Soneto XIX
Qual mísera Calisto, quando atenta
Que abrindo o dia vão ao largo estanho
As mais estrelas a seu doce banho,
Só com seu Plaustro só ficar lamenta,Tal, quando me a memória representa
Banharem-se outros nesse mar estranho,
De graças mil gosando bem tamanho,
A falta dessa glória me atormenta.E como inda que irada Juno a tolha
Decer ao mar, não deixa em noite clara
Ferir nele seus raios do alto assento,Assi, por mais que a sorte em tudo avara
Para si deste corpo a parte escolha,
Livre, porém, me fica o pensamento.
Sonetos sobre Doces
229 resultadosTimidez
Eu sei que é sempre assim, – longe dela imagino
mil versos que não fiz mas que ainda hei de compor,
perto dela, – meu Deus!… lembro mais um menino
que esquecesse a lição diante do professor…Penso, que a minha voz terá sons de violino
enchendo os seus ouvidos de canções de amor,
– e hei de deixá-la tonta ao vinho doce e fino
dos meus beijos, no instante em que minha ela for…Ao seu lado, no entanto, encabulado, emudeço,
e se os seus lábios frios, trêmulos, se calam,
eu, de tudo, das cousas, de mim mesmo, esqueço…E ficamos assim, ela em silêncio… eu, mudo…
Mas meus olhos, nem sei… ah! Quantas cousas falam!
e seus olhos, seus olhos!… dizem tudo, tudo!
Vaso Grego
Esta de áureos relevos, trabalhada
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.Era o poeta de Teos que o suspendia
Então, e, ora repleta ora esvasada,
A taça amiga aos dedos seus tinia,
Toda de roxas pétalas colmada.Depois… Mas, o lavor da taça admira,
Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,Ignota voz, qual se da antiga lira
Fosse a encantada música das cordas,
Qual se essa voz de Anacreonte fosse.
Soneto XXVII
Enfim que me cortais o fio leve
Que me tecia em vão minha esperança,
Quanto me prometeu, quão pouco alcança,
De quão larga me foi quanto hoje é breve,C’um doce engano um tempo me deteve.
Guardou-me para agora esta mudança,
Mas não me mudará da segurança
Que meu amor a vossos olhos deve.Mas ai fermosos olhos que tornastes
Descubrir-me esta noite essa lux vossa,
Qual Lua à nau que lida em bravo pego.Mas não seja essa lux que me mostrastes
Só porque ver o meu naufrágio possa,
Que é menor o pirigo a quem vai cego.
LXII
Torno a ver-vos, ó montes; o destino
Aqui me torna a pôr nestes oiteiros;
Onde um tempo os gabões deixei grosseiros
Pelo traje da Côrte rico, e fino.Aqui estou entre Almendro, entre Corino,
Os meus fiéis, meus doces companheiros,
Vendo correr os míseros vaqueiros
Atrás de seu cansado desatino.Se o bem desta choupana pode tanto,
Que chega a ter mais preço, e mais valia,
Que da cidade o lisonjeiro encanto;Aqui descanse a louca fantasia;
E o que té agora se tornava em pranto,
Se converta em afetos de alegria.
Bondade
É a bondade que te faz formosa,
Que a alma te diviniza e transfigura;
É a bondade, a rosa da ternura,
Que te perfuma com perfume à rosa.Teu ser angelical de luz bondosa
Verte em meu ser a mais sutil doçura,
Uma celeste, límpida frescura,
Um encanto, uma paz maravilhosa.Eu afronto contigo os vampirismos,
Os corruptos e mórbidos abismos
Que em vão busquem tentar-me no Caminho.Na suave, na doce claridade,
No consolo, de amor dessa bondade
Bebo a tu’alma como etéreo vinho.
LXXV
Como se moço e não bem velho eu fosse
Uma nova ilusão veio animar-me.
Na minh’alma floriu um novo carme,
O meu ser para o céu alcandorou-se.Ouvi gritos em mim como um alarme.
