Sonetos sobre Deus

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Sonetos de deus escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Última Visio

Quando o homem resgatado da cegueira
Vir Deus num simples grão de argila errante,
Terá nascido nesse mesmo instante
A mineralogia derradeira!

A impérvia escuridão obnubilante
Há de cessar! Em sua glória inteira
Deus resplandecerá dentro da poeira
Como um gasofiláceo de diamante!

Nessa última visão já subterrânea,
Um movimento universal de insânia
Arrancará da insciência o homem precito…

A Verdade virá das pedras mortas
E o homem compreenderá todas as portas
Que ele ainda tem de abrir para o Infinito!

Natal

Turvou-se de penumbra o dia cedo;
Nem o sol apertou no meu beiral!
Que longas horas de Jesus! Natal…
E o cepo a arder nas cinzas do brasedo…

E o lar da casa, os corações aos dobres,
É um painel a fogo em seu costume!
Que lindos versos bíblicos, ao lume,
Plo doce Príncipe cristão dos pobres!

Fulvas figuras pra esculpir em barro:
À luz da lenha, em rubro tom bizarro,
Sou em Presépio com meus pais e irmãos

E junto às brasas, os meus olhos postos
Nesta evangélica expressão de rostos,
Ergo em graças a Deus as minhas mãos.

Este, que um deus cruel arremessou à vida,
Marcando-o com o sinal da sua maldição,
– Este desabrochou como a erva má, nascida
Apenas para aos pés ser calcada no chão.

De motejo em motejo arrasta a alma ferida…
Sem constância no amor, dentro do coração
Sente, crespa, crescer a selva retorcida
Dos pensamentos maus, filhos da solidão.

Longos dias sem sol! noites de eterno luto!
Alma cega, perdida à toa no caminho!
Roto casco de nau, desprezado no mar!

E, árvore, acabará sem nunca dar um fruto;
E, homem, há de morrer como viveu: sozinho!
Sem ar! sem luz! sem Deus! sem fé! sem pão! sem lar!

Criação

Há no amor um momento de grandeza,
que é de inconsciência e de êxtase bendito:
os dois corpos são toda a Natureza,
as duas almas são todo o Infinito.

É um mistério de força e de surpresa!
Estala o coração da terra aflito;
rasga-se em luz fecunda a esfera acesa,
e de todos os astros rompe um grito.

Deus transmite o seu hálito aos amantes:
cada beijo é a sanção dos Sete Dias,
e a Gênese fulgura em cada abraço;

Porque, entre as duas bocas soluçantes,
rola todo o Universo, em harmonias
e em florificações, enchendo o espaço!

Cá nesta Babilónia

Cá nesta Babilónia, donde mana
Matéria a quanto mal o mundo cria;
Cá, onde o puro Amor não tem valia,
Que a Mãe, que manda mais, tudo profana;

Cá, onde o mal se afina, o bem se dana,
E pode mais que a honra a tirania;
Cá, onde a errada e cega Monarquia
Cuida que um nome vão a Deus engana;

Cá, neste labirinto, onde a Nobreza,
O Valor e o Saber pedindo vão
Às portas da Cobiça e da Vileza;

Cá, neste escuro caos de confusão,
Cumprindo o curso estou da natureza.
Vê se me esquecerei de ti, Sião!

Árvores Do Alentejo

Ao Prof. Guido Batelli

Horas mortas… Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido… e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!

E quando, manhã alta, o sol pospoente
A oiro, a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!

Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!

Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
– Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!

Invulnerável

Quando dos carnavais da raça humana
Forem caindo as máscaras grotescas
E as atitudes mais funambulescas
Se desfizerem no feroz Nirvana;

Quando tudo ruir na febre insana,
Nas vertigens bizarras, pitorescas
De um mundo de emoções carnavalescas
Que ri da Fé profunda e soberana,

Vendo passar a lúgubre, funérea
Galeria sinistra da Miséria,
Com as máscaras do rosto descoladas,

Tu que és o deus, o deus invulnerável,
Reseiste a tudo e fica formidável,
No Silêncio das nooites estreladas!

Soneto De Criação

Deus te fez numa fôrma pequenina
De uma argila bem doce e bem morena
Deu-te uns olhos minúsculos de china
Que parecem ter sempre um olhar de pena.

