Aquele que pode negar Deus diante de uma noite estrelada, diante da sepultura das pessoas que mais estima, diante do martírio, é muito infeliz ou muito culpado.
Passagens sobre Sepulturas
105 resultadosQuando a Erva Crescer em Cima da Minha Sepultura
Quando a erva crescer em cima da minha sepultura,
Seja este o sinal para me esquecerem de todo.
A Natureza nunca se recorda, e por isso é bela.
E se tiverem a necessidade doentia de “interpretar” a erva verde
sobre a minha sepultura,
Digam que eu continuo a verdecer e a ser natural.
Dizem os Sábios
Dizem os sábios que já nada ignoram
Que alma, é um mito!…
Eles que há muito, em vão, dos céus exploram
O almo infinito…
Eles, que nunca achavam no ente humano
Mais que esta face
De ser finito, orgânico, o gusano
Que morre e nasce,
Fundam-se na razão.
E a razão erra!…Quem da lagarta a rastejar na terra
Pode supor,
Sonhar sequer, que um dia há-de nascer
A borboleta, aquela alada flor
Matiz dos céus?
Sábios, achai em vão o pode ser
Saber… só Deus.O homem rasteja, semelhante ao verme
Por que não há-de a paz da sepultura
– Quanto labor sob a aparente calma!
Servir d’abrigo àquele ser inerme,
De que há-de um dia após tarefa oscura
Surgir vivaz, alada e flor, a Alma.
Negra Fera, Que A Tudo As Garras Lanças
Negra fera, que a tudo as garras lanças,
Já murchaste, insensível a clamores,
Nas faces de Tirsália as rubras flores,
Em meu peito as viçosas esperanças.Monstro, que nunca em teus estragos cansas,
Vê as três Graças, vê os nus Amores
Como praguejam teus cruéis furores,
Ferindo os rostos, arrancando as tranças!Domicílio da noute, horror sagrado,
Onde jaz destruída a formosura,
Abre-te, dá lugar a um desgraçado.Eis desço, eis cinzas palpo… Ah, Morte dura!
Ah, Tirsália! Ah, meu bem, rosto adorado!
Torna, torna a fechar-te, ó sepultura!
A familiaridade é a sepultura do amor.
Portwine
O Douro é um rio de vinho
que tem a foz em Liverpool e em Londres
e em Nova-York e no Rio e em Buenos Aires:
quando chega ao mar vai nos navios,
cria seus lodos em garrafeiras velhas,
desemboca nos clubes e nos bars.O Douro é um rio de barcos
onde remam os barqueiros suas desgraças,
primeiro se afundam em terra as suas vidas
que no rio se afundam as barcaças.Nas sobremesas finas, as garrafas
assemelham cristais cheios de rubis,
em Cape-Town, em Sidney, em Paris,
tem um sabor generoso e fino
o sangue que dos cais exportamos em barris.
As margens do Douro são penedos
fecundados de sangue e amarguras
onde cava o meu povo as vinhas
como quem abre as próprias sepulturas:
nos entrepostos dos cais, em armazéns,
comerciantes trocam por esterlinos
o vinho que é o sangue dos seus corpos,
moeda pobre que são os seus destinos.Em Londres os lords e em Paris os snobs,
no Cabo e no Rio os fazendeiros ricos
acham no Porto um sabor divino,
Estrada A Fora
Ela passou por mim toda de preto,
Pela mão conduzindo uma criança…
E eu cuidei ver ali uma esperança
E uma Saudade em pálido dueto.Pois, quando a perda de um sagrado afeto
De lastimar esta mulher não cansa,
N’uma alegria descuidosa e mansa,
Passa a criança, o beija-flor inquieto.Também na Vida o gozo e a desventura
Caminham sempre unidos, de mãos dadas,
E o berço, às vezes, leva à sepultura…No coração, – um horto de martírios! –
Brotam sem fim as ilusões douradas,
Como nas campas desabrocham lírios.
Se é um pecado sonhar
Tenho um pecado na vida,
Peço a Deus por tal pecado
A penitência merecida.Quando o meu sonho morrer
(Que penitência tão dura!)
Vá encontrar em teu peito
Carinhosa sepultura.
Passei o Dia Ouvindo o que o Mar Dizia
Eu hontem passei o dia
Ouvindo o que o mar dizia.Chorámos, rimos, cantámos.
Fallou-me do seu destino,
Do seu fado…Depois, para se alegrar,
Ergueu-se, e bailando, e rindo,
Poz-se a cantar
Um canto molhádo e lindo.O seu halito perfuma,
E o seu perfume faz mal!Deserto de aguas sem fim.
Ó sepultura da minha raça
Quando me guardas a mim?…Elle afastou-se calado;
Eu afastei-me mais triste,
Mais doente, mais cansado…Ao longe o Sol na agonia
De rôxo as aguas tingia.«Voz do mar, mysteriosa;
Voz do amôr e da verdade!
– Ó voz moribunda e dôce
Da minha grande Saudade!
Voz amarga de quem fica,
Trémula voz de quem parte…»
. . . . . . . . . . . . . . . .E os poetas a cantar
São echos da voz do mar!
