Em Busca Da Beleza V
Braços cruzados, sem pensar nem crer,
Fiquemos pois sem mágoas nem desejos.
Deixemos beijos, pois o que são beijos?
A vida é só o esperar morrer.Longe da dor e longe do prazer,
Conheçamos no sono os benfazejos
Poderes únicos; sem urzes, brejos,
A sua estrada sabe apetecer.C’roado de papoilas e trazendo
Artes porque com sono tira sonhos,
Venha Morfeu, que as almas envolvendo,Faça a felicidade ao mundo vir
Num nada onde sentimo-nos risonhos
Só de sentirmos nada já sentir.
Sonetos sobre Dor
300 resultadosVelho
Estás morto, estás velho, estás cansado!
Como um sulco de lágrimas pungidas,
Ei-las, as rugas, as indefinidas
Noites do ser vencido e fatigado.Envolve-te o crepúsculo gelado
Onde vai soturno amortalhando as vidas
Ante o responso em músicas gemidas
No fundo coração dilacerado.A cabeça pendida de fadiga,
Sentes a morte taciturna e amiga
Que os teus nervos círculos governa.Estás velho, estás morto! Ó dor, delírio,
Alma despedaçada de martírio,
Ó desespero da Desgraça eterna!
Da Mundana Lida, Eis Que Cansado
“Minha vida é um montão de ruínas em árido deserto
Um abismo de ais e de suspiros”.Da mundana lida, eis que cansado,
Co’a lira toda espedaçada,
A alma de suspiros retalhada,
Cumpre o infeliz seu triste fado.Ai! que viver mais desgraçado!…
Que sorte tão crua e desazada!…
Quem assim tem a vida amargurada
Antes já morrer, ser sepultado.Só eu triste padeço feras dores,
Imensas e de fel, sem terem fim,
Envolto no véu dos dissabores.Oh! Cristo eu não sei se só a mim
Deste essa vida d’amargores,
Pois que é demais sofrer-se assim!
Alma Perdida
Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma da gente,
Tu és, talvez, alguém que se finou!Tu és, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na Dor, suavemente …
Talvez sejas a alma, a alma doente
Dalguém que quis amar e nunca amou!Toda a noite choraste … e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!Contaste tanta coisa à noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh’alma
Que chorasse perdida em tua voz! …
Tudo Passa – II
O coração não morre: ele adormece…
E antes morresse o coração traído,
Mulher que choras teu amor perdido,
Amor primeiro que não mais se esquece!Quando tu vais rezar, quando anoitece,
Beijas as contas do colar partido;
E o coração n’um trêmulo gemido
Vem perturbar a paz de tua prece.Reza baixinho, ó noiva desolada!
E quando, à tarde, pela mesma estrada
Chorando fores esse imenso amor…Geme de manso, juriti dolente!
Vais acordar o coração doente…
Não o despertes para nova dor.
Caminho I
Tenho sonhos cruéis; n’alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente…Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!…Porque a dor, esta falta d’harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d’agora,Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.
O Coração
Que jogo jogas, comédia ou lágrima? Cor
suspensa. Prodígio doendo. Enganador
relâmpago. Donde se enreda esta coragem
que chora ao riso e ri à dor? Quatro sãoas pedras mestras do teu jogo. Dois cavalos
e os reis. Melancólicos actores. Vazia, a
plateia. O tempo ferido. O peão fugitivo.
A emoção real do presságio. O acenocordial do outro lado do jogo. Inscrição
única do pólen, jogada que se arrasta.
Gota de tédio na lonjura das casas.O fecho do jogo se conclui. Muda o rosto a
visão possível. Cordato, o lance destrói
a memória do que já não vejo ou sei.
Marília
Ó Marília! Ó Dirceu! Eram dois ninhos
Os vossos corações, ninhos de flores;
Mas, entre os quais, sentíeis os rigores
Lacerantes de incógnitos espinhos;Tremiam, como em flácidos arminhos,
Promiscuamente, neles os amores,
As saudades, os cânticos, as dores,
Como uma multidão de passarinhos…O sulco profundíssimo que traça
Nos corações amantes a desgraça,
Ambos nos corações traçados vistes,Quando os vossos olhares, no momento,
Cruzaram-se, do negro afastamento,
Marejados de lágrimas e tristes…
Transcendentalismo
(A J. P. Oliveira Martins)
Já sossega, depois de tanta luta,
Já me descansa em paz o coração.
Caí na conta, enfim, de quanto é vão
O bem que ao Mundo e à Sorte se disputa.Penetrando, com fronte não enxuta,
No sacrário do templo da Ilusão,
Só encontrei, com dor e confusão,
Trevas e pó, uma matéria bruta…Não é no vasto mundo — por imenso
Que ele pareça à nossa mocidade —
Que a alma sacia o seu desejo intenso…Na esfera do invisível, do intangível,
Sobre desertos, vácuo, soledade,
Vôa e paira o espírito impassível!
Hóstias
A Emílio de Menezes
Nos arminhos das nuvens do infinito
Vamos noivar por entre os esplendores,
Como aves soltas em vergéis de flores,
Ou penitentes de um estranho rito.Que seja nosso amor — sidério mito! —
O límpido turíbulo das dores,
Derramando o incenso dos amores
Por sobre o humano coração aflito.Como num templo, numa clara igreja,
Que o sonho nupcial gozado seja,
Que eu durma e sonhe nos teus níveos flancos.Contigo aos astros fúlgidos alado,
Que sejam hóstias para o meu noivado
As flores virgens dos teus seios brancos!
