Passagens sobre Repente

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Frases sobre repente, poemas sobre repente e outras passagens sobre repente para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Hino à Alegria

Tenho-a visto passar, cantando, à minha porta,
E às vezes, bruscamente, invadir o meu lar,
Sentar-se à minha mesa, e a sorrir, meia morta,
Deitar-se no meu leito e o meu sono embalar.

Tumultuosa, nos seus caprichos desenvoltos,
Quase meiga, apesar do seu riso constante,
De olhos a arder, lábios em flor, cabelos soltos,
A um tempo é cortesã, deusa ingénua ou bacante…

Quando ela passa, a luz dos seus olhos deslumbra;
Tem como o Sol de Inverno um brilho encantador;
Mas o brilho é fugaz, — cintila na penumbra,
Sem que dele irradie um facho criador.

Quando menos se espera, irrompe de improviso;
Mas foge-nos também com uma presteza igual;
E dela apenas fica um pálido sorriso
Traduzindo o desdém duma ilusão banal.

Onda mansa que só à superfície corre,
Toda a alegria é vã; só a Dor é fecunda!
A Dor é a Inspiração, louro que nunca morre,
Se em nós crava a raiz exaustiva e profunda!

No entanto, eu te saúdo e louvo, hora dourada,
Em que a Alegria vem extinguir,

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O Sagrado e o Alcançável

Sem uma palavra a escrever, Martim no entanto não resistiu à tentação de imaginar o que lhe aconteceria se o seu poder fosse mais forte que a prudência. «E se de repente eu pudesse?», indagou-se ele. E então não conseguiu se enganar: o que quer que conseguisse escrever seria apenas por não conseguir escrever «a outra coisa». Mesmo dentro do poder, o que dissesse seria apenas por impossibilidade de transmitir uma outra coisa. A Proibição era muito mais funda…, surpreendeu-se Martim.
Como se vê, aquele homem terminara por cair na profundeza que ele sempre sensatamente evitara.
E a escolha tornou-se ainda mais funda: ou ficar com a zona sagrada intacta e viver dela – ou traí-la pelo que ele certamente terminaria conseguindo e que seria apenas isso: o alcançável.
Como quem não conseguisse beber a água do rio senão enchendo o côncavo das próprias mãos – mas já não seria a silenciosa água do rio, não seria o seu movimento frígido, nem a delicada avidez com que a água tortura pedras, não seria aquilo que é um homem de tarde junto do rio depois de ter tido uma mulher. Seria o côncavo das próprias mãos. Preferia então o silêncio intacto.

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Acontece-me às vezes, e sempre que acontece é quase de repente, surgir-me no meio das sensações um cansaço tão terrível da vida que não há sequer hipótese de ato com que dominá-lo.

O Egoísmo da Espécie

Os amantes querem pertencer um ao outro, e para toda a eternidade. Exprimem-se de maneira assaz curiosa quando se abraçam num instante de profunda intimidade para gozarem assim do máximo prazer e da mais alta felicidade que o amor lhes pode dar. Mas o prazer é egoísta. Não há dúvida que do prazer dos amantes não se pode dizer que seja egoísta, porque é recíproco; mas o prazer que ambos sentem na união é absolutamente egoísta, se for verdade que nesse abraço já se confundem num só e mesmo ser. Mas estão enganados; porque, no mesmo instante, a espécie triunfa sobre os indivíduos; domina-os, rebaixa-os, ao seu serviço.

Julgo isto muito mais ridículo do que a situação considerada cómica por Aristófanes. Porque o cómico desta bipartição reside em ser contraditória, o que Aristófanes não salientou suficientemente. Quem vê um homem, crê ver um ser inteiro e independente, um indivíduo, o que toda a gente admite até que observe que, apoderado pelo amor, ele não passa de uma metade que corre à procura da outra metade.
Nada há que seja cómico na metade de uma maçã; cómico seria tomar por maçã inteira a metade de uma maçã; não há contradição no primeiro caso,

