Eternidade não era só o tempo, mas algo como a certeza enraizadamente profunda de não poder contê-lo no corpo por causa da morte; a impossibilidade de ultrapassar a eternidade era eternidade; e também era eterno um sentimento em pureza absoluta, quase abstracto.
Passagens sobre Morte
1650 resultadosA morte é uma surpresa que o inconcebível faz ao concebível.
Pensamento em Boa Forma
Cumpre-nos não só averiguar porque se gasta a vida, dia após dia, e o pouco que resta à proporção vai diminuindo. Pensemos também no seguinte: supondo que a um homem toque viver longa vida, uma questão permanece escura: a de saber se a sua inteligência será capaz, tempo adiante, sem defecção, de compreender os problemas e a teoria que apontam ao conhecimento das coisas divinas e humanas. Se ele pega a cair em estado de infantilidade, a respiração, a alimentação, a imaginação, os gestos impulsivos e as outras funções do mesmo género não lhe faltarão necessariamente; mas dispor de si, obtemperar exactamente a todas as exigências morais, analisar as aparências, ver se não será já tempo de entrouxar e ir para melhor estão à altura de responder a necessidades desta ordem – para tudo isso se necessita de um raciocínio em boa forma; e o raciocínio, há que tempos perdeu a chama e a agudeza. Cumpre-nos pois andar ligeiros, não só porque a morte se avizinha a cada momento mas ainda porque antes de morrer perdemos a capacidade de conceber as coisas e de lhes prestar atenção.
A morte é a coroa de todos na terra.
Tempo É Já Que Minha Confiança
Tempo é já que minha confiança
se desça de üa falsa opinião;
mas Amor não se rege por razão;
não posso perder, logo, a esperança.A vida, si; que üa áspera mudança
não deixa viver tanto um coração.
E eu na morte tenho a salvação?
Si, mas quem a deseja não a alcança.Forçado é logo que eu espere e viva.
Ah! dura lei de Amor, que não consente
quietação nüa alma que é cativa!Se hei de viver, enfim, forçadamente,
para que quero a glória fugitiva
de üa esperança vã que me atormente?
Sopra o Sonho
Sopra o sonho por dentro
Das pálpebras em viagem
Enceta o curso habitual nocturno
Num corredor sombrio de pestanasAntes porém cumprimenta
Toda a matéria viva em que tropeça
Sabe o segredo do corpo tem uma pátria
Bioquímica extremamente embrionáriaA morte já habita os seus tecidos
Quando os outros de guarda se abastecem
Pronta ao assalto das células
Como se dormisseA que fins se destina e a que estranhos
bulícios suas últimas vontades?Não o sabemos
Só mesmo o oceano o incomoda
Eu Planto no Teu Corpo
Como se arrasta no sol morno um verme
Por sobre a polpa de uma fruta, eu durmo
A tua carne e sinto o teu contorno
Entre os meus braços como um fruto morno.E a minha boca sobre a pele, um verme,
Vai percorrendo o teu sorriso, e torno
Ao longo do nariz, depois contorno
Os teus olhos fechados por querer-me.E desço o teu pescoço, feito um mono,
Para os teus seios mornos, como um verme
Por sobre os frutos prontos para o tombo.Vertendo a unção da morte nos teus membros,
E estremecendo numa cruz de febre,
Eu planto no teu corpo a flor de um pombo.
Um Infinito Domingo à Tarde
Regra geral, um ser humano agora vive tanto que acaba por arrastar muito mais penas do que as que lhe dizem respeito, e isso acaba por notar-se-lhe no rosto. Uma das consequências da crescente longevidade do habitante das sociedades desenvolvidas, em que, por outro lado, não se costuma pensar demasiado, é que, contrariamente ao que sucedia há algumas décadas, os velhos de hoje têm tempo para assistir à devastação da vida dos filhos, veem-nos praticamente envelhecer, fracassar, cansar-se da luta. Antes, na hora da morte dos pais, os filhos eram ainda fortes, tinham projetos, mulheres bonitas, um futuro aparentemente luminoso. Agora é fácil que um avô contemple antes de morrer o divórcio do neto (vê-o aos domingos sentar-se à mesa na casa da família, sem um cêntimo, com a camisa amarrotada), enquanto no mundo anterior a este, por razões de tempo, o neto não era mais do que uma criança que às vezes ia buscar ã escola, a quem dava a mão no regresso a casa e ajudava a conseguir nos alfarrabistas os cromos que lhe faltavam na sua coleção de futebolistas. Hoje, o velho que morre não abandona um mundo em marcha cheio de projetos e promessas, como sucedia dantes,
A realidade não é linear: amanhã não estaremos mais próximo da morte do que estamos hoje. É o que faço que me aproxima ou me distancia.
