Sonetos sobre Belos

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Sonetos de belos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Em Busca Da Beleza II

Nem defini-la, nem achá-la, a ela –
A Beleza. No mundo não existe.
Ai de quem coma alma inda mais triste
Nos seres transitórios quer colhê-la!

Acanhe-se a alma porque não conquiste
Mais que o banal de cada cousa bela,
Ou saiba que ao ardor de querer havê-la –
À Perfeição – só a desgraça assiste.

Só quem da vida bebeu todo o vinho,
Dum trago ou não, mas sendo até o fundo,
Sabe (mas sem remédio) o bom caminho;

Conhece o tédio extremo da desgraça
Que olha estupidamente o nauseabundo
Cristal inútil da vazia taça.

O Remorso

Cometi o pior desses pecados
Que podem cometer-se. Não fui sendo
Feliz. Que os glaciares do esquecimento
Me arrastem e me percam, despiedados.

Plos meus pais fui gerado para o jogo
Arriscado e tão belo que é a vida,
Para a terra e a água, o ar, o fogo.
Defraudei-os. Não fui feliz. Cumprida

Não foi sua vontade. A minha mente
Aplicou-se às simétricas porfias
Da arte, que entretece ninharias.

Valentia eu herdei. Não fui valente.
Não me abandona. Está sempre ao meu lado
A sombra de ter sido um desgraçado.

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

Visão Guiadora

Ó alma silenciosa e compassiva
Que conversas com os Anjos da Tristeza,
Ó delicada e lânguida beleza
Nas cadeias das lágrimas cativa.

Frágil, nervosa timidez lasciva,
Graça magoada, doce sutileza
De sombra e luz e da delicadeza
Dolorosa de música aflitiva.

Alma de acerbo, amargurado exílio,
Perdida pelos céus num vago idílio
Com as almas e visões dos desolados.

Ó tu que és boa e porque és boa és bela,
Da Fé e da Esperança eterna estrela
Todo o caminho dos desamparados.

Em uma Tarde de Outono

Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas
Sobre o jardim calado, e as águas miro, absorto.
Outono… Rodopiando, as folhas amarelas
Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto…

Por que, belo navio, ao clarão das estrelas,
Visitaste este mar inabitado e morto,
Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas,
Se logo, ao vir da luz, abandonaste o porto?

A água cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos
A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos…
Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol!

E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste,
E contemplo o lugar por onde te sumiste,
Banhado no clarão nascente do arrebol…

Pecadores

Ali – no canto escuro do jardim
não havia o menor sinal de gente…
Só nós dois… E eu então, sensualmente
beijei-te a boca… o seio… tudo enfim…

Nem eu sei bem dizer o que se sente,
quando estreitei teu corpo junto a mim…
– Embriaguei-me talvez… completamente…
– naquele canto escuro do jardim…

Fui ousado, bem sei… Dizias: – não!
– mas não pude te ouvir sentindo aquela
tão louca e indescritível sensação

E pequei. . . – Pecaria outro qualquer
– Foi mais culpado o Deus que te fez bela
e ele – o Demônio – que te fez mulher!

Aspiração

Meus dias vão correndo vagarosos
Sem prazer e sem dor, e até parece
Que o foco interior já desfalece
E vacila com raios duvidosos.

É bela a vida e os anos são formosos,
E nunca ao peito amante o amor falece…
Mas, se a beleza aqui nos aparece,
Logo outra lembra de mais puros gosos.

Minh’alma, ó Deus! a outros céus aspira:
Se um momento a prendeu mortal beleza,
É pela eterna pátria que suspira…

Porém do presentir dá-me a certeza.
Dá-ma! e sereno, embora a dor me fira,
Eu sempre bendirei esta tristeza!

XIX

Sai a passeio, mal o dia nasce,
Bela, nas simples roupas vaporosas;
E mostra às rosas do jardim as rosas
Frescas e puras que possui na face.

Passa. E todo o jardim, por que ela passe,
Atavia-se. Há falas misteriosas
Pelas moitas, saudando-a respeitosas…
É como se uma sílfide passasse!

