Ao fixar o reflexo dos meus olhos no espelho, já me pareceu muitas vezes que está outra pessoa dentro deles. Observa-me, julga-me, mas não tem voz para se exprimir. Será talvez eu com outra idade, criança ou velho: inocente, magoado por me ver a destruir todos os seus sonhos; ou amargo, a culpar-me pela construção lenta dos seus ressentimentos. Seria melhor se tivesse palavras para dizer-me, mas não. Só aquele olhar lhe pertence. É lá que está prisioneiro.
Frases sobre Vez de JosĂ© LuĂs Peixoto
16 resultadosNinguém aprende a tocar guitarra sem aleijar as pontas dos dedos. Se eu me tivesse convencido de que não aguentava mais, tinhas ficado por nascer. Às vezes, o cansaço é uma forma de medo.
Como as palavras, os nossos nomes também estão sujeitos a ser moldados pela intenção e pelo tom. A intenção é o lugar onde nascem. O tom é a forma como se desenvolvem. Dependendo da intenção e do tom, muitas vezes somos os nossos nomes, noutras vezes não.
Desistir, como morrer, não é sempre mau. Há vezes em que não se pode evitar. Todos nos dizem continua, continua, mas é o mundo que desiste, inteiro, à nossa volta.
Alguém que sabe muito e que já viveu muito contava-me há pouco tempo que a maioria das coisas que nos acontecem não são escolha nossa. É preciso uma vida inteira, mais de sessenta anos pelo menos, para se fazer esta afirmação com propriedade. Pedindo emprestada a experiência da voz na qual escutei esta frase, acrescento que, se essa falta de escolha existe, então tem de estar presente nos momentos aparentemente pequenos, uma vez que são eles que, sucessivos e constantes, formam aquilo a que, no cume da montanha, chamamos «a vida».
Estar de bem com a matemática é estar de bem com a vida. Respirar x vezes por hora é fundamental. Existe paz no rosto esculpido de Pitágoras. E a paz não se troca por nada porque inclui tudo o que é necessário.
De vez em quando, certas conversas dirigem-se para um ponto em que se fala das primeiras recordações. Para que uma conversa toque esse ponto é preciso que exista uma certa intimidade e que haja tempo suficiente para se chegar a um assunto tão importante para cada um de nós e tão desinteressante para todos os outros.
As ideias envelhecem dentro dos livros, da mesma forma que envelhecem dentro da cabeça. Na cabeça, antes do mundo, e nos livros, depois do mundo, as ideias podem envelhecer e morrer ou, tantas vezes, podem envelhecer e só nesse momento serem reconhecidas como ideias, só nesse momento nascerem de facto.
Ă€s vezes, tenho medo de estar a criar uma distância insuperável entre mim e as pessoas que me sĂŁo queridas. O perigo nĂŁo Ă© a distância fĂsica, os milhares de quilĂłmetros que muitas vezes nos separam, o perigo Ă© deixarmos de nos entender. Mesmo ausentes, continuamos a existir em todos os momentos.
Nem eu nem tu compreendemos o medo. Nunca consegui entender a razĂŁo por que, nos filmes e nos desenhos animados, está implĂcito o medo de fantasmas que apenas pairam e que, Ă s vezes, fazem buu. Compreendo o susto, nĂŁo compreendo o medo.
Existe aquele tempo parado. Aquela dor que nĂŁo tem nome. Todos os dias entramos e saĂmos por portas, todos os dias respiramos, todos os dias erguemos a memĂłria do mundo: manhĂŁs de sol. Ă€s vezes, duvidamos do tempo. Sabemos rir. Tentamos planos como crianças que dĂŁo os primeiros passos.
Quem é que não tem vontade de, uma vez por outra, sentir que lhe querem bem. Até as galinhas, quem eu bem as vejo na capoeira. Até os cães que, volta na volta, andam para aà colados, e é um caso sério para os despegar.
Porque a minha vontade tem o tamanho de uma lei da terra. Porque a minha força determina a passagem do tempo. Eu quero. Eu sou capaz de lançar um grito para dentro de mim, que arranca árvores pelas raĂzes, que explode veias em todos os corpos, que trespassa o mundo. Eu sou capaz de correr atravĂ©s desse grito, Ă sua velocidade, contra tudo o que se lança para deter-me, contra tudo o que se levanta no meu caminho, contra mim prĂłprio. Eu quero. Eu sou capaz de expulsar o sol da minha pele, de vencĂŞ-lo mais uma vez e sempre. Porque a minha vontade me regenera, faz-me nascer, renascer. Porque a minha força Ă© imortal.
O mundo dá a inocĂŞncia por momentos. O mundo leva a inocĂŞncia consigo, como um barco que se afasta cada vez mais do sĂtio de onde partiu. A inocĂŞncia fica lá longe.
Guardamos os segredos ao lado de tudo o que não dizemos. Nesse grande sótão escuro há de tudo, há aquilo que não dizemos porque temos medo, porque temos vergonha, porque não somos capazes; há aquilo que não dizemos porque desconhecemos, ignoramos mesmo, apesar de estar lá, em nós. Os segredos não são assim. Eles estão lá, podemos visitá-los, assistir a eles, sabemos as palavras exactas para dizê-los e, muitas vezes, temos tanta vontade de contá-los. Mas escolhemos não o fazer.
Somos ruĂnas. Somos o que foi uma casa com gente viva e crianças a crescer, fumo na chaminĂ©, janelas abertas nas noites de verĂŁo, e hoje Ă© tijolos espalhados na terra e arredondados pela chuva, telhas partidas na terra, caliça e terra espalhados no soalho podre de madeira, e ervas a crescer entre as tábuas do soalho. Alguma vez teremos sido uma coisa sĂłlida, uma casa viva?