Renúncia
Chora de manso e no íntimo… Procura
Curtir sem queixa o mal que te crucia:
O mundo é sem piedade e até riria
Da tua inconsolável amargura.Só a dor enobrece e é grande e é pura.
Aprende a amá-la que a amarás um dia.
Então ela será tua alegria,
E será, ela só, tua ventura…A vida é vã como a sombra que passa…
Sofre sereno e de alma sobranceira,
Sem um grito sequer, tua desgraça.Encerra em ti tua tristeza inteira.
E pede humildemente a Deus que a faça
Tua doce e constante companheira…
Sonetos sobre Deus
215 resultadosA Redenção
A divina emoção que tu me deste,
Já m´a deu uma árvore ao poente…
Não é só teu encanto que te veste:
A seiva e o sangue rezam irmãmente.Às vezes nuvens, mares, areais,
Dão-me mais sonho do que os olhos teus…
É como se eles fossem meus iguais,
Tendo nós todos fé no mesmo Deus…Não será isto o instinto, a profecia,
De que desfeitos e transfigurados
Viveremos num só, numa harmonia?…Sim, deve ser: amor, sonho, emoção,
São esforços febris d´encarcerados
Para quem a Unidade é a redenção.
Rústica
Ser a moça mais linda do povoado.
Pisar, sempre contente, o mesmo trilho,
Ver descer sobre o ninho aconchegado
A bênção do Senhor em cada filho.Um vestido de chita bem lavado,
Cheirando a alfazema e a tomilho…
– Com o luar matar a sede ao gado,
Dar às pombas o sol num grão de milho…Ser pura como a água da cisterna,
Ter confiança numa vida eterna
Quando descer à “terra da verdade”…Deus, dai-me esta calma, esta pobreza!
Dou por elas meu trono de Princesa,
E todos os meus Reinos de Ansiedade.
Voz Interior
(A João de Deus)
Embebido n’um sonho doloroso,
Que atravessam fantásticos clarões,
Tropeçando n’um povo de visões,
Se agita meu pensar tumultuoso…Com um bramir de mar tempestuoso
Que até aos céus arroja os seus cachões,
Através d’uma luz de exalações,
Rodeia-me o Universo monstruoso…Um ai sem termo, um trágico gemido
Ecoa sem cessar ao meu ouvido,
Com horrível, monótono vaivém…Só no meu coração, que sondo e meço,
Não sei que voz, que eu mesmo desconheço,
Em segredo protesta e afirma o Bem!
Vós Outros, Que Buscais Repouso Certo
Vós outros, que buscais repouso certo
na vida, com diversos exercícios;
a quem, vendo do mundo os benefícios,
o regimento seu está encoberto;dedicai, se quereis, ao desconcerto
novas hontas e cegos sacrifícios;
que, por castigo igual de antigos vícios,
quer Deus que andem as cousas por acerto.Não caiu neste modo de castigo
quem pôs culpa à Fortuna, quem sòmente
crê que acontecimentos há no mundo.A grande experiência é grão perigo;
mas o que a Deus é justo e evidente
parece injusto aos homens e profundo.
Fetichismo
Homem, da vida as sombras inclementes
Interrogas em vão: – Que céus habita
Deus? Onde essa região de luz bendita,
Paraíso dos justos e dos crentes?…Em vão tateiam tuas mãos trementes
As entranhas da noite erma, infinita,
Onde a dúvida atroz blasfema e grita,
E onde há só queixas e ranger de dentes…A essa abóbada escura, em vão elevas
Os braços para o Deus sonhado, e lutas
Por abarcá-lo; é tudo em torno trevas…Somente o vácuo estreitas em teus braços;
E apenas, pávido, um ruído escutas,
Que é o ruído dos teus próprios passos!…
Tarde Demais
Crescemos sempre assim, unidos – desde crianças
vivemos como irmãos, e, afinal, só depois
que o tempo nos mudou, é que eu e tu, nós dois,
descobrimos no amor as nossas esperanças…Mas foi tarde demais… Eu já tinha tomado
um rumo diferente – e o meu caminho e o teu
cada qual do princípio um dia se esqueceu,
e seguiu, cada qual, um rumo inesperado…Quantos anos!… Meu Deus!… É esquisita esta vida…
Depois que a nossa estrada em duas foi partida
em uma novamente, o mundo as quis juntar.. .Mas de nada serviu… De que serviu nos vermos
se o presente tornou os nossos sonhos ermos,
– se não podes me amar!… se não posso te amar!…
Meu Ser Evaporei na Luta Insana
Meu ser evaporei na luta insana
Do tropel de paixões que me arrastava:
Ah! cego eu cria, ah! mísero eu sonhava
Em mim quasi imortal a essência humana!De que inúmeros sóis a mente ufana
Existência falaz me não dourava!