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Amigos com Carácter

A vida caminha precipitadamente. Perseguimos alguns esquemas flutuantes ou somos perseguidos por algum medo ou autoridade atrás de nós. Mas, se, de repente, encontramos um amigo, paramos; o nosso calor e a nossa pressa tornam-se ridículos. Ora a pausa, ora o domínio são necessários e também a força para encher o momento dos eflúvios do coração. O momento é tudo, em todas as relações nobres.
Uma pessoa divina é a profecia do espírito; um amigo é a esperança do coração. A nossa ventura espera pela concretização destas duas em uma.
Os séculos estão a dilatar essa força moral. Toda a força é a sombra ou o símbolo daquela. A poesia é alegre e forte quando extrai nessa fonte a sua inspiração. Os homens só inscrevem os seus nomes no mundo quando estão cheios deste. A história tem sido ignóbil; as nossas nações têm sido a gentalha; nunca vimos um homem: essa forma divina que ainda não conhecemos, mas apenas o sonho e a profecia de tal; não conhecemos os modos majestosos que lhe são peculiares e que acalmam e exaltam o observador.

Um dia veremos que a energia mais particular é a mais pública, que a qualidade afina com a quantidade e a grandeza de carácter actua na sombra e socorre aos que nunca a viram.

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Vale a Pena Sentir para ao Menos Deixar de Sentir

Vai pelo cais fora um bulício de chegada próxima,
Começam chegando os primitivos da espera,
Já ao longe o paquete de África se avoluma e esclarece.
Vim aqui para não esperar ninguém,
Para ver os outros esperar,
Para ser os outros todos a esperar,
Para ser a esperança de todos os outros.
Trago um grande cansaço de ser tanta coisa.
Chegam os retardatários do princípio,
E de repente impaciento-me de esperar, de existir, de ser,
Vou-me embora brusco e notável ao porteiro que me fita muito
mas rapidamente.
Regresso à cidade como à liberdade.
Vale a pena sentir para ao menos deixar de sentir.

Pensar o Meu País

Pensar o meu país. De repente toda a gente se pôs a um canto a meditar o país. Nunca o tínhamos pensado, pensáramos apenas os que o governavam sem pensar. E de súbito foi isto. Mas para se chegar ao país tem de se atravessar o espesso nevoeiro da mediocralhada que o infestou. Será que a democracia exige a mediocridade? Mas os povos civilizados dizem que não. Nós é que temos um estilo de ser medíocres. Não é questão de se ser ignorante, incompetente e tudo o mais que se pode acrescentar ao estado em bruto. Não é questão de se ser estúpido. Temos saber, temos inteligência. A questão é só a do equilíbrio e harmonia, a questão é a do bom senso. Há um modo profundo de se ser que fica vivo por baixo de todas as cataplasmas de verniz que se lhe aplicarem. Há um modo de se ser grosseiro, sem ao menos se ter o rasgo de assumir a grosseria. E o resultado é o ridículo, a fífia, a «fuga do pé para o chinelo». O Espanhol é um «bárbaro», mas assume a barbaridade. Nós somos uns campónios com a obsessão de parecermos civilizados. O Francês é um ser artificioso,

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Dois Excertos de Odes

(Fins de duas odes, naturalmente)

I

Vem, Noite antiquíssima e idêntica,
Noite Rainha nascida destronada,
Noite igual por dentro ao silêncio, Noite
Com as estrelas lentejoulas rápidas
No teu vestido franjado de Infinito.

Vem, vagamente,
Vem, levemente,
Vem sozinha, solene, com as mãos caídas
Ao teu lado, vem
E traz os montes longínquos para o pé das árvores próximas,
Funde num campo teu todos os campos que vejo,
Faze da montanha um bloco só do teu corpo,
Apaga-lhe todas as diferenças que de longe vejo,
Todas as estradas que a sobem,
Todas as várias árvores que a fazem verde-escuro ao longe.
Todas as casas brancas e com fumo entre as árvores,
E deixa só uma luz e outra luz e mais outra,
Na distância imprecisa e vagamente perturbadora,
Na distância subitamente impossível de percorrer.

