Um País de Canalhas
Pensar Portugal. Nós somos um país de «elites», de indivíduos isolados que de repente se põem a ser gente. Nós somos um país de «heróis» à Carlyle, de excepções, de singularidades, que têm tomado às costas o fardo da nossa história. Nós não temos sequer núcleos de grandes homens. Temos só, de longe em longe, um original que se levanta sobre a canalhada e toma à sua conta os destinos do país. A canalhada cobre-os de insultos e de escárnio, como é da sua condição de canalha. Mas depois de mortos, põe-os ao peito por jactância ou simplesmente ignora que tenham existido. Nós não somos um país de vocações comuns, de consciência comum. A que fomos tendo foi-nos dada por empréstimo dos grandes homens para a ocasião. Os nossos populistas é que dizem que não. Mas foi. A independência foi Afonso Henriques, mas sem patriotismo que ainda não existia. Aljubarrota foi Nuno Álvares. Os descobrimentos foi o Infante, mas porque o negócio era bom. O Iluminismo foi Verney e alguns outros, para ser deles todos só Pombal. O liberalismo foi Mouzinho e a França. A reacção foi Salazar. O comunismo é o Cunhal. Quanto à sarrabulhada é que é uma data deles.
Passagens sobre Ocasião
189 resultadosLVII
Bela imagem, emprego idolatrado,
Que sempre na memória repetido,
Estás, doce ocasião de meu gemido,
Assegurando a fé de meu cuidado.Tem-te a minha saudade retratado;
Não para dar alívio a meu sentido;
Antes cuido; que a mágoa do perdido
Quer aumentar coa pena de lembrado.Não julgues, que me alento com trazer-te
Sempre viva na idéia; que a vingança
De minha sorte todo o bem perverte.Que alívio em te lembrar minha alma alcança,
Se do mesmo tormento de não ver-te,
Se forma o desafogo da lembrança ?
O Cinismo dos Valores
Cada vez mais desesperado. Olho, olho, e só vejo negrura à minha volta. Fé? Evidentemente… Enquanto há vida, há esperança — lá diz o outro. Mas, francamente: fé em quê? Num mundo que almoça valores, janta valores, ceia valores, e os degrada cinicamente, sem qualquer estremecimento da consciência? Peçam-me tudo, menos que tape os olhos. Bem basta quando a terra mos cobrir! — Ah! mas a humanidade acaba por encontrar o seu verdadeiro caminho — dizem-me duas células ingénuas do entendimento. E eu respondo-lhes assim : Não, o homem não tem caminhos ideais e caminhos de ocasião. O homem tem os caminhos que anda. Ora este senhor, aqui há tempos, passou três séculos a correr atrás dum mito que se resumia em queimar, expulsar e perseguir uns outros homens, cujo pecado era este: saber filosofia, medicina, física, astronomia, religião, comércio — coisas que já nessa época eram dignas e respeitáveis.
As ocasiões são difíceis de alcançar e fáceis de perder.
Foi melhor assim. Tinha de acabar. Pois então por que diabo não acabara mesmo naquela ocasião no banco da Praça Para se sentir cada vez mais infeliz por uma coisa que não teria nunca
Amizade na Empatia Divergente
As pessoas que mais admiro são aquelas que melhor divergem da minha pessoa. Claro está, só se diverge de outrem dentro do que nos é comum. Porque há quem nada tenha de comum connosco, nem sequer a própria existência e a mesma humanidade. E não esqueçamos que o espaço e o tempo são aparências por nós fabricadas para dar passo ao espírito e não lenha para nos queimarmos. Ao mesmo tempo e no mesmo espaço podem juntar-se as pessoas mais alheias entre si e como não acontece na História em tempos e espaços diferentes. A universalidade humana é tão vária que pode um satisfazer inteiramente a sua e sem que lhe passe sequer pela cabeça a de outro que satisfaça também completamente a dele.
O tempo de cada qual é o justo para si. Não é dado a ninguém a ocasião da polícia do tempo de outrem. De modo que à porta da nossa intimidade havemos de pôr a admiração por aquele que vai entrar, tanto em quanto diverge como em quanto coincide connosco. Por outras palavras: não vale mais o nosso mistério do que o de outro qualquer. Só o mistério chega inteiro ao fim.
