Sonetos sobre Corpo

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Sonetos de corpo escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

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Ah! primeiras amantes! oaristos!, dourados
Cabelos, o azul dos olhos, carne em flor
De corpos juvenis, e entre o seu odor
As carícias a medo e com espontaneidade!

Ficaram já distantes essas alegrias
E todas as canduras! Rumo à Primavera
Dos remorsos fugiram aos negros Invernos
Das minhas dores, dos meus cansaços e agonias!

E eis-me aqui, agora, só e abatido,
Desesperado e mais frio que os avós mais antigos,
Tão pobre como um órfão sem irmã crescida.

Ó mulher de amor meigo e tão reconfortante,
Suave e pensativa, que nunca se espanta
E nos beija na testa, como uma criança!

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

A Brevidade da Vida

MANIFESTA-SE A PRÓPRIA BREVIDADE DA VIDA, SEM PENSAR E COM PADECER, ASSALTADA PELA MORTE

Foi sonho ontem: será amanhã terra;
pouco antes, nada; pouco depois, fumo;
e destino ambições, até presumo
nem um momento o cerco que me encerra.

Breve combate de importuna guerra,
p’ra defender-me, sou perigo sumo;
quando com minhas armas me consumo,
menos me hospeda o corpo, que me enterra.

Foi-se o ontem; amanhã é esperado;
hoie passa, e é, e foi com movimento
que me conduz à morte despenhado.

Enxadas são a hora e o momento;
pagas por minha pena e meu cuidado,
cavam em meu viver meu monumento.

Tradução de José Bento

Sou

Sou o que sabe não ser menos vão
Que o vão observador que frente ao mudo
Vidro do espelho segue o mais agudo
Reflexo ou o corpo do irmão.

Sou, tácitos amigos, o que sabe
Que a única vingança ou o perdão
É o esquecimento. Um deus quis dar então
Ao ódio humano essa curiosa chave.

Sou o que, apesar de tão ilustres modos
De errar, não decifrou o labirinto
Singular e plural, árduo e distinto,

Do tempo, que é de um só e é de todos.
Sou o que é ninguém, o que não foi a espada
Na guerra. Um esquecimento, um eco, um nada.

Volúpia

Quisera te associar à pureza e à candura
quando pensasse em ti… Mas a emoção, teimosa,
transforma sem querer toda a minha ternura
numa estranha lembrança ardente voluptuosa…

Não poderei dizer apenas que és formosa
quando a própria beleza em ti se transfigura,
– e pela tua carne há pétalas de rosa
e no teu corpo há um canto fresco de água pura!

Um sincero pudor vislumbro em teus enleios,
mas se disser que te amo com pureza, eu minto,
– no olhar trago tatuada a visão de teus seios…

E em vão tento associar-te ao céu, à fonte, à flor!
Quando falo de ti, penso em teu corpo, e sinto
que ainda estremece em mim teu último estertor!

Presídio

Nem todo o corpo é carne… Não, nem todo
Que dizer do pescoço, às vezes mármore,
às vezes linho, lago, tronco de árvore,
nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco…?

E o ventre, inconsistente como o lodo?…
E o morno gradeamento dos teus braços?
Não, meu amor… Nem todo o corpo é carne:
é também água, terra, vento, fogo…

É sobretudo sombra à despedida;
onda de pedra em cada reencontro;
no parque da memória o fugidio

vulto da Primavera em pleno Outono…
Nem só de carne é feito este presídio,
pois no teu corpo existe o mundo todo!

Plena Nudez

Eu amo os gregos tipos de escultura:
Pagãs nuas no mármore entalhadas;
Não essas produções que a estufa escura
Das modas cria, tortas e enfezadas.

Quero um pleno esplendor, viço e frescura
Os corpos nus; as linhas onduladas
Livres: de carne exuberante e pura
Todas as saliências destacadas…

Não quero, a Vênus opulenta e bela
De luxuriantes formas, entrevê-la
De transparente túnica através:

Quero vê-la, sem pejo, sem receios,
Os braços nus, o dorso nu, os seios
Nus… toda nua, da cabeça aos pés!

Ironia De Lágrimas

Junto da Morte é que floresce a Vida!
Andamos rindo junto à sepultura.
A boca aberta, escancarada, escura
Da cova é como flor apodrecida.

A Morte lembra a estranha Margarida
Do nosso corpo, Fausto sem ventura…
Ela anda em torno a toda a criatura
Numa dança macabra indefinida.