E a luz cerca-a, beijando-a. O vento é um choro
Curvam-se as flores trêmulas … O bando
Das aves todas vem saudá-la em coro …

E ela vai, dando ao sol o rosto brendo.
Às aves dando o olhar, ao vento o louro
Cabelo, e às flores os sorrisos dando…

Campesinas VIII

Orgulho das raparigas,
Encanto ideal dos rapazes,
Acendes crenças vivazes
Com tuas belas cantigas.

No louro ondear das espigas,
Boca cheirosa a lilazes,
Carne em polpa de ananases
Lembras baladas antigas.

Tens uns tons enevoados
De castelos apagados
Nas eras medievais.

Falta-te o pajem na ameia
Dedilhando, a lua cheia,
O bandolim dos seus ais!

Sofredora

Cobre-lhe a fria palidez do rosto
O sendal da tristeza que a desola;
Chora – o orvalho do pranto lhe perola
As faces maceradas de desgosto.

Quando o rosário de seu pranto rola,
Das brancas rosas do seu triste rosto
Que rolam murchas como um sol já posto
Um perfume de lágrimas se evola.

Tenta às vezes, porém, nervosa e louca
Esquecer por momento a mágoa intensa
Arrancando um sorriso à flor da boca.

Mas volta logo um negro desconforto,
Bela na Dor, sublime na Descrença.
Como Jesus a soluçar no Horto!

In Memoriam

Ao meu morto querido

Na cidade de Assis, “il Poverello”
santo, três vezes santo, andou pregando
Que o Sol, a Terra, a flor, o rocio brando,
Da pobreza o tristíssimo flagelo,

Tudo quanto há de vil, quanto há de belo,
Tudo era nosso irmão! — E assim sonhando,
Pelas estradas da Umbra foi forjando
Da cadeia do amor o maior elo!

“Olha o nosso irmão Sol, nossa irmã Água…”
Ah! Poverello! Em mim, essa lição
Perdeu-se como vela em mar de mágoa

Batida por furiosos vendavais!
— Eu fui na vida a irmã de um só Irmão,
E já não sou a irmã de ninguém mais!

Madona Da Tristeza

Quando te escuto e te olho reverente
E sinto a tua graça triste e bela
De ave medrosa, tímida, singela,
Fico a cismar enternecidamente.

Tua voz, teu olhar, teu ar dolente
Toda a delicadeza ideal revela
E de sonhos e lágrimas estrela
O meu ser comovido e penitente.

Com que mágoa te adoro e te contemplo,
Ó da Piedade soberano exemplo,
Flor divina e secreta da Beleza.

Os meus soluços enchem os espaços
Quando te aperto nos estreitos braços,
solitária madona da Tristeza!

Desengano

A pensionista pálida que gosta
(Fundada pretensão!) que a digam bela,
E do colégio, à tarde, na janela,
Para dar-me um sorriso se recosta;

Que me escreve nas férias, de Bemposta,
Aonde vai visitar a parentela,
Pedindo-me que não me esqueça dela
E dando-me uns beijinhos…, pela posta;

Essa ninfa gentil dos olhos pretos,
Essa beleza de anjo… oh, sorte varia;
Vergonha eterna para os meus bisnetos!

Com um pançudo burguês, uma alimária
Que não a sabe amar, nem faz sonetos,
Vai casar-se amanhã na Candelária.

Plena Nudez

Eu amo os gregos tipos de escultura:
Pagãs nuas no mármore entalhadas;
Não essas produções que a estufa escura
Das modas cria, tortas e enfezadas.

Quero um pleno esplendor, viço e frescura
Os corpos nus; as linhas onduladas
Livres: de carne exuberante e pura
Todas as saliências destacadas…

Não quero, a Vênus opulenta e bela
De luxuriantes formas, entrevê-la
De transparente túnica através:

Quero vê-la, sem pejo, sem receios,
Os braços nus, o dorso nu, os seios
Nus… toda nua, da cabeça aos pés!

Ardor Em Firme Coração Nascido

Ardor em firme coração nascido;
Pranto por belos olhos derramado;
Incêndio em mares de água disfarçado;
Rio de neve em fogo convertido:

Tu, que um peito abrasas escondido;
Tu, que em um rosto corres desatado;
Quando fogo, em cristais aprisionado;
Quando cristal, em chamas derretido.

