No que se transformaria um homem obrigado a viver sem a mulher que ama? – perguntou-se, e achou que nenhuma outra pergunta resumia tão bem tudo o que tinha aprendido sobre si mesmo e sobre a espécie.
Homens e Mulheres
778 resultadosA Perenidade das Ideias
Toda a vida se espantara com essa faculdade que as ideias têm de se aglomerarem friamente como cristais, formando estranhas figuras vãs; ou crescerem como tumores devorando a carne que os concebeu; ou assumirem monstruosamente certos contornos da pessoa humana, à maneira dessas massas inertes que algumas mulheres dão à luz e que, em suma, não são mais do que um sonho da matéria. Uma boa parte dos produtos do espírito não passava também de disformes sombras lunares. Outras noções, mais claras e nítidas, como que fabricadas por um mestre artesão, eram, porém, como aqueles objectos que, à distância, iludem; imensamente admiráveis eram os seus ângulos e arestas; e todavia não passavam de grades aonde o entendimento a se mesmo se aprisiona, abstractas ferragens que a ferrugem da falsidade não tardaria a carcomir.
Tremia-se, por momentos, perante a iminente transmutação: um pouco de ouro parecia brotar no crisol do cérebro humano; não se conseguia, contudo, mais do que uma equivalência; da mesma forma que, naquelas experiências grosseiras em que os alquimistas da corte tentam provar aos príncipes seus clientes que algo descobriram, não era o ouro, no fundo da retorta, senão o de um banal ducado que, depois de correr de mão em mão,
Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher do que eu era homem.
A mulher veste-se para as demais mulheres, e não para os homens, nem sequer para aquele a quem mais quer.
A Mentira Agrada Mais do Que a Verdade
O espírito do homem é feito de maneira que lhe agrada muito mais a mentira do que a verdade. Fazei a experiência: ide à igreja, quando aí estão a pregar. Se o pregador trata de assuntos sérios, o auditório dormita, boceja e enfada-se, mas se, de repente, o zurrador (perdão, o pregador), como aliás é frequente, começa a contar uma história de comadres, toda a gente desperta e presta a maior das atenções.
Como é fácil essa felicidade! Os conhecimentos mais fúteis, como a gramática por exemplo, adquirem-se à custa de grande esforço, enquanto a opinião se forma com grande facilidade, contribuindo tanto ou talvez mais para a felicidade. Se um homem come toucinho rançoso, de que outro nem o cheiro pode suportar, com o mesmo prazer com que comeria ambrósia, que tem isso a ver com a felicidade? Se, pelo contrário, o esturjão causa náuseas a outro, que temos nós com isso? Se uma mulher, horrivelmente feia, parece aos olhos do marido semelhante a Vénus, para o marido é o mesmo do que se ela fosse bela.
A Alvorada do Amor
Um horror grande e mudo, um silêncio profundo
No dia do Pecado amortalhava o mundo.
E Adão, vendo fechar-se a porta do Éden, vendo
Que Eva olhava o deserto e hesitava tremendo,
Disse:“Chega-te a mim! entra no meu amor,
E à minha carne entrega a tua carne em flor!
Preme contra o meu peito o teu seio agitado,
E aprende a amar o Amor, renovando o pecado!
Abençôo o teu crime, acolho o teu desgosto,
Bebo-te, de uma em uma, as lágrimas do rosto!Vê! tudo nos repele! a toda a criação
Sacode o mesmo horror e a mesma indignação…
A cólera de Deus torce as árvores, cresta
Como um tufão de fogo o seio da floresta,
Abre a terra em vulcões, encrespa a água dos rios;
As estrelas estão cheias de calefrios;
Ruge soturno o mar; turva-se hediondo o céu…Vamos! que importa Deus? Desata, como um véu,
Sobre a tua nudez a cabeleira! Vamos!
Arda em chamas o chão; rasguem-te a pele os ramos;
Morda-te o corpo o sol; injuriem-te os ninhos;
Surjam feras a uivar de todos os caminhos;
A mulher é a esfinge do homem.
Nenhuma mulher gosta de usar um vestido usado por outra; com os homens, não são tão selectivas.
Deixemos as belas mulheres aos homens sem imaginação.
Como Nasce o Amor?
Nem eu nem vós sabemos como nasce o amor. Em fisiologia, que é a ciência do homem físico, não se sabe. A psicologia também não diz nada a este respeito. Os romances, que são os mais amplos expositores da matéria, não avançam cousa nenhuma ao que está dito desde Labão e Rachel até á neta do arcediago e o filho de Ricarda.
Dizer que o amor é a sensualidade, além de grosseira definição, é falsidade desmentida pela experiência. Há um amor que não rasteja nunca no raso estrado das propensões orgânicas.
Dizer que o amor é uma operação puramente espiritual é um devaneio de visionários, que trazem sempre as mulheres pelas estrelas, ao mesmo tempo que elas, gravitando materialmente para o centro do globo, comem e bebem á maneira dos mortais, e até das divindades do cantor de Aquiles.
Eu conheço homens, sem faísca de espírito, que se abrazam tocados pelo amor como o fósforo em presença do ar. Eis aqui um fenómeno eminentemente importante. Ele, só, sustenta em tese que o amor não tem nada com o corpo nem com o espirito. Eu creio que é um fluido. É pena, porém, que eu não saiba o que é fluido para me dar aqui uns ares pedantescos,