás longe da perfeição estóica; para quem a alcançou, tudo isso é absolutamente rasteiro! Minto: para quem começou a subir até esse nível, pois o ponto que tu pensas ser já o mais alto não passa de um degrau. Toda a gente é infelizmente confundida pela ignorância da verdade. Enganada pela opinião vulgar, procura como se fossem bens certas coisas que, depois de muito penar para as conseguir, verifica serem nocivas, inúteis ou inferiores ao que esperava. A maior parte das pessoas sente admiração por coisas que só ao fim de algum tempo se revelam ilusórias;
Soneto de amor
Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma… Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas…
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.E em duas bocas uma língua…, — unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.Depois… — abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; não digas nada…
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!
Liberdade Sofrida
Em tempos pensei que tinha sido ferido como homem algum jamais o fora. Por sentir isso, jurei escrever este livro. Mas muito antes de começar a escrevê-lo a ferida cicatrizou. Como jurara cumprir a minha tarefa, reabri a horrível ferida. Deixem-me explicar por outras palavras. Talvez ao abrir a ferida, a minha própria ferida, tenha fechado outras feridas, feridas de outras pessoas. Morre qualquer coisa, floresce qualquer coisa. Sofrer na ignorância é horrível. Sofrer deliberadamente, para compreender a natureza do sofrimento e aboli-lo para sempre, é muito diferente. O Buda, como sabemos, teve toda a vida um pensamento fixo no espírito: eliminar o sofrimento humano.
Sofrer é desnecessário. Mas temos de sofrer para compreender que é assim.
Além disso, é só então que o verdadeiro significado do sofrimento humano se torna claro. No derradeiro momento desesperado – quando não podemos sofrer mais! – acontece qualquer coisa que tem a natureza de um milagre. A grande ferida aberta pela qual se escoava o sangue da vida fecha-se, o organismo desabrocha como uma rosa. Somos «livres», finalmente (…). Não são as lágrimas que mantêm viva a árvore da vida, mas sim o conhecimento de que a liberdade é real e eterna.
Braços
Braços nervosos, brancas opulências,
Brumais brancuras, fulgidas brancuras,
Alvuras castas, virginais alvuras,
Lactescências das raras lactescências.As fascinantes, mórbidas dormências
Dos teus abraços de letais flexuras,
Produzem sensações de agres torturas,
Dos desejos as mornas florescências.Braços nervosos, tentadoras serpes
Que prendem, tetanizam como os herpes,
Dos delírios na trêmula coorte…Pompa de carnes tépidas e flóreas,
Braços de estranhas correções marmóreas,
Abertos para o Amor e para a Morte!
Lisboa
De certo, capital alguma n’este mundo
Tem mais alegre sol e o ceu mais cavo e fundo,
Mais collinas azues, rio d’aguas mais mansas,
Mais tristes procissões, mais pallidas creanças,
Mais graves cathedraes – e ruas, onde a esteira
Seja em tardes d’estio a flor de larangeira!A Cidade é formosa e esbelta de manhã! –
É mais alegre então, mais limpida, mais sã;
Com certo ar virginal ostenta suas graças,
Ha vida, confusão, murmurios pelas praças;
– E, ás vezes, em roupão, uma violeta bella
Vem regar o craveiro e assoma na janella.A Cidade é beata – e, ás lucidas estrellas,
O Vicio á noute sae ás ruas e ás viellas,
Sorrindo a perseguir burguezes e estrangeiros;
E á triste e dubia luz dos baços candieiros,
– Em bairos sepulchraes, onde se dão facadas –
Corre ás vezes o sangue e o vinho nas calçadas!As mulheres são vãs; mas altas e morenas,
D’olhos cheios de luz, nervosas e serenas,
Ebrias de devoções, relendo as suas Horas;
– Outras fortes, crueis, os olhos côr d’amoras,
Satanismo
Não me olhes assim, branca Arethusa,
Peregrina inspiração dos meus cantares;
Não me deixes a razão vagar confusa
Ao relâmpago ideal de teus olhares.Não me olhes, oh! não, porquanto eu penso
Envolvido no luar das minhas cismas,
Que o olhar que me dardejas — doido, imenso
Tem a rápida explosão dos aneurismas.Não me olhes. Oh! não, que o próprio inferno
Problemático, fatal, cálido, eterno,
Nos teus olhos, mulher, se foi cravar!…Não me olhes, oh! não, que m’entolece
Tanta luz, tanto sol — e até parece
Que tens músicas cruéis dentro do olhar!…
Posfácio à Toca do Lobo
– Pai, vem da morte e vamos às perdizes.
