O Filho De Latona Esclarecido
O filho de Latona esclarecido,
que com seu raio alegra a humana gente,
o hórrido Piton, brava serpente,
matou, sendo das gentes tão temido.Feriu com arco, e de arco foi ferido,
com ponta aguda d’ouro reluzente;
nas tessálicas praias, docemente,
pela Ninfa Peneia andou perdido.Não lhe pôde valer, para seu dano,
ciência, diligências, nem respeito
de ser alto, celeste e soberano.Se este nunca alcançou nem um engano
de quem era tão pouco em seu respeito,
eu que espero de um ser que é mais que humano?
Passagens sobre Ouro
455 resultadosCanção do Amor-Perfeito
Eu vi o raio de sol
beijar o outono.
Eu vi na mão dos adeuses
o anel de ouro.
Não quero dizer o dia.
Não posso dizer o dono.Eu vi bandeiras abertas
sobre o mar largo
e ouvi cantar as sereias.
Longe, num barco,
deixei meus olhos alegres,
trouxe meu sorriso amargo.Bem no regaço da lua,
já não padeço.
Ai, seja como quiseres,
Amor-Perfeito,
gostaria que ficasses,
mas, se fores, não te esqueço.
Distante Melodia
Num sonho d’Iris, morto a ouro e brasa,
Vem-me lembranças doutro Tempo azul
Que me oscilava entre véus de tule –
Um tempo esguio e leve, um tempo-Asa.Então os meus sentidos eram côres,
Nasciam num jardim as minhas ansias,
Havia na minh’alma Outras distancias –
Distancias que o segui-las era flôres…Caía Ouro se pensava Estrelas,
O luar batia sobre o meu alhear-me…
Noites-lagôas, como éreis belas
Sob terraços-liz de recordar-me!…Idade acorde d’Inter sonho e Lua,
Onde as horas corriam sempre jade,
Onde a neblina era uma saudade,
E a luz – anseios de Princesa nua…Balaústres de som, arcos de Amar,
Pontes de brilho, ogivas de perfume…
Dominio inexprimivel d’Ópio e lume
Que nunca mais, em côr, hei de habitar…Tapêtes doutras Persias mais Oriente…
Cortinados de Chinas mais marfim…
Aureos Templos de ritos de setim…
Fontes correndo sombra, mansamente…Zimbórios-panthéons de nostalgias…
Catedrais de ser-Eu por sobre o mar…
Escadas de honra, escadas só, ao ar…
Novas Byzancios-alma, outras Turquias…Lembranças fluidas…
Conjugação
Para o A. Cruzeiro Seixas
A construção dos poemas é uma vela aberta ao meio
e coberta de bolor
é a suspensão momentânea dum arrepio num dente
fino
Como Uma AgulhaA construção dos poemas
A CONS
TRU
ÇÃO DOS
POEMASé como matar muitas pulgas com unhas de oiro azul
é como amar formigas brancas obsessivamente junto
ao peito
olhar uma paisagem em frente e ver um abismo
ver o abismo e sentir uma pedrada nas costas
sentir a pedrada e imaginar-se sem pensar de repenteNUM TÚMULO EXAUSTIVO.
Afrodite I
Móvel, festivo, trépido, arrolando,
À clara voz, talvez da turba iriada
De sereias de cauda prateada,
Que vão com o vento os carmes concertando,O mar, – turquesa enorme, iluminada,
Era, ao clamor das águas, murmurando,
Como um bosque pagão de deuses, quando
Rompeu no Oriente o pálio da alvorada.As estrelas clarearam repentinas,
E logo as vagas são no verde plano
Tocadas de ouro e irradiações divinas;O oceano estremece, abrem-se as brumas,
E ela aparece nua, à flor de oceano,
Coroada de um círculo de espumas.
Extrema, toco-te o rosto. De ti me vem
À ponta dos meus dedos, o ouro da volúpia
E o encanto glabro das avencas
De te me vem. […]
O fogo é a prova do ouro; a miséria, a do homem forte.