Banhou-te o corpo numa fonte fina
Entre os rubores de uma aurora amena
E por criar-te assim, leve e pequena
Soprou-te uma alma calma, cálida e divina.

Tão formosa te fez, tão soberana
Que dar-te aos anjos por irmã queria
Mas ao plasmar-te a carne predileta

Deus, comovido, te criara humana
E para tua justa moradia
Atirou-te nos braços do poeta.

Se Sois Riqueza

Se sois riqueza, como estais despido?
Se Omnipotente, como desprezado?
Se rei, como de espinhos coroado?
Se forte, como estais enfraquecido?

Se luz, como a luz tendes perdida?
Se sol divino, como eclipsado?
Se Verbo, como é que estais calado?
Se vida, como estais amortecido?

Se Deus? estais como homem nessa Cruz?
Se homem? como dais a um ladrão,
Com tão grande poder, posse dos céus?

Ah, que sois Deus e Homem, bom Jesus!
Morrendo por Adão enquanto Adão,
E redimindo Adão enquanto Deus.

Lydia

A Esther

Feliz de quem se vai na tua idade,
Murmura aquele que não crê na vida,
E não pensa sequer na mãe querida
Que te contempla cheia de saudade.

Pobre inocente! Se alegrar quem há-de
Com tua sorte, rosa empalidecida!
Branca açucena inda em botão, caída,
O que irás tu fazer na eternidade?

Foges da terra em busca de venturas?
Mas, meu amor, se conseguires tê-las,
De certo, não será nas sepulturas.

Fica entre nós, irmã das andorinhas:
Deus fez do Céu a pátria das estrelas,
Do olhar das mães o Céu das criancinhas.

Esquecimento

Mais tarde em tua vida, um dia, hás de tentar
revolver da memória este tempo de agora…
– Mas o mundo é uma praia, onde as ondas do mar
apagam quase sempre as lembranças de outrora…

Hás de em vão, ao teu Deus, esse Dom suplicar
sem conseguires nunca o que a tua alma implora…
– É que a vida é uma fonte, a correr sem parar
e a seguir, sem voltar, por este mundo afora…

Não se vive outra vez… O que chamas presente,
há de ser, amanhã, um romance apagado
que em vão procurarás reler, inutilmente…

O tempo tudo vence… Tudo ele consome…
E se um dia, talvez, lembrares teu passado
não mais hás de sequer reconhecer meu nome!…

Não Busco N’esta Vida Glória ou Fama

Não busco n’esta vida glória ou fama:
Das turbas que me importa o vão ruído?
Hoje, deus… e amanhã, já esquecido
Como esquece o clarão de extincta chama!

Foco incerto, que a luz já mal derrama,
Tal é essa ventura: eccho perdido,
Quanto mais se chamou, mais escondido
Ficou inerte e mudo á voz que o chama.

D’essa coroa é cada flor um engano,
É miragem em nuvem ilusoria,
É mote vão de fabuloso arcano.

Mas coroa-me tu: na fronte inglória
Cinge-me tu o louro soberano…
Verás, verás então se amo essa glória!

XIX

Corino, vai buscar aquela ovelha,
Que grita lá no campo, e dormiu fora;
Anda; acorda, pastor; que sai a Aurora:
Como vem tão risonha, e tão vermelha!

Já perdi noutro tempo uma parelha
Por teu respeito; queira Deus, que agora
Não se me vá também estoutra embora;
Pois não queres ouvir, quem te aconselha.

Que sono será este tão pesado!
Nada responde, nada diz Corino:
Ora em que mãos está meu pobre gado!

Mas ai de mim! que cego desatino.
Como te hei de acusar de descuidado,
Se toda a culpa tua é meu destino!

Loucura

Tudo cai! Tudo tomba! Derrocada
Pavorosa! Não sei onde era dantes.
Meu solar, meus palácios, meus mirantes!
Não sei de nada, Deus, não sei de nada!…

Passa em tropel febril a cavalgada
Das paixões e loucuras triunfantes!
Rasgam-se as sedas, quebram-se os diamantes!
Não tenho nada, Deus, não tenho nada!…

Pesadelos de insónia, ébrios de anseio!
Loucura a esboçar-se, a enegrecer
Cada vez mais as trevas do meu seio!

Ó pavoroso mal de ser sozinha!
Ó pavoroso e atroz mal de trazer
Tantas almas a rir dentro da minha!

