Sonetos sobre Belos

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Sonetos de belos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Soneto

(Lendo o “Poema de Maio”)

Na rua em funeral ei-la que passa,
A romaria eterna dos aflitos,
A procissĂŁo dos tristes, dos proscritos,
Dos romeiros saudosos da desgraça.

E na choça a lamúria que traspassa
O coração, além, ânsias e gritos
De mĂŁes que arquejam sobre os probrezitos
Filhos que a Fome derrubou na praça.

Entre todos, porém, lânguida e bela,
Da juventude a virginal capela
A lhe cingir de luz a fronte baça,

Vai Corina mendiga e esfarrapada,
A alma saudosa pelo amor vibrada,
– A Stella Matutina da Desgraça!

MarĂ­lia De Dirceu

Soneto 10

Adeus, cabana, adeus; adeus, Ăł gado;
Albina ingrata, adeus, em paz te deixo;
Adeus, doce rabil; neste alto freixo
Te fica, ao meu destino consagrado.

Se te for meu sucesso perguntado,
nĂŁo declares, rabil, de quem me queixo;
nĂŁo quero que se saiba vive Aleixo
por causa de uma infame desterrado.

Se vires a pastor desconhecido,
lhe dize entĂŁo piedoso: – Ah! vai-te embora,
atalha os danos, que outros tĂŞm sentido.

Habita nesta aldeia uma pastora,
de rosto belo, coração fingido,
umas vezes cruel, e as mais traidora.

Felina Mulher

Eu quisera depois das lutas acabadas,
na paz dos vegetais adormecer um dia
e nunca mais volver da santa letargia,
meu corpo dando pasto Ă s plantas delicadas.

Seria belo ouvir nas moitas perfumadas,
enquanto a mesma seiva em mim também corria,
as sãs vegetações, em íntima harmonia,
aos troncos enlaçando as lívidas ossadas!

Ó beleza fatal que há tanto tempo gabo:
se eu volvesse depois feito em jasmins-do-cabo
– gentil metamorfose em que nesta hora penso –

tu, felina mulher, com garras de veludo,
havias de trazer meu espĂ­rito, contudo,
envolto muita vez nas dobras do teu lenço!

MarĂ­lia De Dirceu

Soneto 5

Ao templo do Destino fui levado:
Sobre o altar num cofre se firmava,
Em cujo seio cada qual buscava,
Tremendo, anĂşncio do futuro estado.

Tiro um papel e lio – cĂ©u sagrado,
Com quanta causa o coração pulsava!
Este duro decreto escrito estava
Com negra tinta pela mĂŁo do fado:

“Adore Polidoro a bela Ormia,
sem dela conseguir a recompensa,
nem quebrar-lhe os grilhões a tirania.”

Dar mãos Amor mo arranca, e sem detença,
TrĂŞs vezes o levando Ă  boca impia,
Jurou cumprir à risca a tal sentença.

Se Eu Fosse Um Padre

Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
nĂŁo falaria em Deus nem no Pecado
– muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,

nĂŁo citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terrĂ­veis maldições…
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,

Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!

Porque a poesia purifica a alma
… a um belo poema – ainda que de Deus se aparte –
um belo poema sempre leva a Deus!

Cartas

Vou correndo buscá-las – sĂŁo tĂŁo leves!
mas trazem a minha alma um grande encanto,
– por que as cartas que escreves custam tanto?
– por que demora tanto o que me escreves?

NĂŁo deves torturar-me assim, nĂŁo deves!
– Do teu silĂŞncio muita vez me espanto…
Mando-te longas cartas – e entretanto
como tuas respostas sĂŁo tĂŁo breves!…

Recebes cartas minhas todo dia,
e elas nĂŁo dizem tudo o que eu queria
mas falam-te de amor… de coisas belas!

Tuas cartas… Mas dou-te o meu perdĂŁo,
– que me importa afinal ter razĂŁo,
se gosto tanto de esperar por elas!

Ela

Ă€ beleza tĂŁo pura do semblante,
à luz sublime que há nos olhos dela,
– pergunto-me a mim mesmo a todo instante,
como tĂŁo simples pode ser tĂŁo bela…

Diferente das outras, diferente
dos moldes tĂŁo comuns de uma mulher,
– ela me faz pensar num mundo ausente
deste que a gente sem querer já quer…

Bem que a quis esquecer – e noutro amor
procurei me enganar, acreditando
ser do meu pobre coração, senhor…

Em vĂŁo tentei… Em vĂŁo… Vendo-a naquela
doce e pura expressĂŁo – fico pensando
que Ă© impossĂ­vel nĂŁo pensar mais nela!…

A Minha Dor

A minha Dor Ă© um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.