Mas eis sucumbe Natureza escrava
Ao mal, que a vida em sua origem dana.Prazeres, sócios meus, e meus tiranos!
Esta alma, que sedenta em si não coube,
No abismo vos sumiu dos desenganosDeus, ó Deus!… quando a morte a luz me roube,
Ganhe um momento o que perderam anos,
Saiba morrer o que viver não soube.
A Minha Mãe
Lembra alvuras de cisne sobre um lago
A minha vida imaculada e honesta…
Ouço bater meu coração em festa,
Pela bondade e amor que nele trago!Do meu orgulho olímpico de mago
Só o desdém aos inimigos resta,
Maior que às folhas mortas da floresta,
Que nos meus dedos pálidos esmago.Mas a piedade enche o meu peito, e vem,
Em vez de tão humano e vil desdém,
Ungir meus lábios de um perdão divino…Julguei ser Deus! E choro de cansaço…
Oh, mãe piedosa, embala no regaço
Meu coração exausto de menino!…
O Morcego
Meia noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vêde:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.“Vou mandar levantar outra parede…”
– Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o tecto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!
Cristo
Cristo morreu, ó tristes criaturas,
Era matéria como vós, morreu;
E quando a noite sepulcral desceu
Gelou com ele o oceano das ternuras.Nunca outro sol de irradiações mais puras
Subiu tão alto e tanto resplendeu,
Nunca ninguém tão firme combateu
Da humanidade todas as torturas.Morreu, que se ele, o Deus, ressuscitasse,
Limpa de sangue e lágrimas a face,
Os seus olhos tranqüilos, virginais,Dons inefáveis, corações piedosos,
Tinham de abrir-se muito dolorosos,
Também chorando quando vós chorais!
Amor, se te Repito
Amor, se te repito, se te clamo
se te exijo e te cravo em mim, se espero
sabendo que não vens, e se te gero
em cada instante meu, e se te amo,amor, se te reservo o que mais quero,
se te acredito exacto e te reclamo,
se te adivinho e sonho e te proclamo
Deus, coração e pátria, o que venero.Amor, se te situo necessário,
se me unifico em ti, eu que fui vário
e fraco para todas as batalhas,em nome de que glória irei firmado
a conquistar-te, amor, se nem me é dado
pedir no instante extremo que me valhas?
Oração Da Noite
Ajoelhada, ó meu Deus, e as duas mãos unidas,
Olhos fitos na Cruz, imploro a tua graça…
Esconde-me, Jesus! da treva que esvoaça
Na tristeza e no horror das noites mal dormidas,Maria! Virgem mãe das almas compungidas,
Sorriso no prazer, conforto na desgraça…
Recolhe essa oração que nos meus lábios passa
Em palavras de fé no teu amor ungidas.Anjo de minha guarda, ó doce companheiro!
Tu que levas do berço ao porto derradeiro
O lúrido batel de meu sonhar sem fim,Dá-me o sono que traz o bálsamo ao tormento,
Afoga o coração no mar do esquecimento…
Abre as asas, meu anjo, e estende-as sobre mim.
Amor
A jovem deusa passa
Com véus discretos sobre a virgindade;
Olha e não olha, como a mocidade;
E um jovem deus pressente aquela graça.Depois, a vide do desejo enlaça
Numa só volta a dupla divindade;
E os jovens deuses abrem-se à verdade,
Sedentos de beber na mesma taça.É um vinho amargo que lhes cresta a boca;
Um condão vago que os desperta e toca
De humana e dolorosa consciência.E abraçam-se de novo, já sem asas.
Homens apenas. Vivos como brasas,
A queimar o que resta da inocência.
Amar!
Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui… além…
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente…
Amar! Amar! E não amar ninguém!Recordar? Esquecer? Indiferente!…
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!E se um dia hei de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder… pra me encontrar…