E o meu olhar, outrora suave e doce,
Nas ânsias de escalar o azul, tornou-se
Todo em raios que vinham desolar-me.Vi-me no cimo eterno da montanha,
Tentando unir ao peito a luz dos círios
Que brilhavam na paz da noite estranha.Acordei do áureo sonho em sobressalto:
Do céu tombei aos caos dos meus martírios,
Sem saber para que subi tão alto…
Stella
A Sebastião Alves
“Eu sou fraca e pequena…”
Tu me disseste um dia,
E em teu lábio sorria
Uma dor tão serena,Que a tua doce pena
Em mim se refletia
– Profundamente fria,
– Amargamente amena!.Mas essa mágoa, Stella,
De golpe tão profundo,
Faz tu por esquece-la –Das vastidões no fundo
– É bem pequena a estrela –
– No entanto – a estrela é um mundo!…
No Claustro De Celas
Eis quanto resta do idílio acabado,
– Primavera que durou um momento…
Como vão longe as manhãs do convento!
– Do alegre conventinho abandonado…Tudo acabou… Anêmonas, hidrângeas,
Silindras, – flores tão nossas amigas!
No claustro agora viçam as ortigas,
Rojam-se cobras pelas velhas lájeas.Sobre a inscrição do teu nome delido!
– Que os meus olhos mal podem soletrar,
Cansados… E o aroma fenecidoQue se evola do teu nome vulgar!
Enobreceu-o a quietação do olvido,
Ó doce, ingênua, inscrição tumular.
Num Leque
Na gaze loura d’este leque adeja
Não sei que aroma místico e encantado…
Doce morena! Abençoado seja
O doce aroma de teu leque amado!Quando o entreabres, a sorrir, na Igreja,
O templo inteiro fica embalsamado…
Até minh’alma carinhosa o beija,
Como a toalha de um altar sagrado.E enquanto o aroma inebriante voa,
Unido aos hinos que, no coro, entoa
A voz de um órgão soluçando dores,Só me parece que o choroso canto
Sobe da gaze de teu leque santo,
Cheio de luz e de perfume e flores!
O ferido Sem Ter Cura Perecia
O Ferido sem ter cura perecia
o forte e duro Télefo temido,
por aquele que n’água foi metido,
a quem ferro nenhum cortar podia.Ao Apolíneo Oráculo pedia
conselho para ser restituído;
respondeu que tornasse a ser ferido
por quem o já ferira, e sararia.Assi, Senhora, quer minha ventura
que, ferido de ver vos, claramente
com vos tornar a ver Amor me cura.Mas é tão doce vossa fermosura,
que fico como hidrópico doente,
que co beber lhe cresce mor secura.
Espírito Imortal
Espírito imortal que me fecundas
Com a chama dos viris entusiasmos,
Que transformas em gládios os sarcasmos
Para punir as multidões profundas!Ó alma que transbordas, que me inundas
De brilhos, de ecos, de emoções, de pasmos
E fazes acordar de atros marasmos
Minh’alma, em tédios por charnecas fundas.Força genial e sacrossanta e augusta,
Divino Alerta para o Esquecimento,
Voz companheira, carinhosa e justa.Tens minha Mão, num doce movimento,
Sobre essa Mão angélica e robusta,
Espírito imortal do Sentimento!
Chopin
Não se acende hoje a luz…Todo o luar
Fique lá fora.Bem Aparecidas
As estrelas miudinhas, dando no ar
As voltas dum cordão de margaridas!Entram falenas meio entontecidas…
Lusco-fusco…um morcego a palpitar
Passa…torna a passar…torna a passar…
As coisas têm o ar de adormecidas…Mansinho…Roça os dedos plo teclado,
No vago arfar que tudo alteia e doira,
Alma, Sacrário de Almas, meu Amado!E, enquanto o piano a doce queixa exala,
Divina e triste, a grande sombra loira
Vem para mim da escuridão da sala…
Paisagens De Inverno I
Ó meu coração, torna para trás.
Onde vais a correr, desatinado?
Meus olhos incendidos que o pecado
Queimou! – o sol! Volvei, noites de paz.Vergam da neve os olmos dos caminhos.
A cinza arrefeceu sobre o brasido.
Noites da serra, o casebre transido…
Ó meus olhos, cismai como os velhinhos.Extintas primaveras evocai-as:
– Já vai florir o pomar das maceiras.
