Esconde teu pranto, só mostres ao mar. Pois o teu doce amor, pode um dia voltar!…
Passagens sobre Mar
921 resultadosEstamos todos num mesmo barco em mar tempestuoso e devemos uns aos outros uma terrível lealdade.
A América é ingovernável; aquele que serve a uma revolução ara o mar.
Não Fora o Mar!
Não fora o mar,
e eu seria feliz na minha rua,
neste primeiro andar da minha casa
a ver, de dia, o sol, de noite a lua,
calada, quieta, sem um golpe de asa.Não fora o mar,
e seriam contados os meus passos,
tantos para viver, para morrer,
tantos os movimentos dos meus braços,
pequena angústia, pequeno prazer.Não fora o mar,
e os seus sonhos seriam sem violência
como irisadas bolas de sabão,
efémero cristal, branca aparência,
e o resto — pingos de água em minha mão.Não fora o mar,
e este cruel desejo de aventura
seria vaga música ao sol pôr
nem sequer brasa viva, queimadura,
pouco mais que o perfume duma flor.Não fora o mar
e o longo apelo, o canto da sereia,
apenas ilusão, miragem,
breve canção, passo breve na areia,
desejo balbuciante de viagem.Não fora o mar
e, resignada, em vez de olhar os astros
tudo o que é alto, inacessível, fundo,
cimos, castelos, torres, nuvens, mastros,
iria de olhos baixos pelo mundo.
No Meu Peito Arde Em Chamas Abrasada
No meu peito arde em chamas abrasada
A pira da vingança reprimida,
E em centelhas de raiva ensurdecida
A vingança suprema e concentrada.E espuma e ruge a cólera entranhada,
Como no mar a vaga embravecida
Vai bater-se na rocha empedernida,
Espumando e rugindo em marulhada.Mas se das minhas dores ao calvário,
Eu subo na atitude dolorida
De um Cristo a redimir um mundo vário,Em luta co’a natura sempiterna,
Já que do mundo não vinguei-me em vida,
A morte me será vingança eterna.
Mysticismo Humano
A alma é como a noute escura, immensa e azul,
Tem o vago, o sinistro, e os canticos do sul,
Como os cantos d’amor serenos das ceifeiras
Que cantam ao luar, á noute pelas eiras…
Ás vezes vem a nevoa á alma satisfeita,
E cae sombria, vaga, e meuda e desfeita…
E como a folha morta em lagos somnolentos
As nossas illusões vão-se nos desalentos!Tem um poder immenso as Cousas na tristeza!
Homem! conheces tu o que é a natureza?…
– É tudo o que nos cerca – é o azul, o escuro,
É o cypreste esguio, a planta, o cedro duro,
A folha, o tronco a flor, os ramos friorentos,
É a floresta espessa esguedelhada aos ventos;
Não entra o vicio aqui com beijos dissolutos,
Nem as lendas do mal, nem os choros dos lutos!…– E os que viram passar serenos os seus dias…
E curvados se vão, ás longas ventanias,
Cheio o peito de sol, atravez das florestas,
Á calma do meio dia… e dormiam as sestas,
Tranquillos sobre a eira, entre as hervas nas leivas…
Maio de Minha Mãe
O primeiro de Maio de minha Mãe
Não era social, mas de favas e giestas.
Uma cadeira de pau, flor dos dedos do Avô
— Polimento, esquadria, engrade, olhá-la ao longe —
Dava assento a Florália, o meu primeiro amor.Já não se usa poesia descritiva,
Mas como hei-de falar da Maromba de Maio
Ou, se era macho, do litro de vinho na sua mão?
O primeiro de Maio nas Ilhas, morno como uma rosa,
Algodoado de cúmulos, lento no mar e rapioqueiro
Como Baco em Camões,
Límpido de azeviche
E, afinal de contas, do ponto de vista proletário,
Mais de mãos na algibeira do que Lenine em Zurich.
(Porque foi por esta época: eu é que não sabia!)A minha Maromba tinha barriga de palha como as massas
E a foice roçadoira da erva das cabras do Ribeiro
Que se pegou, esquecida, no banco do martelo de meu Avô
Cujas quedas iguais, gravíficas, profundasMuito prego em cunhal deixaram,
Muita madeira emalhetaram,
Muita estrela atraíram ao bico da foice do Ribeiro
Nas noites de luar em que roçava erva às cabras.
Penso: talvez o céu seja um mar grande de água doce e talvez a gente não ande debaixo do céu mas em cima dele; talvez a gente veja as coisas ao contrário e a terra seja como um céu e quando a gente morre, quando a gente morre, talvez a gente caia e se afunde no céu.
Gaivota
Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.Que perfeito coração
morreria no meu peito morreria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.
Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu.
Lágrima
Orvalho do sofrer – dentro do peito nasce
e nos olhos em pranto sem querer floresce;
aumenta a pouco e pouco, e cada vez mais cresce…
– e rola finalmente em gotas pela face…sublime florescer da dor… se ela falasse
diria para o mundo a mais sentida prece,
no entanto, em seu silencio humilde é que enternece
pois guarda na mudez um triste desenlace…Repentina, ela brota, assim como se fosse
( de um mar que em nosso peito as ondas estugisse)
uma gota que o vento, aos nossos olhos, trouxe…Nuns olhos de mulher, porém, ainda não disse:
– é a pérola de um mar completamente doce,
de um mar feito de amor… de sonho e de meiguice!