Eterna Dor
Já te esqueceram todos neste mundo…
Só eu, meu doce amor, só eu me lembro,
Daquela escura noite de setembro
Em que da cova te deixei no fundo.Desde esse dia um látego iracundo
Açoitando-me está, membro por membro.
Por isso que de ti não me deslembro,
Nem com outra te meço ou te confundo.Quando, entre os brancos mausoléus, perdido,
Vou chorar minha acerba desventura,
Eu tenho a sensação de haver morrido!E até, meu doce amor, se me afigura,
Ao beijar o teu túmulo esquecido,
Que beijo a minha própria sepultura!
Se hoje existe uma banda como O Sepultura, é graças a mim.
Aos Poetas
Somos nós
As humanas cigarras.
Nós,
Desde o tempo de Esopo conhecidos…
Nós,
Preguiçosos insectos perseguidos.Somos nós os ridículos comparsas
Da fábula burguesa da formiga.
Nós, a tribo faminta de ciganos
Que se abriga
Ao luar.
Nós, que nunca passamos,
A passar…Somos nós, e só nós podemos ter
Asas sonoras.
Asas que em certas horas
Palpitam.
Asas que morrem, mas que ressuscitam
Da sepultura.
E que da planura
Da seara
Erguem a um campo de maior altura
A mão que só altura semeara.Por isso a vós, Poetas, eu levanto
A taça fraternal deste meu canto,
E bebo em vossa honra o doce vinho
Da amizade e da paz.
Vinho que não é meu,
Mas sim do mosto que a beleza traz.E vos digo e conjuro que canteis.
Que sejais menestréis
Duma gesta de amor universal.
Duma epopeia que não tenha reis,
Mas homens de tamanho natural.Homens de toda a terra sem fronteiras.
De todos os feitios e maneiras,
Onde vai a esperança quando nos deixa? Vai cavar a nossa sepultura.
O ócio sem estudos é como a morte e a sepultura do homem vivo.
O ódio pode ser desarmado pelo amor e acabar por esquecer; mas a inveja às vezes nem se detém à beira da sepultura.
Lydia
A Esther
Feliz de quem se vai na tua idade,
Murmura aquele que não crê na vida,
E não pensa sequer na mãe querida
Que te contempla cheia de saudade.Pobre inocente! Se alegrar quem há-de
Com tua sorte, rosa empalidecida!
Branca açucena inda em botão, caída,
O que irás tu fazer na eternidade?Foges da terra em busca de venturas?
Mas, meu amor, se conseguires tê-las,
De certo, não será nas sepulturas.Fica entre nós, irmã das andorinhas:
Deus fez do Céu a pátria das estrelas,
Do olhar das mães o Céu das criancinhas.
A casa é a sepultura da vida.
Felicidade Divina
Digam-nos desde já: se a alma se extingue na sepultura, de onde nos vem o desejo de felicidade que nos atormenta? As nossas paixões terrenas facilmente se fartam: amor, ambição, cólera, tem uma segura plenitude de gozo; a ância de felicidade é a única que carece de satisfação como objecto, porque se não sabe o que é esta felicidade que se quer. Força é concordar que, se tudo é matéria, a natureza, neste caso enganou-se estranhamente, fez um sentimento sem aplicação.
É certo que a nossa alma deseja eternamente; apenas alcança o objecto da sua cobiça, deseja de novo; o universo inteiro não a sacia. O infinito é o campo único que lhe convém; apraz-se em desorientar-se no labirinto dos números, e conceber as máximas e as mínimas dimensões. Em fim, repleta, mas não saciada do que devorou, atira-se ao seio de Deus, onde convergem as ideias do infinito em perfeição, em tempo, e em espaço; ela, porém, não se ingolfa na Divindade senão porque essa Divindade é cheia de trevas, Deus absconditus.
Se lhe fosse clara a intuição divina, desdenha-la-ia como a tudo que está sujeito à sua compreensão. E com razão talvez; porque se a alma se explicasse ao justo o eterno princípio,
Versos A Um Coveiro
Numerar sepulturas e carneiros,
Reduzir carnes podres a algarismos,
Tal é, sem complicados silogismos,
A aritmética hedionda dos coveiros!Um, dois, três, quatro, cinco… Esoterismos
Da Morte! E eu vejo, em fúlgidos letreiros,
Na progressão dos números inteiros
A gênese de todos os abismos!Oh! Pitágoras da última aritmética,
Continua a contar na paz ascética
Dos tábidos carneiros sepulcraisTíbias, cérebros, crânios, rádios e úmeros,
Porque, infinita como os próprios números
A tua conta não acaba mais!
A Castidade com que Abria as Coxas
A castidade com que abria as coxas
e reluzia a sua flora brava.
Na mansuetude das ovelhas mochas,
e tão estrita, como se alargava.Ah, coito, coito, morte de tão vida,
sepultura na grama, sem dizeres.
Em minha ardente substância esvaída,
eu não era ninguém e era mil seresem mim ressuscitados. Era Adão,
primeiro gesto nu ante a primeira
negritude de corpo feminino.Roupa e tempo jaziam pelo chão.
E nem restava mais o mundo, à beira
dessa moita orvalhada, nem destino.