Nossa Senhora
Das coisas impossíveis que procuramos em vão,
Dos sonhos que vêm ter conosco ao crepúsculo, à janela,
Dos propósitos que nos acariciam
Nos grandes terraços dos hotéis cosmopolitas
Ao som europeu das músicas e das vozes longe e perto,

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A Minha Educação Prejudicou-me em Vários Aspectos

Dormi, acordei, dormi, acordei, vida miserável. (…) Quando penso nisso, tenho de dizer que a minha educação me prejudicou muito em vários aspectos. Não fui, de facto, educado num lugar longe de tudo, como por exemplo entre ruínas, nas montanhas; contra esse facto eu não poderia realmente exprimir a minha censura. Apesar de correr o risco de não poder ser compreendido por todos os meus antigos professores, eu bem preferiria ter sido um habitante dessas pequenas ruínas, queimado pelo sol que por entre os destroços me apareceria de todos os lados sobre a tépida hera, mesmo que eu a princípio houvesse sido fraco sob a pressão das minhas boas qualidades, que com a força da erva teriam crescido dentro de mim.

Quando penso nisso, tenho de dizer que a minha educação me prejudicou muito em vários aspectos. Esta censura aplica-se a uma quantidade de pessoas, ou seja, aos meus pais, a algumas pessoas de família, a alguns amigos da casa, a vários escritores, a uma certa cozinheira, que durante todo um ano me levou à escola, a um monte de professores (que nas minhas recordações tenho de comprimir num grupo estreito, que doutra maneira me falha um aqui e outro ali — mas,

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Dar é Viver

Dá-te.

Dar é viver.

Ninguém, por muito pouco que receba, viverá em alegria se não der nada a ninguém. Dá-se um sorriso, uma mão, um beijo, um abraço, um conselho, uma ideia, uma palavra, uma hora, duas ou três, de silêncio ou de ouvidos em alerta para o outro poder desabafar, chorar ou libertar-se. Dá-se boleia, dão-se sugestões, brinca-se, dá-se o corpo, dá-se prazer, dão-se pistas, dá-se tanta coisa. Tanta coisa que custa zero mas vale tanto. E quanto mais dermos de nós, mais recebemos. Nem sempre daqueles a quem damos, é um facto, faz parte da experiência de aprender a lidar com a expectativa, o apego e a cobrança, mas se dermos de coração, e só porque nos faz sentir bem, recebemos sempre e quase sempre de onde menos esperamos.

Quando somos incondicionais podemos ser surpreendidos a qualquer momento.

É tão bom. Sabe tão bem. Dar e nunca saber de onde podemos vir a receber. Torna os dias surpreendentes. A vida agiganta-se. Acaba-se a agonia do «tem de ser» e de repente é tudo novidade. É como dizer «Amo-te» a alguém que amo, e porque o senti naquele instante, e não ficar à espera de ouvir o mesmo dessa pessoa no segundo a seguir.

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O Homem Superior

O maior triunfo do homem é quando se convence de que o ridículo é uma cousa sua que existe só para os outros, e, mesmo, sempre que outros queiram. Ele então deixa de importar-se com o ridículo, que, como não está em si, ele não pode matar.
Três cousas tem o homem superior que ensinar-se a esquecer para que possa gozar no perfeito silencio a sua superioridade — o ridiculo, o trabalho e a dedicação.
Como não se dedica a ninguém, também nada exige da dedicação alheia. Sóbrio, casto, frugal, tocando o menos possível na vida, tanto para não se incomodar como para não approximar as cousas de mais, a ponto de destruir nelas a capacidade de serem sonhadas, ele isola-se por conveniência do orgulho e da desillusão. Aprende a sentir tudo sem o sentir directamente; porque sentir directamente é submeter-se — submeter-se à acção da cousa sentida.
Vive nas dores e nas alegrias alheias, Whitman olímpico, Proteu da compreensão, sem partilhar de vivê-las realmente. Pode, a seu talante, embarcar ou ficar nas partidas de navios — e pode ficar e embarcar ao mesmo tempo, porque não embarca nem fica. Esteve com todos em todas as sensações de todas as horas da sua vida.

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O Primeiro Amor Leva Tudo

É fácil saber se um amor é o primeiro amor ou não. Se admite que possa ser o primeiro, é porque não é, o primeiro amor só pode parecer o último amor. É o único amor, o máximo amor, o irrepetível e incrível e antes morrer que ter outro amor. Não há outro amor. O primeiro amor ocupa o amor todo.
Nunca se percebe bem por que razão começa. Mas começa. E acaba sempre mal «só porque acaba». Todos os dias parece estar mesmo a começar porque as coisas vão bem, e o coração anda alto. E todos os dias parece que vai acabar porque as coisas vão mal e o coração anda em baixo.
O primeiro amor dá demasiadas alegrias, mais do que a alma foi concebida para suportar. É por isso que a alegria dói — porque parece que vai acabar de repente. E o primero amor dói sempre de mais, sempre muito mais do que aguenta e encaixa o peito humano, porque a todo o momento se sente que acabou de acabar de repente. O primeiro amor não deixa de parte «um único bocadinho de nós». Nenhuma inteligência ou atenção se consegue guardar para observá-lo.

