Em Defesa da LĂngua Portuguesa
Desta audĂĄcia, Senhor, deste descĂŽco
Que entre nĂłs, sem limite, vai lavrando,
Quem mais sente as terrĂveis conseqĂŒĂȘncias
Ă a nossa portuguĂȘs, casta linguagem,
Que em tantas traduçÔes anda envasada
(TraduçÔes que merecem ser queimadas!)
Em mil termos e frases galicanas!
Ah! se, as marmĂłreas campas levantando,
SaĂssem dos sepulcros, onde jazem
Suas honradas cinzas, os antigos
Lusitanos varÔes, que, com a penaOu com a espada e lança, a Påtria ornaram;
Os novos idiotismos escutando,
A mesclada dição, bastardos termos
Com que enfeitar intentam seus escritos
Estes novos, ridĂculos autores;(Como se a bela e fĂ©rtil lĂngua nossa,
PrimogĂȘnita filha da Latina,
Precisasse de estranhos atavios)
SĂșbito, certamente pensariam
Que nos sertÔes estavam de Caconda,
Quilimane, Sofala ou Moçambique;
Até que, jå, por fim, desenganadosQue eram em Portugal, que os Portugueses
Eram tambĂ©m os que costumes, lĂngua,
Por tĂŁo estranhos modos afrontaram,
Segunda vez, de pejo, morreriam.
Passagens sobre Linguagem
231 resultadosO Ănico Movimento PoĂ©tico Moderno
O Ășnico movimento poĂ©tico que me parece moderno Ă© o Experimentalismo. E estou a referir-me tanto ao nosso paĂs como Ă poesia em geral. Os meus interesses estĂŁo de tal modo virados para ela que me Ă© quase impossĂvel dar atenção Ă poesia convencional, por mais notĂĄvel que seja, dentro dos seus recursos e propĂłsitos. Quanto ĂĄs expressĂ”es «formal», «conceptual», «estĂ©tico» e «humano», (…) nada tenho a dizer. Representam conceitos nĂŁo integrĂĄveis, desse modo, no meu processo de pensamento. Em poesia, formal, conceptual, estĂ©tico e humano significam, conjuntamente, «linguagem». E poesia, como diria certo crĂtico norte-americano, Ă© linguagem. Isolar o implĂcito, explicitando-o, servirĂĄ apenas para estabelecer um sistema insolĂșvel de situaçÔes.
Fomos Deixando de Escutar
Me entristece o quanto fomos deixando de escutar. DeixĂĄmos de escutar as vozes que sĂŁo diferentes, os silĂȘncios que sĂŁo diversos. E deixĂĄmos de escutar nĂŁo porque nos rodeasse o silĂȘncio. FicĂĄmos surdos pelo excesso de palavras, ficĂĄmos autistas pelo excesso de informação. A natureza converteu-se em retĂłrica, num emblema, num anĂșncio de televisĂŁo. Falamos dela, nĂŁo a vivemos. A natureza, ela prĂłpria, tem que voltar a nascer. E quando voltar a nascer teremos que aceitar que a nossa natureza humana Ă© nĂŁo ter natureza nenhuma. Ou que, se calhar, fomos feitos para ter todas as naturezas.
Falei dos pecados da Biologia. Mas eu nĂŁo trocaria esta janela por nenhuma outra. A Biologia ensinou-me coisas fundamentais. Uma delas foi a humildade. Esta nossa ciĂȘncia me ajudou a entender outras linguagens, a fala das ĂĄrvores, a fala dos que nĂŁo falam. A Biologia me serviu de ponte para outros saberes. Com ela entendi a Vida como uma histĂłria, uma narrativa perpĂ©tua que se escreve nĂŁo em letras mas em vidas.
A Biologia me alimentou a escrita literĂĄria como se fosse um desses velhos contadores nĂŁo de histĂłrias mas de sabedorias. E reconheci liçÔes que jĂĄ nos tinham sido passadas quando ainda nĂŁo tĂnhamos sido dados Ă luz.
Falhamos ao traduzir exactamente o que se sente na nossa alma: o pensamento continua a nĂŁo poder medir-se com a linguagem.
A Originalidade
Eu nĂŁo acredito na originalidade. Ă mais um feitiço na nossa Ă©poca de vertiginoso desmoronamento. Creio na personalidade atravĂ©s de qualquer linguagem, de qualquer forma, de qualquer sentido da criação artĂstica. Mas a originalidade delirante Ă© uma invenção moderna e um vigĂĄrio eleitoral. NĂŁo falta quem queira fazer-se eleger Primeiro Poeta do seu paĂs, da sua lĂngua ou do mundo. Correm, entĂŁo, em busca de eleitores, insultam quem aparente possibilidades de lhes disputar o ceptro e, desse modo, a poesia transforma-se numa mascarada. No entanto, Ă© essencial conservar a direcção Ăntima, manter o controlo do crescimento que a natureza, a cultura e a vida social asseguram ao desenvolvimento das excelĂȘncias do poeta.
Os escritores mais verdadeiros sĂŁo aqueles que vĂȘem a linguagem nĂŁo como um processo linguĂstico, mas como um elemento vivo.
A linguagem Ă© a expressĂŁo adequada de todas as realidades?
As Vozes do SilĂȘncio
As estĂĄtuas de OlĂmpia, que tanto contribuem para nos ligar Ă GrĂ©cia, alimentam contudo tambĂ©m, no estado em que chegaram atĂ© nĂłs – esbranquiçadas, quebradas, isoladas da obra integral -, um mito fraudulento da GrĂ©cia, nĂŁo sabem resisitir ao tempo como um manuscrito, mesmo incompleto, rasgado, quase ilegĂvel. O texto de HerĂĄclito lança-nos clarĂ”es como nenhuma estĂĄtua em pedaços pode fazer, porque o significado Ă© nele deposto de maneira diferente, Ă© concentrado de forma diferente do que estĂĄ concentrado nelas, e porque nada iguala a ductilidade da palavra. Enfim, a linguagem diz, e as vozes da pintura sĂŁo as vozes do silĂȘncio.
Da ResistĂȘncia
Cantarei versos de pedras.
Não quero palavras débeis
para falar do combate.
Só peço palavras duras,
uma linguagem que queime.Pretendo a verdade pura:
a faca que dilacere,
o tiro que nos perfure,
o raio que nos arrase.Prefiro o punhal ou foice
Ă s palavras arredias.
NĂŁo darei a outra face.
Ao desenvolver a linguagem enriquecendo o significado das palavras, o poeta estĂĄ tornando possĂvel uma gama muito mais ampla de emoçÔes e percepçÔes para outros homens, porque lhes dĂĄ a fala na qual Ă© possĂvel expressar-se melhor.
Antes do Nome
NĂŁo me importa a palavra, esta corriqueira.
Quero Ă© o esplĂȘndido caos de onde emerge a sintaxe,
os sĂtios escuros onde nasce o «de», o «aliĂĄs»,
o «o», o «porĂ©m» e o «que», esta incompreensĂvel
muleta que me apoia.
Quem entender a linguagem entende Deus
cujo Filho Ă© Verbo. Morre quem entender.
A palavra Ă© disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,
foi inventada para ser calada.
Em momentos de graça, infrequentĂssimos,
se poderĂĄ apanhĂĄ-la: um peixe vivo com a mĂŁo.
Puro susto e terror.