Quem pode morrer honradamente deve morrer;
Porque, para continuar nesta vida triste,
Chega-se ao mesmo tempo à morte e à vergonha
Com frequência e facilidade.
Não é a morte o que impressiona, é o morrer.
A morte é doce para quem a vida é amarga.
Portanto, hipocritamente os velhos invocam a morte,
e criticam a velhice e a longa duração da vida:
quando a morte se aproxima, ninguém quer
morrer, a velhice não pesa mais.
O trabalho do pensamento humano deve resistir ao teste da realidade núa e brutal. Se não consegue, é inútil. Provavelmente apenas valem a pena as coisas que preservam a sua validade aos olhos de um homem ameaçado de morte instantânea.
Lamentação dos Filhos
Do infinito nascemos
para um termo preciso.
De infindas, as penas,
de vago, o aviso.Nados mornos, frágeis,
de entre dois gemidos.
Quando a morte, a eterna?
Quando o Conhecido?Que isto já nos cansa,
a nós, os malformados,
desde a distante infância
frutos destinados.Somos os que a vida
fez limite amargo.
De infindas, só as penas,
de vago, o aviso vago.
Soneto XX
Duvidam se a escultura é mais perfeita
Ou se a pintura, que esta da cor fina
E sombras se orna, aquela mais se assina
Quanto mais desbastada e mais desfeita.Mas se ua estátua houver despois de feita
Das cores, da pintura e sombras dina,
Como obra nunca vista e perigrina,
Quão fermosa seria, e quanto aceita.Esta sois meu Jesus, onde não falta
Sombra e cor da Pintura, e de tal sorte
Que à escultura sereis novo modelo:Disfeita a carne, o sangue vos esmalta
Sombras, sobre as de açoutes, as da morte
E sobre tudo, sobre todos belo.
A fama é para os homens como os cabelos – cresce depois da morte, quando já lhe é de pouca serventia.
Encarar a Morte
É talvez sinal de prisão ao mundo dos fenómenos o terror e a dor ante a chegada da morte ou a serena mas entristecida resignação com que a fizeram os gregos uma doce irmã do sono; para o espírito liberto ela deve ser, como o som e a cor, falsa, exterior e passageira; não morre, para si próprio nem para nós, o que viveu para a ideia e pela ideia, não é mais existente, para o que se soube desprender da ilusão, o que lhe fere os ouvidos e os olhos do que o puro entender que apenas se lhe apresenta em pensamento; e tanto mais alto subiremos quando menos considerarmos a morte como um enigma ou um fantasma, quanto mais a olharmos como uma forma entre as formas.
Acendimento
Seria bom sentir no quarto qualquer música
enquanto nos banham os perfis ateados
pelo aroma da tília, sem voz, em abandono.
A entrada por detrás das ruas principais
onde a morrinha parece que nem molha
e se chega perdido onde se vai.
Não, não é só um beijo que te quero dar.Quantas vezes nesta hora de desvalimento
vejo orion e as plêiades devagar no céu de inverno.
Mas hoje
com a calma inesperada de chuvas que não cessam
acordo já depois. Caí numa hibernação que não norteia
o desequilíbrio do sentimento.Espelhos sem paz tocam-nos no rosto.
Na cega mancha de roupagem aconchego
cada intempérie com sua mentira
e depois sigo pela torrente, pelo enredo
dos outeiros, cada espelho continua
a caução pacificadora do engano.
É isso que te levo, isso que me dás
quando dizes, já sem o dizeres, eu amo-te.Pela berma da humidade cerrada
um risco de mercúrio trespassa.
Na gravilha passos que não há
esmagam a música que ninguém escuta.
Sabiam de cor tudo o que falhava,
Tentei fugir da mancha mais escura
Tentei fugir da mancha mais escura
que existe no teu corpo, e desisti.
Era pior que a morte o que antevi:
era a dor de ficar sem sepultura.Bebi entre os teus flancos a loucura
de não poder viver longe de ti:
és a sombra da casa onde nasci,
és a noite que à noite me procura.Só por dentro de ti há corredores
e em quartos interiores o cheiro a fruta
que veste de frescura a escuridão…Só por dentro de ti rebentam flores.
Só por dentro de ti a noite escuta
o que me sai, sem voz, do coração.