Vem revestida em suas negras sedas
E a marteladas lúgubrees e tredas
Das ilusões o eterno esquife prega.

E adeus caminhos vãos, mundos risonhos,
Lá vem a loba que devora os sonhos,
Faminta, absconsa, imponderada, cega!

Terra

Ó Terra, amável mãe da Natureza!
Fecunda em produções de imensos entes,
Criadora das próvidas sementes
Que abastam toda a tua redondeza!

Teu amor sem igual, sem par fineza,
Teus maternais efeitos providentes
Dão vida aos seres todos existentes,
Dão brio, dão vigor, dão fortaleza.

Tu rasgas do teu corpo as grossas veias
E as cristalinas fontes de água pura
Tens, para a nossa sede, sempre cheias.

Tu, na vida e na morte, com ternura
Amas os filhos teus, tu te recreias
Em lhes dar, no teu seio, a sepultura.

Corpo A Corpo, À Campanha Embravecida

Corpo a corpo, à campanha embravecida,
Braço a braço, à batalha rigorosa,
Sai Vieira com sanha belicosa,
De impaciente a Morte sai vestida.

Investem-se cruéis; e na investida,
A Morte se admirou menos lustrosa;
Que Vieira, com força portentosa,
Sua cruel força prostrou vencida.

Porém, vendo ele então, que se na empresa
Vencia à própria Morte, ninguém nega
Que seus foros perdia a Natureza:

Porque ela se exercite, bruta e cega,
Em devorar as vidas com fereza,
Ao seu poder Vieira a sua entrega.

Pássaro Marinho

Manhã de maio, rosas pelo prado,
Gorjeios, pelas matas verdurosas
E a luz cantando o idílio de um noivado
Por entre as matas e por entre as rosas.

Uma toilette matinal que o alado
Corpo te enflora em graças vaporosas,
Mergulhas, como um pássaro rosado,
Nas cristalinas águas murmurosas.

Dás o bom dia ao Mar nesse mergulho
E das águas salgadas ao marulho
Sais, no esplendor dos límpidos espaços.

Trazes na carne um reflorir de vinhas,
Auroras, virgens músicas marinhas,
Acres aromas de algas e sargaços!

Amar é Conhecer Virtude Ardente

AMOR QUE, SEM DETER-SE NO ASPECTO SENSITIVO, PASSA AO INTELECTUAL

Mandou-me, ai Fábio!, que a amasse Flora,
e que não a quisesse; meu cuidado,
obediente, confuso, torturado,
sem desejá-la, tal beleza adora.

O que o humano afecto sente e chora
goza o entendimento, enamorado
do espírito eterno, encarcerado
neste claustro mortal que o entesoura.

Amar é conhecer virtude ardente;
o querer é vontade interessada,
grosseira e rude, passageiramente.

O corpo é terra, sê-lo-á, foi nada;
de Deus procede à eternidade a mente:
eterno amante sou de eterna amada.

Tradução de José Bento

Vingança

“Vingança…”
I
Ontem eu a possuí … e você não é minha!
Paradoxo talvez, mas tudo aconteceu …
Em pensamento, o beijo eu colhia, tinha
o sabor desse beijo que você não deu …

De olhos cerrados, louco, a sua imagem vinha
com a força do que é real e se impôs ao meu”eu”…
E o corpo que eu tocava e a minha mão sustinha,
na sombra, aos meus sentidos cegos – era o seu!

Ontem por mais que a idéia seja estranha e louca,
– você foi minha enfim!… apertei-a ao meu peito…
desmanchei seus cabelos… machuquei-lhe a boca!

E possuía afinal, – num ímpeto criador –
vingando o meu orgulho abatido e desfeito
num doentio segundo de paixão e amor!

Ah, Mas Aqui, Onde Irreais Erramos

Ah, mas aqui, onde irreais erramos,
Dormimos o que somos, e a verdade,
Inda que enfim em sonhos a vejamos,
Vemo-la, porque em sonho, em falsidade.

Sombras buscando corpos, se os achamos
Como sentir a sua realidade?
Com mãos de sombra, Sombras, que tocamos?
Nosso toque é ausência e vacuidade.

Quem desta Alma fechada nos liberta?
Sem ver, ouvimos para além da sala
De ser: mas como, aqui, a porta aberta?

Calmo na falsa morte a nós exposto,
O Livro ocluso contra o peito posto,
Nosso Pai Roseacruz conhece e cala.