O Verdadeiro e o Falso Ciúme
O ciúme é uma espécie de temor, que se relaciona com o desejo de conservarmos a posse de algum bem; e não provém tanto da força das razões que levam a julgar que podemos perdê-lo, como da grande estima que temos por ele, a qual nos leva a examinar até os menores motivos de suspeita e a tomá-los por razões muito dignas de consideração.
E como devemos empenhar-nos mais em conservar os bens que são muito grandes do que os que são menores, em algumas ocasiões essa paixão pode ser justa e honesta. Assim, por exemplo, um chefe de exército que defende uma praça de grande importãncia tem o direito de ser zeloso dela, isto é, de suspeitar de todos os meios pelos quais ela poderia ser assaltada de surpresa; e uma mulher honesta não é censurada por ser zelosa de sua honra, isto é, por não apenas abster-se de agir mal como também evitar até os menores motivos de maledicência.
Mas zombamos de um avarento quando ele é ciumento do seu tesouro, isto é, quando o devora com os olhos e nunca quer afastar-se dele, com medo que ele lhe seja furtado; pois o dinheiro não vale o trabalho de ser guardado com tanto cuidado.
Há ocasiões em que não se sabe quem é o nosso inimigo e quem virá a sê-lo.
A Difícil Escada do Mérito
Que terrível trabalho tem um homem, sem padrinhos e sem cabala, sem estar escrito em nenhuma corporação, sendo sozinho e só tendo por recomendação um grande mérito, para fazer luz sobre a obscuridade em que se encontra, e chegar ao nível de um tolo bem cotado! Quase ninguém percebe por si mesmo o mérito dos outros. Os homens esão demasiado ocupado consigo mesmos para ter tempo de compreender e discernir os outros: daí o facto de que com grande mérito e modéstia ainda maior poder-se ficar muito tempo ignorado.
O génio e os grandes talentos muitas vezes faltam, às vezes também faltam apenas as ocasiões: alguns podem ser louvado pelo que fizeram, outros pelo que teriam feito. É menos raro encontrar espírito, do que pessoas que se sirvam do seu, ou façam valer o dos outros e o utilizem em alguma coisa.
Há mais ferramentas do que operários, e entre estes, há mais maus que excelentes: que pensar de quem queira serrar com uma plaina e tome o serrote para aplainar?
Não há no mundo trabalho mais penoso que o de fazer nome ilustre: a vida acaba quando apenas se esboçou a obra.
Os Altos e Baixos da Vida
Há certos momentos das nossas vidas (e eu tinha a sorte de já ter experimentado os extremos do espectro), tão felizes ou tão desgraçados que a ideia de altos & baixos desaparece. Em ocasiões semelhantes, todo o ambiente à nossa volta é tão homogéneo, seja translúcido ou opaco, que nos impede de ter uma percepção correcta do lugar em que nos encontramos. Há momentos em que subimos tanto que não é possível manter-se a noção de altitude. Por outro lado, há momentos em que tudo corre tão mal que a ideia de que existe um mundo lá em cima nos abandona e a tristeza deixa de pesar, como se as leis universais ficassem suspensas, à espera de que a nossa vida se resolva para só então voltarem a impor a sua serena e inquestionável autoridade.
Não é para Alarde que Devemos Desempenhar o Nosso Papel
Quem só é homem de bem porque os outros o ficarão a saber e porque o estimarão mais depois de o ficarem a saber, quem só quer agir bem na condição da sua virtude chegar ao conhecimento dos homens não é homem de quem possamos obter grandes serviços.
(…) Não é para alarde que a nossa alma deve desempenhar o seu papel; é dentro de nós, no íntimo, aonde outros olhos não chegam excepto os nossos: ali ela nos protege do temor da morte, das dores e mesmo da desonra; tranquiliza-nos contra a perda dos nossos filhos, dos nossos amigos e das nossas fortunas, e, quando a ocasião se apresenta, também nos conduz para os acasos da guerra. Não por algum proveito, mas pela honra da própria virtude (Cícero). Esse proveito é muito maior e muito mais digno de ser desejado e esperado do que as honras e a glória, que são apenas um julgamento favorável que fazem de nós.
É preciso seleccionar de uma nação inteira uma dúzia de homens para julgar sobre uma jeira de terra; e entregamos o julgamento das nossas inclinações e das nossas acções – a matéria mais difícil e mais importante que existe –
Soltar os demônios pode ser muito educativo em certas ocasiões.