Delirio

Não posso crêr na morte do Menino!
E julgo ouvi-lo e vê-lo, a cada passo…
É ele? Não. Sou eu que desatino;
É a minha dôr soffrida, o meu cansaço.

Delirio que me prendes num abraço,
Emendarás a obra do Destino?
Vê-lo-ei sorrir, de novo, no regaço
Da mãe? Verei seu rosto pequenino?

Misterio! Sombra imensa! Alto segredo!
Jamais! jamais! Quem sabe? Tenho mêdo!
Que vejo em mim? A treva? a luz futura?

Ah, que a dôr infinita de o perder
Seja a alegria de o tornar a ver,
Meu Deus, embora noutra creatura!

Ruínas

I

E é triste ver assim ir desfolhando,
Vê-las levadas na amplidão do ar,
As ilusões que andámos levantando
Sobre o peito das mães, o eterno altar.

Nem sabe a gente já como, nem quando,
Há-de a nossa alma um dia descansar!
Que as almas vão perdidas, vão boiando
Nesta corrente eléctrica do mar!…

Ó ciência, minha amante, ó sonho belo!
És fria como a folha dum cutelo…
Nunca o teu lábio conheceu piedade!

Mas caia embora o velho paraíso,
Caia a fé, caia Deus! sendo preciso,
Em nome do Direito e da Verdade.

II

Morreu-me a luz da crença — alva cecém,
Pálida virgem de luzentas tranças
Dorme agora na campa das crianças,
Onde eu quisera repousar também.

A graça, as ilusões, o amor, a unção,
Doiradas catedrais do meu passado,
Tudo caiu desfeito, escalavrado
Nos tremendos combates da razão.

Perdida a fé, esse imortal abrigo,
Fiquei sozinho como herói antigo
Batalhando sem elmo e sem escudo.

A implacável, a rígida ciência
Deixou-me unicamente a Providência,

Continue lendo…

Escrava

Ó meu Deus, ó meu dono, ó meu senhor,
Eu te saúdo, olhar do meu olhar,
Fala da minha boca a palpitar,
Gesto das minhas mãos tontas de amor!

Que te seja propício o astro e a flor,
Que a teus pés se incline a Terra e o Mar,
Plos séculos dos séculos sem par,
Ó meu Deus, ó meu dono, ó meu senhor!

Eu, doce e humilde escrava, te saúdo,
E, de mãos postas, em sentida prece,
Canto teus olhos de oiro e de veludo.

Ah! esse verso imenso de ansiedade,
Esse verso de amor que te fizesse
Ser eterno por toda a eternidade!…

Renúncia

Chora de manso e no íntimo… Procura
Curtir sem queixa o mal que te crucia:
O mundo é sem piedade e até riria
Da tua inconsolável amargura.

Só a dor enobrece e é grande e é pura.
Aprende a amá-la que a amarás um dia.
Então ela será tua alegria,
E será, ela só, tua ventura…

A vida é vã como a sombra que passa…
Sofre sereno e de alma sobranceira,
Sem um grito sequer, tua desgraça.

Encerra em ti tua tristeza inteira.
E pede humildemente a Deus que a faça
Tua doce e constante companheira…

A Redenção

A divina emoção que tu me deste,
Já m´a deu uma árvore ao poente…
Não é só teu encanto que te veste:
A seiva e o sangue rezam irmãmente.

Às vezes nuvens, mares, areais,
Dão-me mais sonho do que os olhos teus…
É como se eles fossem meus iguais,
Tendo nós todos fé no mesmo Deus…

Não será isto o instinto, a profecia,
De que desfeitos e transfigurados
Viveremos num só, numa harmonia?…

Sim, deve ser: amor, sonho, emoção,
São esforços febris d´encarcerados
Para quem a Unidade é a redenção.

Rústica

Ser a moça mais linda do povoado.
Pisar, sempre contente, o mesmo trilho,
Ver descer sobre o ninho aconchegado
A bênção do Senhor em cada filho.

Um vestido de chita bem lavado,
Cheirando a alfazema e a tomilho…
– Com o luar matar a sede ao gado,
Dar às pombas o sol num grão de milho…

Ser pura como a água da cisterna,
Ter confiança numa vida eterna
Quando descer à “terra da verdade”…

Deus, dai-me esta calma, esta pobreza!
Dou por elas meu trono de Princesa,
E todos os meus Reinos de Ansiedade.