Os sinos tĂŞm dobres de agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal…
E todos tĂŞm sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias…

A minha Dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martĂ­rios,
Tão belos como nunca os viu alguém!

Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguĂ©m ouve… ninguĂ©m vĂŞ… ninguĂ©m…

Na Mazurka

Morava num palácio — estranha BabilĂ´nia
De arcadas colossais, de impávidos zimbórios,
Alcovas de damasco e torreões marmóreos,
Volutas primorais de arquitetura jĂ´nia.

Assim, quando surgia em meio aos peristilos
Descendo, qual mulher de Séfora, vaidosa,
Envolta em ouropéis, em sedas, luxuosa,
Cercam-na do belo os mĂ­sticos sigilos!

E quando nos saraus, assim como um rainĂşnculo,
O lábio lhe tremia e o olhar, vivo carbúnculo,
Vibrava nos salões, como uma adaga turca,

Ou como o sol em cheio e rubro sobre o BĂłsforo,
— nos crânios os Homens sentiam ter mais fĂłsforo…
Ao vĂŞ-la escultural no passo da Mazurka…

IncoerĂŞncia ?

Achas-me indiferente… e atĂ© crĂŞs que há desdĂ©m
quando falo de amor em palavras singelas…
– pensas que as juras todas que já ouviste, aquelas
juras, a outras mulheres vou fazer tambĂ©m…

Dizes que nĂŁo te quero… E eu te pergunto: – a quem
devo tudo o que fiz, as poesias mais belas?
– outras dirĂŁo talvez que as fiz pensando nelas,
mas todas te pertencem mais do que a ninguém!

NĂŁo vĂŞs que o que te cerca Ă© a mentira da vida…
– nem sabes descobrir essa paixĂŁo imensa
que o meu orgulho torna egoĂ­sta e dolorida…

NĂŁo vĂŞs que o meu viver Ă© falso, – e se resume
em te amar como um louco em minha indiferença,
e fingir que amo as outras para teu ciĂşme!

XXV

NĂŁo de tigres as testas descarnadas,
Não de hircanos leões a pele dura,
Por sacrifĂ­cio Ă  tua formosura,
Aqui te deixo, Ăł Lise, penduradas:

Ânsias ardentes, lágrimas cansadas,
Com que meu rosto enfim se desfigura,
SĂŁo, bela ninfa, a vĂ­tima mais pura,
Que as tuas aras guardarĂŁo sagradas.

Outro as flores, e frutos, que te envia,
Corte nos montes, corte nas florestas;
Que eu rendo as mágoas, que por ti sentia:

Mas entre flores, frutos, peles, testas,
Para adornar o altar da tirania,
Que outra vĂ­tima queres mais, do que estas ?

A uma Mulher

Pra vĂłs sĂŁo estes versos, pla consoladora
Graça dos olhos onde chora e ri um sonho
Doce, pla vossa alma pura e sempre boa,
Versos do fundo desta aflição opressora.

Porque, ai! o pesadelo hediondo que me assombra
Não dá tréguas e, louco, furioso, ciumento,
Multiplica-se como um cortejo de lobos
E enforca-se com o meu destino que ensanguenta!

Ah! sofro horrivelmente, ao ponto de o gemido
Desse primeiro homem expulso do ParaĂ­so
Não passar de uma écloga à vista do meu!

E os cuidados que vĂłs podeis ter sĂŁo apenas
Andorinhas voando à tarde pelo céu
— Querida — num belo dia de um Setembro ameno.

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

Exilada

Bela viajante dos paĂ­ses frios
NĂŁo te seduzam nunca estes aspectos
Destas paisagens tropicais — secretos,
— Os teus receios devem ser sombrios.

És branca e és loura e tens os amavios
Os incĂłgnitos filtros prediletos
Que podem produzir ondas de afetos
Nos mais sensíveis corações doentios.

Loura Visão, Ofélia desmaiada,
Deixa esta febre de ouro, a febre ansiada
Que nos venenos deste sol consiste.

Emigra destes cálidos países,
Foge de amargas, fundas cicatrizes,
Das alucinações de um vinho triste…

Presença Bela, Angélica Figura

Presença bela, angélica figura,
em quem, quanto o Céu tinha, nos tem dado;
gesto alegre, de rosas semeado,
entre as quais se está rindo a Fermosura;

olhos, onde tem feito tal mistura
em cristal branco o preto marchetado,
que vemos já no verde delicado
não esperança, mas enveja escura;

brandura, aviso e graça, que aumentando
a natural beleza cum desprezo,
com que, mais desprezada, mais se aumenta;

são as prisões de um coração que, preso,
seu mal ao som dos ferros vai cantando,
como faz a sereia na tormenta.