XVII

Por estas noites frias e brumosas
É que melhor se pode amar, querida!
Nem uma estrela pálida, perdida
Entre a névoa, abre as pálpebras medrosas

Mas um perfume cálido de rosas
Corre a face da terra adormecida …
E a névoa cresce, e, em grupos repartida,
Enche os ares de sombras vaporosas:

Sombras errantes, corpos nus, ardentes
Carnes lascivas … um rumor vibrante
De atritos longos e de beijos quentes …

E os céus se estendem, palpitando, cheios
Da tépida brancura fulgurante
De um turbilhão de braços e de seios.

Enclausurada

Ó Monja dos estranhos sacrifícios,
Meu amor imortal, Ave de garras
E asas gloriosas, triunfais, bizarras,
Alquebradas ao peso dos cilícios.

Reclusa flor que os mais revéis flagícios
Abalaram com as trágicas fanfarras,
Quando em formas exóticas de jarras
Teu corpo tinha a embriaguez dos vícios.

Para onde foste, ó graça das mulheres,
Graça viçosa dos vergéis de Ceres
Sem que o meu pensamento te persiga?!

Por onde eternamente enclausuraste
Aquela ideal delicadeza de haste,
De esbelta e fina ateniense antiga?!

(H)Aras E Sara(H)

Nas areias do Saara sei-me potro
corcel bebendo o fogo do deserto.
Nas almofadas dunas tão macias
deito-me ao sono sonho cavalgando.

Arrebatado sigo sem miragens
teu trote gracioso nesse oásis
de ver nas anchas ancas tanta água
e sei que a minha sede tem abrigo.

Sedento garanhão de antiga Arábia
no solo de Israel lua de alfanje
brilha na tenda a estrela de David.

Iluminada alcova ardendo em sândalo
a sarça da paixão demove intrigas
e rega no seu vinho nossos corpos.

À Sua Velhice

Meu corpo assaz tem sido espicaçado
Com buídos punhais, por mão da Morte,
Que arrebatado tem, da minha corte,
Grande rancho de quanto tenho amado.

Não me poupa a cruel no triste estado
Do caduco viver da minha Sorte:
Quando era vigoroso, moço forte,
Suportava com mais valor meu Fado.

Então as minhas ásperas feridas
Não tinham para mim tardias curas,
Porque o Tempo receitas tem, sabidas.

Mas velho e c’o vapor das sepulturas,
Como posso curar as desabridas
Chagas, das minhas novas amarguras?

Soneto de Mal Amar

Invento-te    recordo-te   distorço
a tua imagem mal e bem amada
sou apenas a forja em que me forço
a fazer das palavras tudo ou nada.

A palavra desejo incendiada
lambendo a trave mestra do teu corpo
a palavra ciúme atormentada
a provar-me que ainda não estou morto.

E as coisas que eu não disse? Que não digo:
Meu terraço de ausência    meu castigo
meu pântano de rosas afogadas.

Por ti me reconheço e contradigo
chão das palavras mágoa joio e trigo
apenas por ternura levedadas.

Que Hei De Fazer De Mim, Neste Quarto Sozinho

Que hei de fazer de mim, neste quarto sozinho
Apavorado, lancinado, corrompido
A solidão ardendo em meu corpo despido
E em volta apenas trevas e a imagem do carinho!

Defendido, a me encher como um rio contido
E eu só, e eu sempre só! Ó miséria, ó pudor!
Vem, deita comigo, branco e rápido amor
Risca de estrelas cruéis meu céu perdido!

Lança uma virgem, se lança, sobre esse quarto
Fá-la que monte no teu sórdido inimigo
E que o asfixie sob o seu púbis farto

Mas que prazer é o teu, pobre alma vazia
Que a um tempo ordenha lágrimas contigo
E outras enxugas, fiéis lágrimas de agonia!

Fonógrafo

Vai declamando um cômico defunto.
Uma platéia ri, perdidamente,
Do bom jarreta… E há um odor no ambiente.
A cripta e a pó, – do anacrônico assunto.

Muda o registo, eis uma barcarola:
Lírios, lírios, águas do rio, a lua…
Ante o Seu corpo o sonho meu flutua
Sobre um paul, – extática corola.

Muda outra vez: gorjeios, estribilhos
Dum clarim de oiro – o cheiro de junquilhos,
Vívido e agro! – tocando a alvorada…

Cessou. E, amorosa, a alma das cornetas
Quebrou-se agora orvalhada e velada.
Primavera. Manhã. Que eflúvio de violetas!