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Somos o Mistério

No fim desta época, como se toda a longa viagem tivesse sido inútil, volto a ficar sozinho nos territórios recém-descobertos. Como na crise do nascimento, como no começo alarmante e alarmado do terror metafísico donde brota o manancial dos meus primeiros versos, como num novo crepúsculo que a minha própria criação provocou, entro numa nova agonia e na segunda solidão. Para onde ir? Para onde regressar, conduzir, calar ou palpitar? Olho para todos os pontos da claridade e da obscuridade e não encontro senão o vazio que as minhas próprias mãos elaboraram com persistência fatal.

Mas o mais próximo, o mais fundamental, o mais extenso, o mais incalculável, não apareceria, afinal, senão neste momento no meu caminho. Tinha pensado em todos os mundos, mas não no homem. Tinha explorado com crueldade e agonia o coração do homem. Sem pensar nos homens, tinha visto cidades, mas cidades vazias. Tinha visto fábricas de trágico aspecto, mas não vira o sofrimento debaixo dos tectos, sobre as ruas, em todas as estações, nas cidades e no campo.

Às primeiras balas que trespassaram as violas de Espanha, quando, em vez de sons, saíram delas borbotões de sangue, a minha poesia deteve-se como um fantasma no meio das ruas da angústia humana e começou a subir por ela uma torrente de raízes e de sangue.

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Os Quinze Anos De Uma Alma Transparente

Os quinze anos de uma alma transparente,
O cabelo castanho, a face pura,
Uns olhos onde pinta-se a candura
De um coração que dorme, inda inocente…

Um seio que estremece de repente
Do mimoso vestido na brancura…
A linda mão na mágica cintura…
E uma voz que inebria docemente…

Um sorrir tão angélico, tão santo…
E nos olhos azuis cheios de vida
Lânguido véu de involuntário pranto…

É esse o talismã, é essa a Armida,
O condão de meus últimos encantos,
A visão de minh’alma distraída!

A Força que Há na Luz

A força que há na luz, não sua ausência,
pode ser a origem mais secreta
do escuro em que afundamos de repente:
por excesso de luz, eis que estou cega,
por excesso de amor, eu não entendo
– o farfalhar macio, a crua seda –
aquilo que nos move, e que ultrapassa
o limite de tudo o que sabemos.
Por excesso de dor eu me humanizo,
eu me faço pequena e tão real,
nos tornamos serenos, silenciosos,
tão reais e inocentes e macios,
que essa luz que não vemos é demais.
Mesmo ser é um excesso em que caímos.

Poema de Natal

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos…
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

Príncipe

Príncipe:
Era de noite quando eu bati à tua porta
e na escuridão da tua casa tu vieste abrir
e não me conheceste.
Era de noite
são mil e umas
as noites em que bato à tua porta
e tu vens abrir
e não me reconheces
porque eu jamais bato à tua porta.
Contudo
quando eu batia à tua porta
e tu vieste abrir
os teus olhos de repente
viram-me
pela primeira vez
como sempre de cada vez é a primeira
a derradeira
instância do momento de eu surgir
e tu veres-me.
Era de noite quando eu bati à tua porta
e tu vieste abrir
e viste-me
como um náufrago sussurrando qualquer coisa
que ninguém compreendeu.
Mas era de noite
e por isso
tu soubeste que era eu
e vieste abrir-te
na escuridão da tua casa.
Ah era de noite
e de súbito tudo era apenas
lábios pálpebras intumescências
cobrindo o corpo de flutuantes volteios
de palpitações trémulas adejando pelo rosto.
Beijava os teus olhos por dentro
beijava os teus olhos pensados
beijava-te pensando
e estendia a mão sobre o meu pensamento
corria para ti
minha praia jamais alcançada
impossibilidade desejada
de apenas poder pensar-te.

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