Um Clímax Duplo
Meu Amor,
Hoje vou buscar as minhas pérolas! Vou já à loja de fotografias e terei os instantâneos para ti amanhã à noite. Estou livre amanhã à noite. Onde queres que te encontre?
A mulher do Allendy teve uma atitude desesperada, e ele deu um pulo até à Bretanha por uns tempos. Tivemos uma cena linda que te relatarei… Profundamente interessante… Aqui mesmo em Louveciennes, há uma hora. Então vou trabalhar noutras coisas. O teu livro incha dentro de mim como o meu próprio — mais jovialmente ainda do que o meu, porque o teu livro é para mim uma fecundação, ao passo que o meu é um acto de narcisismo. Eu digo: deixem uma mulher escrever livros, mas deixem-na acima de tudo permanecer fecundável por outros livros!
Entendes-me? Regozijo nos teus planos imensos, nas tuas ideias… Essas nossas conversas, Henry, como ressaltam, são tão firmes… Henry, nunca haverá momentos mortos, porque em nós ambos existe sempre movimento, renovação, surpresas. Nunca conheci a estagnação. Nem mesmo a introspecção tem sido uma experiência estática… Mesmo em nada leio maravilhas, e no mero acto de esburacar a terra, em vez de minas de ouro, consigo gerar entusiasmo.
Foederis Arca
Visão que a luz dos Astros louros trazes,
Papoula real tecida de neblinas
Leves, etéreas, vaporosas, finas,
Com aromas de lírios e lilazes.Brancura virgem do cristal das frases,
Neve serene das regiões alpinas,
Willis juncal de mãos alabastrinas,
De fugitivas correções vivazes.Floresces no meu Verso como o trigo,
O trigo de ouro dentre o sol floresce
E és a suprema Religião que eu sigo…O Missal dos Missais, que resplandece,
A igreja soberana que eu bendigo
E onde murmuro a solitária prece!…
Febre Vermelha
Rozas de vinho! Abri o calice avinhado!
Para que em vosso seio o labio meu se atole:
Beber até cair, bebedo, para o lado!
Quero beber, beber até o ultimo gole!Rozas de sangue! Abri o vosso peito, abri-o!
Montanhas alagae! deixae-as trasbordar!
As ondas como o oceano, ou antes como um rio
Levando na corrente Ophelias de luar…Camelias! Entreabri os labios de Eleonora!
Desabrochae, á lua, a ancia dos vossos calis!
Dá-me o teu genio, dá! ó tulipa de aurora!
E dá-me o teu veneno, ó rubra digitalis…Papoilas! Descerrae essas boccas vermelhas!
Apagae-me esta sede estonteadora e cruel:
Ó favos rubros! os meus labios são abelhas,
E eu ando a construir meu cortiço de mel…Rainunculos! Corae minhas faces-de-terra!
Que seja sangue o leite e rubins as opalas!
Tal se vêm pelo campo, em seguida a uma guerra,
Tintos da mesma cor os corações e as balas!…Chagas de Christo! Abri as petalas chagadas!
N’uma raiva de cor, n’uma erupção de luz!
Escancarae a bocca, ás vermelhas rizadas,
Cancros de Lazaro!
A balas de prata e bombas de ouro rendeu a praça ao mouro.
Anoitecer
Esbraseia o Ocidente na Agonia
O sol… Aves, em bandos destacados,
Por céus de ouro e de púrpuras raiados,
Fogem… Fecha-se a pálpebra do dia…Delineiam-se, além, da serrania
Os vértices de chama aureolados,
E em tudo, em torno, esbatem derramados
Uns tons suaves de melancolia…Um mundo de vapores no ar flutua…
Como uma informe nódoa, avulta e cresce
A sombra, á proporção que a luz recua…A natureza apática esmaece…
Pouco a pouco, entre as árvores, a lua
Surge trêmula, trêmula… Anoitece.