Hemos de enfeitar os chapéus de maias.-Sossegai, esfriai, olhos febris.
-E hemos de ir cantar nas derradeiras
Ladainhas…Doces vozes senis…-
Nossa Língua
para o poeta Antoniel Campos*
O doce som de mel que sai da boca
na língua da saudade e do crepúsculo
vem adoçando o mar de conchas ocas
em mansa voz domando tons maiúsculos.É bela fiandeira em sua roca
tecendo a fala forte com seu músculo
na hora que é preciso sai da toca
como fera que sabe o tomo e o opúsculo.Dizer e maldizer do mel ao fel
é fado de cantigas tão antigas
desde Camões, Bandeira a Antoniel,
este jovem poeta que se abrigana língua portuguesa em verso e fala
nau de calado ao mar que não se cala.* “filiu brasilis, mater portucale,
Que em outra língua a minha língua cale.”
Os Dias Conto, e cada Hora, e Momento
Os dias conto, e cada hora, e momento
qu’ alongando-me vou dos meus amores.
Nas árvores, nas pedras, ervas, flores,
parece que acho mágoa, e sentimento.As aves que no ar voam, o sol, e o vento,
montes, rios, e gados, e pastores,
as estradas, e os campos, mostram as dores
da minha saudade, e apartamento.E quanto m’era lá doce, e suave,
mais triste, e duro Amor cá mo apresenta,
a que entreguei da minha vida a chave.Em lágrimas força é qu’ as faces lave,
ou que não sinta a dor que na tormenta
memória da bonança faz mais grave.
Rosa, E Anarda
Rosa da formosura, Anarda bela
igualmente se ostenta como a rosa;
Anarda mais que as flores é formosa,
mais formosa que as flores brilha aquela.A rosa com espinhos se desvela,
arma-se Anarda espinhos de impiedosa;
na fronte Anarda tem púrpura airosa,
a rosa é dos jardins purpúrea estrela.Brota o carmim da rosa doce alento,
respira olor de Anarda o carmim breve,
ambas dos olhos são contentamento:mas esta diferença Anarda teve:
que a rosa deve ao sol seu luzimento,
o sol seu luzimento a Anarda deve.
Amor E Crença
E sê bendita!
H. SienkiewiczSabes que é Deus?! Esse infinito e santo
Ser que preside e rege os outros seres,
Que os encantos e a força dos poderes
Reúne tudo em si, num só encanto?Esse mistério eterno e sacrossanto,
Essa sublime adoração do crente,
Esse manto de amor doce e clemente
Que lava as dores e que enxuga o pranto?!Ah! Se queres saber a sua grandeza,
Estende o teu olhar à Natureza,
Fita a cúp’la do Céu santa e infinita!Deus é o templo do Bem. Na altura Imensa,
O amor é a hóstia que bendiz a Crença,
ama, pois, crê em Deus, e… sê bendita!
À Morte
Morte, minha Senhora Dona Morte,
Tão bom que deve ser o teu abraço!
Lânguido e doce como um doce laço
E, como uma raiz, sereno e forte.Não há mal que não sare ou não conforte
Tua mão que nos guia passo a passo,
Em ti, dentro de ti, no teu regaço
Não há triste destino nem má sorte.Dona Morte dos dedos de veludo,
Fecha-me os olhos que já viram tudo!
Prende-me as asas que voaram tanto!Vim da Moirama, sou filha de rei,
Má fada me encantou e aqui fiquei
À tua espera…quebra-me o encanto!
Soror Saudade
A Américo Durão
Irmã, Soror Saudade, me chamaste…
E na minh’alma o nome iluminou-se
Como um vitral ao sol, como se fosse
A luz do próprio sonho que sonhaste.Numa tarde de Outono o murmuraste;
Toda a mágoa do Outono ele me trouxe;
Jamais me hão-de chamar outro mais doce;
Com ele bem mais triste me tornaste…E baixinho, na alma de minh’alma,
Como bênção de sol que afaga e acalma,
Nas horas más de febre e de ansiedade,Como se fossem pétalas caindo,
Digo as palavras desse nome lindo
Que tu me deste: “Irmã, Soror Saudade”…