VisĂŁo Medieva

Quando em outras remotas primaveras,
Na idade-média, sob fuscos tetos,
Dois amantes passavam, mil aspectos
Tinham aquelas medievais quimeras.

Nas armaduras rĂ­gidas e austeras,
Na aérea perspectiva dos objetos
Andavam sonhos e visões, diletos
Segredos mortos nas extintas eras.

O fantasma do amor pelos castelos
Mudo vagava entre os luares belos,
Dos corredores nas paredes frias.

NĂŁo raro se escutava um som de passos,
Rumor de beijos, frêmito de abraços
Pelas caladas, fundas galerias.

HistĂłria Antiga

Vendo-a, fico a pensar que entre nĂłs, certo dia…
Mas, para que falar desse tempo feliz?
Eu a quis – nem eu sei dizer como a queria!
Ela – Quem poderá dizer quanto me quis?!

Foi romance talvez, foi talvez fantasia,
vida que quase chega, e foge, por um triz…
Nosso amor, mas nem eu me lembro o que dizia!
Quem há de se lembrar do que a sonhar se diz!

Era um misto de sonho e tĂ­mido desejo:
eu – temendo manchar uma afeição tĂŁo bela!
ela – a entregar-me a vida e a boca num sĂł beijo!

Ah! a Vida… Afinal quem a vida adivinha?
Nem eu – que tanto a quis – sei por que nĂŁo sou dela!
nem ela, há de saber por que nunca foi minha!

Soneto XXXXIIII

Do fundo sobe do mar Indo acima
A recolher o orvalho a concha, e nela,
Despois que pouco a pouco se congela,
A pérola nos dá de tanta estima.

Hoje, despois que o Céu choveu de cima
O rico orvalho, aquela concha, aquela
Divina humana, mais que todas bela,
O mundo pobre com seu parto anima.

Mas ai que a concha aberta o orvalho fino
Recebe, e em pedra dá; porém, Maria,
De outra invenção e modo extraordinário.

E como vem tĂŁo pobre este minino?
Vem tosca pedra, e seu preço e valia
Só conhece o discreto lapidário.

Anjo No Nome, Angélica Na Cara

Anjo no nome, Angélica na cara,
Isso Ă© ser flor, e Anjo juntamente,
Ser Angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, senĂŁo em vĂłs se uniformara?

Quem veria uma flor, que nĂŁo a cortara
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tĂŁo luzente,
Que por seu Deus, o nĂŁo idolatra?

Se como Anjo sois dos meus altares,
FĂ´reis o meu custĂłdio, e minha guarda,
Livrara eu de diabĂłlicos azares.

Mas vejo, que tĂŁo bela, e tĂŁo galharda,
Posto que os Anjos nunca dĂŁo pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e nĂŁo me guarda.

Soneto De Vinicius Dedicado A Neruda

Quantos caminhos nĂŁo fizemos juntos
Neruda, meu irmĂŁo, meu companheiro…
Mas este encontro sĂşbito, entre muitos
NĂŁo foi ele o mais belo e verdadeiro?

Canto maior, canto menor – dois cantos
Fazem-se agora ouvir sob o cruzeiro
E em seu recesso as cĂłleras e os prantos
Do homem chileno e do homem brasileiro

E o seu amor – o amor que hoje encontramos…
Por isso, ao se tocarem nossos ramos
Celebro-te ainda além, cantor geral

Porque como eu, bicho pesado, voas
Mas mais alto e melhor do céu entoas
Teu furioso canto material!

Chorai, Ninfas, Os Fados Poderosos

Chorai, Ninfas, os fados poderosos
daquela soberana fermosura!
Onde foram parar na sepultura
aqueles reais olhos graciosos?

Ă“ bens do mundo, falsos e enganosos!
Que mágoas para ouvir! Que tal figura
jaza sem resplandor na terra dura,
com tal rosto e cabelos tĂŁo fermosos!

Das outras que será, pois poder teve
a morte sobre cousa tanto bela
que ela eclipsava a luz do claro dia?

Mas o mundo nĂŁo era dino dela,
por isso mais na terra nĂŁo esteve;
ao Céu subiu, que já *se* lhe devia.