Se és fogo, como passas brandamente,
Se és neve, como queimas com porfia?
Mas ai, que andou Amor em ti prudente!

Pois para temperar a tirania,
Como quis que aqui fosse a neve ardente,
Permitiu parecesse a chama fria.

Arvore, Cujo Pomo, Belo E Brando

Arvore, cujo pomo, belo e brando,
natureza de leite e sangue pinta,
onde a pureza, de vergonha tinta,
está virgíneas faces imitando;

nunca da ira e do vento, que arrancando
os troncos vão, o teu injúria sinta;
nem por malícia de ar te seja extinta
a cor, que está teu fruto debuxando;

que, pois me emprestas doce e idóneo abrigo
a meu contentamento, e favoreces
com teu suave cheiro minha glória,

se não te celebrar como mereces,
cantando te, sequer farei contigo
doce, nos casos tristes, a memória.

Baixel Veloz, Que Ao Úmido Elemento

Baixel veloz, que ao úmido elemento
A voz no nauta experto afoito entrega,
Demora o curso teu, perto navega
Da terra onde me fica o pensamento!

Enquanto vais cortando o salso argento,
Desta praia feliz não se desprega
(Meus olhos, não, que amargo pronto os rega)
Minha alma, sim, e o amor que é meu tormento.

Baixel, que vais fugindo despiedado,
Sem temor dos contrastes da procela,
Volta ao menos, que vais tão apressado,

Encontre-a eu gentil, mimosa e bela!
E o pranto qu’ora verto amargurado,
Possa eu verter então nos lábios dela!

Indo O Triste Pastor Todo Embebido

Indo o triste pastor todo embebido
na sombra de seu doce pensamento,
tais queixas espalhava ao leve vento
cum brando suspirar da alma saído:

-A quem me queixarei, cego, perdido,
pois nas pedras não acho sentimento?
Com quem falo? A quem digo meu tormento
que onde mais chamo, sou menos ouvido?

Oh! bela Ninfa, porque não respondes?
Porque o olhar-me tanto me encareces?
Porque queres que sempre me querele?

Eu quanto mais te vejo, mais te escondes!
Quanto mais mal me vês, mais te endureces!
Assi que co mal cresce a causa dele.

Siga-se Amor

Ou fosse, Nize, em nós pouca cautela,
Ou que alguém pressentisse o nosso enleio,
Tudo se sabe já; tudo é já cheio,
Qu’algum cuidado há muito nos disvela.

Dizem, qu’eu sou feliz, que tu és bela;
E às vezes com satírico rodeio,
Um murmura, outro zomba, e sem receio
A fama cada qual nos atropela.

Mas se nunca se tapa a boca à gente,
E se amor sempre activo nos devora,
Porque aquela é mordaz, porque este ardente;

Adoremo-nos pois como até agora:
Siga-se amor; arraste-se a corrente;
E se o mundo falar, que fale embora.

Olavo Bilac

Vim afinal para o solar dos astros,
De irradiações puríssimas e belas,
Numa viagem de alterosos mastros,
Numa viagem de saudosas velas…

Das alegrias nos febris enastros
Que as almas prendem para percebê-las,
Vim cantando e feliz, fugindo aos rastros
Da terra de onde vi e ouvi estrelas.

E por aqui, nas lúcidas paisagens,
Vestido das mais fluídicas roupagens
Tecido de ouro, nos clarões imersos…

Ando a gozar, entre lauréis e palmas,
O que cantei na terra, junto às almas,
Na eterna florescência dos meus versos.

Soneto XXXVII

Menos sente o não ver quem cego nasce
Que aquele, que depois de ter gozado
A frescura do rio, fonte e prado,
Nesta beleza os olhos já não pasce.

Menos, o que não viu a bela face
Da fortuna, que quem alevantado
No mais alto, caiu daquele estado,
Não temendo que esquiva se mostrasse.

Mas contudo não sente tanto o cego
Que já viu, o não ver, nem sente assi
O que já rico foi, ver-se em pobreza.

Como eu, e tanto mais nisto me emprego,
Quanto mor é o bem em que me vi
Que a vista de seus olhos e a riqueza.