Apocalipse
Porque a lua é branca e a noite
é simples anúncio da aurora;
e porque o mar é o mar apenas
e a fonte não canta nem chora;e porque o sal se decompõe
e são de água e carvão as rosas,
e a luz é simples vibração
que excita células nervosas;e porque o som fere os ouvidos
e o vento canta na harpa eólia;
e porque a terra gera os áspides
entre a papoula e magnólia;e porque o trem já vai partir
e o corvo nos diz never more;
e porque devemos sorrir
antes que o crepúsculo descore;e porque ontem já não existe
e o que há de vir não mais virá,
e porque estamos num balé
sobre o estopim da Bomba H:não marcharemos contra o muro
das lamentações, prantear
a frustração de tudo o que
sonhamos ousar, sem ousar.Títeres mudados em gnomos,
enfrentemos o Apocalipse
como pilotos da tormenta
entre o terremoto e o eclipse.Vamos dançar sobre o convés
enquanto o barco não aderna;
O mar é a inexorável escuridão social a que a penalidade arremessa seus condenados. O mar é a imensa miséria!
Só se Pode Ser Feliz Simplificando
Só se pode ser feliz simplificando, simplificando sempre, arrancando, diminuindo, esmagando, reduzindo; e a inteligência cria em volta de nós um mar imenso de ondas, de espumas, de destroços, no meio do qual somos depois o náufrago que se revolta, que se debate em vão, que não quer desaparecer sem estreitar de encontro ao peito qualquer coisa que anda longe: raio de sol em reflexo de estrelas. E todos os astros moram lá no alto.
Da Mais Alta Janela da Minha Casa
Da mais alta janela da minha casa
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a Humanidade.
E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor,
Nem o rio esconder que corre,
Nem a árvore esconder que dá fruto.
Ei-los que vão já longe como que na diligência
E eu sem querer sinto pena
Como uma dor no corpo.
Quem sabe quem os terá?
Quem sabe a que mãos irão?
Flor, colheu-me o meu destino para os olhos.
Árvore, arrancaram-me os frutos para as bocas.
Rio, o destino da minha água era não ficar em mim.
Submeto-me e sinto-me quase alegre,
Quase alegre como quem se cansa de estar triste.
Ide, ide de mim!
Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.
Murcha a flor e o seu pó dura sempre.
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi
sua.
Passo e fico,
As virtudes perdem-se no interesse, tal como os rios no mar.
Responso
I
Num castelo deserto e solitário,
Toda de preto, às horas silenciosas,
Envolve-se nas pregas dum sudário
E chora como as grandes criminosas.Pudesse eu ser o lenço de Bruxelas
Em que ela esconde as lágrimas singelas.II
É loura como as doces escocesas,
Duma beleza ideal, quase indecisa;
Circunda-se de luto e de tristezas
E excede a melancólica Artemisa.Fosse eu os seus vestidos afogados
E havia de escutar-lhe os seu pecados.III
Alta noite, os planetas argentados
Deslizam um olhar macio e vago
Nos seus olhos de pranto marejados
E nas águas mansíssimas do lago.Pudesse eu ser a Lua, a Lua terna,
E faria que a noite fosse eterna.IV
E os abutres e os corvos fazem giros
De roda das ameias e dos pegos,
E nas salas ressoam uns suspiros
Dolentes como as súplicas dos cegos.Fosse eu aquelas aves de pilhagem
E cercara-lhe a fronte, em homenagem.V
E ela vaga nas praias rumorosas,
Triste como as rainhas destronadas,
Assim, Sem Nada Feito e o Por Fazer
Assim, sem nada feito e o por fazer
Mal pensado, ou sonhado sem pensar,
Vejo os meus dias nulos decorrer,
E o cansaço de nada me aumentar.Perdura, sim, como uma mocidade
Que a si mesma se sobrevive, a esperança,
Mas a mesma esperança o tédio invade,
E a mesma falsa mocidade cansa.Tênue passar das horas sem proveito,
Leve correr dos dias sem ação,
Como a quem com saúde jaz no leito
Ou quem sempre se atrasa sem razão.Vadio sem andar, meu ser inerte
Contempla-me, que esqueço de querer,
E a tarde exterior seu tédio verte
Sobre quem nada fez e nada quere.Inútil vida, posta a um canto e ida
Sem que alguém nela fosse, nau sem mar,
Obra solentemente por ser lida,
Ah, deixem-se sonhar sem esperar!
Entardecer
Sol-posto ungindo o mar: incensos de ouro!
Recolhe funda a tarde em sonho e mágoa.
Surdina fluida: anda o silêncio a orar –
E há crepúsculos de asas e, na água,
O céu é mármore extático a cismar!E nas faces marmóreas dos rochedos
Esboçam-se perfis,
– Cintilações,
Penumbra de segredos!Ó painéis de nuvens sobre a terra,
Ogivas delirantes
Na água refractando…
Encheis de sombra o mar de espumas rasas,
Iniciando
A hora pânica das asas!E, à meia luz da tarde,
Na areia requeimada,
São vultos sonolentos
As proas dos navios…Ó tristeza dos balões
Iluminando,
Na água prateada,
Os pegos e baixios…Dormentes constelações
Que, em fundos lacustres
E musgosos,
Pondes reverberações
Em nossos olhos ansiosos.Ó tardes de aquático esplendor,
Descendo em meu olhar!Num sonho de regresso,
Numa ânsia de voltar,
Em mim todo me esqueço
E fico-me a cismar.A tarde é toda um sonho moribundo.
É já olor da cor que amorteceu.
Timidez
Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve. . .— mas só esse eu não farei.
Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes..— palavra que não direi.
Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,— que amargamente inventei.
E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
até não se sabe quando…— e um dia me acabarei.