Frases sobre Hoje de Mia Couto

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Frases de hoje de Mia Couto. As mais belas frases e mensagens de Mia Couto para ler e compartilhar.

A arrogância da espécie humana coexiste com um sentimento contraditório de desprotecção total. Nos dias de hoje, todas as nações, mesmo as mais poderosas, estremecem nas mãos de algo que nos escapa, um destino cego, um horizonte enevoado. De súbito, o Homem redescobre a sua fragilidade, a sua infinita solidão.

Muitos dos debates que atravessam hoje o nosso espaço público são curiosos. Por vezes eles resvalam para a agressão. Deixamos de discutir ideias para atacar pessoas. A necessidade de ter razão, de ganhar a todo o custo, atropela os deveres do civismo que é uma das razões de estarmos aqui. Os debates deveriam servir para criarmos colectivamente conceitos produtivos, criarmos ideias que sejam construtoras.

Vivemos hoje uma atabalhoada preocupação em exibirmos falsos sinais de riqueza. Criou-se a ideia de que o estatuto do cidadão nasce dos sinais que o diferenciam dos mais pobres.

Por estranho complexo de inferioridade, estamos sempre receosos de que os outros nos venham influenciar. E não reparamos no movimento inverso. Hoje, os maiores escritores ingleses são oriundos da Ásia, a maior fadista portuguesa vem de Moçambique e uma das maiores cantoras de flamengo espanhol é uma negra da Guiné Equatorial.

A palavra de hoje é cada vez mais aquela que se despiu da dimensão poética e que não carrega nenhuma utopia sobre um mundo diferente.

Toda a vida acreditei: amor é dois se duplicarem em um. Mas hoje sinto: ser um é ainda muito. Demais. Ambiciono, sim, ser o múltiplo de nada. Ninguém no plural. Ninguéns.

Muitas vezes nos queixamos de que os jovens de hoje vivem uma cultura de imitação. Mas os jovens de ontem também o fizeram. E isso sucede em todo o mundo, em todos os tempos.

A palavra “ler” vem do latim “legere” e queria dizer “escolher”. Era isso que faziam os antigos romanos quando, por exemplo, selecionavam entre os grãos de cereais. A raiz etimológica está bem patente no nosso termo “eleger”. Ora o drama é que hoje estamos deixando de escolher. Estamos deixando de ler no sentido da raiz da palavra. Cada vez mais somos escolhidos, cada vez mais somos objecto de apelos que nos convertem em números, em estatísticas de mercado.

No início, viajámos porque líamos e escutávamos, deambulando em barcos de papel, em asas feitas de antigas vozes. Hoje viajamos para sermos escritos, para sermos palavras de um texto maior que é a nossa própria vida.

O que fez a espécie humana sobreviver não foi apenas a inteligência, mas a nossa capacidade de produzir diversidade. Essa diversidade está sendo negada nos dias de hoje por um sistema que escolhe apenas por razões de lucro e facilidade de sucesso.