Prospecção
Não são pepitas de oiro que procuro.
Oiro dentro de mim, terra singela!
Busco apenas aquela
Universal riqueza
Do homem que revolve a solidão:
O tesoiro sagrado
De nenhuma certeza,
Soterrado
Por mil certezas de aluvião.
Cavo,
Lavo,
Peneiro,
Mas só quero a fortuna
De me encontrar.
Poeta antes dos versos
E sede antes da fonte.
Puro como um deserto.
Inteiramente nu e descoberto.
Entardecer
Sol-posto ungindo o mar: incensos de ouro!
Recolhe funda a tarde em sonho e mágoa.
Surdina fluida: anda o silêncio a orar –
E há crepúsculos de asas e, na água,
O céu é mármore extático a cismar!E nas faces marmóreas dos rochedos
Esboçam-se perfis,
– Cintilações,
Penumbra de segredos!Ó painéis de nuvens sobre a terra,
Ogivas delirantes
Na água refractando…
Encheis de sombra o mar de espumas rasas,
Iniciando
A hora pânica das asas!E, à meia luz da tarde,
Na areia requeimada,
São vultos sonolentos
As proas dos navios…Ó tristeza dos balões
Iluminando,
Na água prateada,
Os pegos e baixios…Dormentes constelações
Que, em fundos lacustres
E musgosos,
Pondes reverberações
Em nossos olhos ansiosos.Ó tardes de aquático esplendor,
Descendo em meu olhar!Num sonho de regresso,
Numa ânsia de voltar,
Em mim todo me esqueço
E fico-me a cismar.A tarde é toda um sonho moribundo.
É já olor da cor que amorteceu.
Elegia
Vae em seis mezes que deixei a minha terra
E tu ficaste lá, mettida n’uma serra,
Boa velhinha! que eras mais uma criança…
Mas, tão longe de ti, n’este Payz de França,
Onde mal viste, então, que eu viesse parar,
Vejo-te, quanta vez! por esta sala a andar…
Bates. Entreabres de mansinho a minha porta.
Virás tratar de mim, ainda depois de morta?
Vens de tão longe! E fazes, só, essa jornada!
Ajuda-te o bordão que te empresta uma fada.
Altas horas, emquanto o bom coveiro dorme,
Escapas-teãda cova e vens, Bondade enorme!
Atravez do Marão que a lua-cheia banha,
Atravessas, sorrindo, a mysteriosa Hespanha,
Perguntas ao pastor que anda guardando o gado,
(E as fontes cantam e o céu é todo estrellado…)
Para que banda fica a França, e elle, a apontar,
Diz: «Vá seguindo sempre a minha estrella, no Ar!»
E ha-de ficar scismando, ao ver-te assim, velhinha,
Que és tu a Virgem disfarçada em probrezinha…
Mas tu, sorrindo sempre, olhando sempre os céus,
Deixando atraz de ti, os negros Pyrineus,
Sob os quaes rola a humanidade,
Hino à Solidão
Diz-se que a solidão torna a vida um deserto;
Mas quem sabe viver com a sua alma nunca
Se encontra só; a Alma é um mundo, um mundo
[aberto
Cujo átrio, a nossos pés, de pétalas se junca.Mundo vasto que mil existências povoam:
Imagens, concepções, formas do sentimento,
— Sonhos puros que nele em beleza revoam
E ficam a brilhar, sóis do seu firmamento.Dia a dia, hora a hora, o Pensamento lavra
Esse fecundo chão onde se esconde e medra
A semente que vai germinar na Palavra,
Cantar no Som, flores na Cor, sorrir na Pedra!Basta que certa luz de seus raios aqueça
A semente que jaz na sua leiva escondida,
Para que ela, a sorrir, desabroche e floresça,
De perfumes enchendo as estradas da Vida.Sei que embora essa luz nem para todos tenha
O mesmo brilho, o mesmo impulso criador,
Da Glória, sempre vã, todo o asceta desdenha,
Vivendo como um deus no seu mundo interior.E que mundo sublime, esse em que ele se agita!