Vejo a aurora, que tinge do seu rajo
de dente a dente a Serra de Soajo…
– Ciprestes, desatai-o das raízes!– Este Inverno as perdizes estão em barda:
criaram-se as ninhadas sem granizo.
Vamos chumbar dos perdigões o guizo,
anda matar securas da espingarda.A tua Holland… O animal de presa…
O azul brunido… Velha e como nova…
Bem a merecias a alegrar-te a cova.
Penou-te de saudades, com certeza.Aqui a tens. Porque era ver-te, olhá-la,
sequer um dia que não fosse vê-la.
Olha deluz-se a derradeira estrela,
já folga a luz no lustra aqui da sala.Trinta anos depois, caçar contigo,
e sempre conversando e à chalaça…
Mais que perdizes, hoje, melhor caça
É matar fomes do caçar antigo.Ver-te sorrir à escapatória sonsa
da velha que não viu «perdiz nem chasco!»
E o Lorde a anunciá-la sob o fasco,
e tu lambendo o cigarrinho de onça…Ó pai, se não vivias há trinta anos,
também há trinta eu não vivia,
De Mayseder Gentil O Vulto Ingente
De Mayseder gentil o vulto ingente
De Corelli, de Spohr e de Nardini,
De Ole Bull supernal, de Veracini
Inspirados por Deus c’o plectro ardente;Dessa lira febril, áurea, potente
Do artista sem par, de Paganini;
De Viotti dinal, do herói Tardini,
De Lafont, de Baillot, Eck e Laurenti:Sois rival feliz! e nesse crânio
Há em jorros, oh céus! extravasando
O ardor musical, o ardor titâneo…Já bem cedo, veloz, ides galgando
Lá da glória os degraus, o supedâneo
Sobre um trono de luz rindo e cantando.
A Vida não Passa de um Reflexo da Nossa Memória
Há uma coisa que me humilha: a memória é muitas vezes a qualidade da tolice; pertence em geral aos espíritos grosseiros, os quais torna mais pensantes pela bagagem com a qual os sobrecarrega. E, no entanto, sem a memória, o que seríamos? Esqueceríamos as nossas amizades, os nossos amores, os nossos prazeres, os nossos negócios; o génio não poderia reunir as suas ideias; o coração mais afectuoso perderia a sua ternura, caso não se recordasse mais dela; a nossa existência reduzir-se-ia aos momentos sucessivos de um presente que transcorre sem cessar; não haveria mais passado. Ó que miséria a nossa! A nossa vida é tão vã que não passa de um reflexo da nossa memória.
Deus, Infinito Ser
Deus, Infinito ser, nunca criado,
Sem princípio, nem fim, na Majestade
Que no trono da Eterna Divindade
Tens o Mundo num dedo dependurado:Tu estavas em Ti, não foste nado,
O teu Ser era a tua Imensidade,
Tu tiveste por berço a Eternidade,
Tu, sem tempo, em Ti mesmo eras gerado!Tu és um fogo que arde sem matéria,
Tu és perpétua luz, que não desmaia
Fulgindo, sem cessar, na sala etérea!Tu és um mar de amor, que não tem praia,
Trovão assustador da esfera aérea,
Rei dum Reino Imortal, que não tem raia!…
Sozinho
Quando eu morrer m’envolva a Singeleza,
Vá sem Pompa a caminho do coval,
Acompanhe-me apenas a tristeza
Não vá do bronze o som de val’ em val!Chore o céu sobre mim de orvalho as bagas
Luz do sol-posto fulja em seu cristal,
Cantem-me o «dorme em paz» ao longe as vagas.Gemente a viração entoe o «Amém»
Vá assim té ermas, afastadas plagas…
Lá… fique eu só!
Não volte lá ninguém!
Da Mundana Lida, Eis Que Cansado
“Minha vida é um montão de ruínas em árido deserto
Um abismo de ais e de suspiros”.Da mundana lida, eis que cansado,
Co’a lira toda espedaçada,
A alma de suspiros retalhada,
Cumpre o infeliz seu triste fado.Ai! que viver mais desgraçado!…
Que sorte tão crua e desazada!…
Quem assim tem a vida amargurada
Antes já morrer, ser sepultado.Só eu triste padeço feras dores,
Imensas e de fel, sem terem fim,
Envolto no véu dos dissabores.Oh! Cristo eu não sei se só a mim
Deste essa vida d’amargores,
Pois que é demais sofrer-se assim!