Aonde Pode Levar a Sinceridade
Alguém tinha o mau hábito de se exprimir, de quando em quando, com toda a franqueza acerca dos motivos pelos quais agia, e que eram tão bons ou tão maus como os motivos de todas as pessoas. Primeiro, causou escândalo, depois suspeita, pouco a pouco foi terminantemente proscrito e banido da sociedade, até que, por fim, a justiça se recordou de um ser tão abjecto em ocasiões, em que ela não costumava ter olhos ou os fechava. A falta de mutismo quanto ao segredo geral e a irresponsável propensão para ver o que ninguém quer ver – a si próprio – levaram-no à prisão e a uma morte prematura.
O primeiro motivo por que se está disposto a ajudar outro nas devidas ocasiões é a alta apreciação que se tem de si mesmo.
A Uma Dama Dormindo Junto A Uma Fonte
À margem de uma fonte, que corria,
Lira doce dos pássaros cantores
A bela ocasião das minhas dores
Dormindo estava ao despertar do dia.Mas como dorme Sílvia, não vestia
O céu seus horizontes de mil cores;
Dominava o silêncio entre as flores,
Calava o mar, e rio não se ouvia,Não dão o parabém à nova Aurora
Flores canoras, pássaros fragrantes,
Nem seu âmbar respira a rica Flora.Porém abrindo Sílvia os dois diamantes,
Tudo a Sílvia festeja, tudo adora
Aves cheirosas, flores ressonantes.
Cuida de Ser Tal e Qual Desejas Parecer
Ao ler e ouvir, fá-lo com atenção; não disperses o entendimento, mas força-o a estar atento ao que faz e ao que tem diante de si, e não alhures. Se sai do caminho, chama-o de volta sem ruído, e guarda para outra ocasião os pensamentos alheios ao estudo. Sabe que perdes tempo e trabalho se não estás atento ao que lês ou ao que ouves.
Não tenhas vergonha de perguntar o que não sabes, nem de aprender com outrem. Disso nunca se envergonham os homens insignes; antes, sim, de não saberem ou de não quererem aprender.
Não te vanglories de saber o que não sabes, mas pergunta-o àqueles que acreditas o saibam. Se queres parecer sábio, trabalha por sê-lo, que para isso não há caminho suave. Semelhantemente, a maneira mais fácil de se parecer bom é sendo-o realmente.
Enfim, em todas as coisas, cuida de ser tal e qual desejas parecer, porquanto, de outro modo, assaz vão será o teu desejo. O tempo põe a descoberto o que é falso e fingido, e dá força à verdade; como se costuma dizer, não há mentira que não se descubra.
Este mundo só é chato em duas ocasiões: na guerra e na paz.
Os Homens sem Pé no seu Tempo
Das coisas tristes que o mundo tem, são os homens sem pé no seu tempo. Os desgraçados que aparecem assim, cedo de mais ou tarde de mais, lembram-me na vida terras de ninguém, onde não há paz possível. Imagine-se a dramática situação dum cavernícola transportado aos dias de hoje, ou vice-versa. A cada época corresponde um certo tipo humano. Um tipo humano intransponível, feito da unidade possível em tal ocasião, moldado psicològicamente, e fisiològicamente até, pelas forças que o rodeiam. A Idade Média tinha como valores Aristóteles e os doutores da Igreja. E qualquer espírito coevo, por mais alto que fosse, estava irremediàvelmente emparedado entre a Grécia sem Platão e as colunas do Templo. De nada lhe valia sonhar outro espaço de movimento. Cada inquietação realizava-se ali. O que seria, pois, um Vinci do Renascimento, multímodo, aberto a todos os conhecimentos, a bracejar dentro de tão acanhados muros?
Neste trágico século vinte, sem qualquer sério conteúdo ideológico, sem nenhuma espécie de grandeza fora do visceral e do somático, todo feito de records orgânicos e de conquistas dimensionais, que serenidade interior poderá ter alguém alicerçado em valores religiosos, estéticos, morais, ou outros? Nenhuma. Entre o abismo da sua impossibilidade natural de deixar de ser o que é,
As injúrias dos amantes nunca ofendem; há amores arrebatados e há amores adocicados. Em ocasiões semelhantes, as palavras mais estranhas e por vezes coisa pior, tomam-se de preferência como provas de afeição por aqueles mesmos que as ouvem.
Devemos tomar a ocasião pelos cabelos.