Mundo que de si mesmo e em si mesmo criou,
Hino à Beleza
Onde quer que o fulgor da tua glória apareça,
— Obra de génio, flor de heroísmo ou santidade, —
Da Gioconda imortal na radiosa cabeça,
Num acto de grandeza augusta ou de bondade,— Como um pagão subindo à Acrópole sagrada,
Vou de joelhos render-te o meu culto piedoso,
Ou seja o Herói que leva uma aurora na Espada,
Ou o Santo beijando as chagas do Leproso.Essa luz sem igual com que sempre iluminas
Tudo o que existe em nós de grande e puro, veio
Do mesmo foco em mil parábolas divinas:
— Raios do mesmo olhar, ânsias do mesmo seio.Alta revelação que, baixando em segredo,
O prisma humano quebra em ângulos dispersos,
Como a água a cair de rochedo em rochedo
Repete o mesmo som, mas em modos diversos.É audácia no Herói; resignação no Santo;
Som e Cor, ondulando em formas imortais;
No mármore rebelde abre em folhas de acanto,
E esmalta de candura a flora dos vitrais.Ó Beleza! Ó Beleza! as Horas fugitivas
Passam diante de ti, aladas como sonhos…
Tu Dás-me Objectivos, Direcção e Felicidade
Eu estava à procura na ciência da satisfação que o esforço da pesquisa e o momento da descoberta oferecem; eu nunca fui daquelas pessoas que não aguentam o pensamento de terem desperdiçado a sua vida antes de terem conseguido escrever o seu nome na rocha pelo meio das ondas. Mas quando penso como é que eu seria se não te tivesse encontrado – sem ambição, sem saber desfrutar os pequenos prazeres da vida, sem qualquer fascínio pela magia do ouro, e ao mesmo tempo dotado de uma inteligência moderada e sem quaisquer meios materiais – iria sentir-me muito miserável e entraria em declínio. Tu dás-me não apenas objectivos e direcção, mas também tanta felicidade, que nunca poderia sentir-me insatisfeito com o presente infortunado que vivo neste momento; tu dás-me esperança e a certeza do sucesso. Eu sabia-o mesmo antes de tu me amares e sei-o agora que tu me amas, e é graças a ti que me tornei um homem auto-confiante e corajoso.
Para criar uma idade de ouro para o seu cérebro, tem de usar o dom com que a natureza o dotou de uma nova maneira. Não é o número de neurónios ou algum passe de mágica dentro da sua matéria cinzenta que torna a vida mais vital, inspiradora e bem-sucedida.
Recordam-se Vocês do Bom Tempo d’Outrora
(Dedicatória de introdução a «A Musa em Férias»)
Recordam-se vocês do bom tempo d’outrora,
Dum tempo que passou e que não volta mais,
Quando íamos a rir pela existência fora
Alegres como em Junho os bandos dos pardais?
C’roava-nos a fronte um diadema d’aurora,
E o nosso coração vestido de esplendor
Era um divino Abril radiante, onde as abelhas
Vinham sugar o mel na balsâmina em flor.
Que doiradas canções nossas bocas vermelhas
Não lançaram então perdidas pelo ar!…
Mil quimeras de glória e mil sonhos dispersos,
Canções feitas sem versos,
E que nós nunca mais havemos de cantar!
Nunca mais! nunca mais! Os sonhos e as esp’ranças
São áureos colibris das regiões da alvorada,
Que buscam para ninho os peitos das crianças.
E quando a neve cai já sobre a nossa estrada,
E quando o Inverno chega à nossa alma,então
Os pobres colibris, coitados, sentem frio,
E deixam-nos a nós o coração vazio,
Para fazer o ninho em outro coração.
Meus amigos, a vida é um Sol que chega ao cúmulo
Quando cantam em nós essas canções celestes;