Já quasi até Morria
Já quasi até morria
C’os olhos nos da amada.
E ela que se sentia
Não menos abrasada:
– “Ai, caro Atfes! – dizia –
Não morras inda, espera
Que eu contigo morrer também quisera”
A ânsia com que acabava
A vida, Atfes, refreia,
E, enquanto a dilatava,
Morte maior o anseia.
Os olhos não tirava
Dos do ídolo querido,
Nos quais bebia o Néctar diluído.Quando a gentil Pastora,
Sentindo já chegada
Do doce gosto a hora,
Com a vista perturbada
Disse, tremendo: – “Agora
Morre, que eu morro, amor”
– “E eu – disse ele – contigo”
Viram-se desta sorte
Os dois finos amantes
Mortos ambos de um tal corte;
E os golpes penetrantes
Desta casta de morte
Tanto lhe agradaram,
Que para mais morrer recuscitaram.
À Alma De Minha Mãe
Partiu-se o fio branco e delicado
Dos sonhos de minh’alma desditosa…
E as contas do rosário assim quebrado
Caíram como folhas de uma rosa.Debalde eu as procuro lacrimosa,
Estas doces relíquias do Passado,
Para guardá-las na urna perfumosa,
Do meu seio no cofre imaculado.Aí! se eu ao menos uma só pudesse
D’estas contas achar que me fizesse
Lembrar um mundo de alegrias doidas…Feliz seria… Mas minh’alma atenta
Em vão procura uma continha benta:
Quando partiste m’as levaste todas!
Alma Perdida
Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma da gente,
Tu és, talvez, alguém que se finou!Tu és, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na Dor, suavemente …
Talvez sejas a alma, a alma doente
Dalguém que quis amar e nunca amou!Toda a noite choraste … e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!Contaste tanta coisa à noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh’alma
Que chorasse perdida em tua voz! …
O Perfume
O que sou eu? – O Perfume,
Dizem os homens. – Serei.
Mas o que sou nem eu sei…
Sou uma sombra de lume!Rasgo a aragem como um gume
De espada: Subi. Voei.
Onde passava, deixei
A essência que me resume.Liberdade, eu me cativo:
Numa renda, um nada, eu vivo
Vida de Sonho e Verdade!Passam os dias, e em vão!
– Eu sou a Recordação;
Sou mais, ainda: a Saudade.
O que Sempre Soube das Mulheres
Tratam-nos mal, mas querem que as tratemos bem. Apaixonam-se por serial-killers e depois queixam-se de que nem um postalinho. Escrevem que se desunham. Fingem acreditar nas nossas mentiras desde que tenhamos graça a pregá-las. Aceitam-nos e toleram-nos porque se acham superiores. São superiores. Não têm o gene da violência, embora seja melhor não as provocarmos. Perdoam facilmente, mas nunca esquecem. Bebem cicuta ao pequeno-almoço e destilam mel ao jantar. Têm uma capacidade de entrega que até dói. São óptimas mães até que os filhos fazem 10 anos, depois perdem o norte. Pelam-se por jogos eróticos, mas com o sexo já depende. Têm dias. Têm noites. Conseguem ser tão calculistas e maldosas como qualquer homem, só que com muito mais nível. Inventaram o telemóvel ao volante. São corajosas e quando se lhes mete uma coisa na cabeça levam tudo à frente. Fazem-se de parvas porque o seguro morreu de velho e estão muito escaldadas. Fazem-se de inocentes e (milagre!) por esse acto de vontade tornam-semesmo inocentes. Nunca perdem a capacidade de se deslumbrarem. Riem quando estão tristes, choram quando estão felizes. Não compreendem nada. Compreendem tudo. Sabem que o corpo é passageiro. Sabem que na viagem há que tratar bem o passageiro e que o amor é um bom fio condutor.
Não Digas Nada!
Não digas nada!
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender —
Tudo metade
De sentir e de ver…
Não digas nada
Deixa esquecerTalvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada…
Mas ali fui feliz
Não digas nada.