Suavidade
Poisa a tua cabeça dolorida
Tão cheia de quimeras, de ideal
Sobre o regaço brando e maternal
Da tua doce Irmã compadecida.Hás de contar-me nessa voz tão q’rida
Tua dor infantil e irreal,
E eu, pra te consolar, direi o mal
Que à minha alma profunda fez a Vida.E hás de adormecer nos meus joelhos…
E os meus dedos enrugados, velhos,
Hão de fazer-se leves e suaves…Hão de poisar-se num fervor de crente,
Rosas brancas tombando docemente
Sobre o teu rosto, como penas d’aves…
Um Soneto
A vez primeira que eu te vi, em meio
Das harmonias de uma valsa, elado
O lábio trêmulo, esplêndido, rosado,
Num riso, um riso de alvoradas cheio.Cheio de febres, em febril anseio
O meu olhar fervente, desvairado
Como um condor de flamas emplumado
Vingou-se a espádua e devorou-te o seio.Depois, delírio atroz, loucura imensa!
A alma, o bem, a consciência, a crença
Lancei no incêndio dos olhares teus…Hoje estou pronto à lívida jornada
Da descrença sem luz, da dor do nada…
Já disse ontem à noite, adeus, a Deus!
O Cachimbo
Trigueiro, negro, enfarruscado,
Sou o cachimbo d’um autor,
incorrigível fumador,
Que me tem já quase queimado.Quando o persegue ingente dor,
Eu, a fumar, sou comparado
Ao fogareiro improvisado
Para o jantar d’um lenhador.Vai envolver-lhe a tova mente
O fumo azul e transparente
Da minha boca em erupção…A sua dor, prestes, se acalma;
Leva-lhe o fumo a paz à alma,
Vai Alegrar-lhe o coração!Tradução de Delfim Guimarães
Lembranças Apagadas
Outros, mais do que o meu, finos olfatos,
Sintam aquele aroma estranho e belo
Que tu, ó Lírio lânguido, singelo,
Guardaste nos teus íntimos recatos.Que outros se lembrem dos sutis e exatos
Traços, que hoje não lembro e não revelo
E se recordem, com profundo anelo,
Da tua voz de siderais contatos…Mas eu, para lembrar mortos encantos,
Rosas murchas de graças e quebrantos,
Linhas, perfil e tanta dor saudosa,Tanto martírio, tanta mágoa e pena,
Precisaria de uma luz serene,
De uma luz imortal maravilhosa!…
Caminho Do Sertão
A meu irmão João Cancio
Tão longe a casa! Nem sequer alcanço
Vê-la através da mata. Nos caminhos
A sombra desce; e, sem achar descanso,
Vamos nós dois, meu pobre irmão, sozinhos!É noite já. Como em feliz remanso,
Dormem as aves nos pequenos ninhos…
Vamos mais devagar… de manso e manso,
Para não assustar os passarinhos.Brilham estrelas. Todo o céu parece
Rezar de joelhos a chorosa prece
Que a Noite ensina ao desespero e a dor…Ao longe, a Lua vem dourando a treva…
Turíbulo imenso para Deus eleva
O incenso agreste da jurema em flor.
Aparição
Por uma estrada de astros e perfumes
A Santa Virgem veio ter comigo:
Doiravam-lhe o cabelo claros lumes
Do sacrossanto resplendor amigo.Dos olhos divinais no doce abrigo
Não tinha laivos de Paixões e ciúmes:
Domadora do Mal e do perigo
Da montanha da Fe galgara os cumes.Vestida na alva excelsa dos Profetas
Falou na ideal resignação de Ascetas,
Que a febre dos desejos aquebranta.No entanto os olhos dela vacilavam,
Pelo mistério, pela dor flutuavam,
Vagos e tristes, apesar de Santa!
Sentindo Se Tomada A Bela Esposa
Sentindo se tomada a bela esposa
de Céfalo, no crime consentido,
para os montes fugia do marido;
e não sei se de astuta, ou vergonhosa.Porque ele, enfim, sofrendo a dor ciosa,
de amor cego e forçoso compelido,
após ela se vai como perdido,
já perdoando a culpa criminosa.Deita se aos pés da Ninfa endurecida,
que do cioso engano está agravada;
já lhe pede perdão, já pede a vida.Ó força de afeição desatinada!
Que da culpa contra ele cometida,
perdão pedia à parte que é culpada!
Versos
Versos! Versos! Sei lá o que são versos…
Pedaços de sorriso, branca espuma,
Gargalhadas de luz, cantos dispersos,
Ou pétalas que caem uma a uma…Versos!… Sei lá! Um verso é o teu olhar,
Um verso é o teu sorriso e os de Dante
Eram o teu amor a soluçar
Aos pés da sua estremecida amante!Meus versos!… Sei eu lá também que são…
Sei lá! Sei lá!… Meu pobre coração
Partido em mil pedaços são talvez…Versos! Versos! Sei lá o que são versos…
Meus soluços de dor que andam dispersos
Por este grande amor em que não crês…
Ciúme
Encontro em ti tudo o que imaginara
na mulher, para ser o meu ideal;
– não é só teu olhar, tua voz clara,
e essa expressão que tens, sentimental!…Nem essa graça ingênua, hoje tão rara,
de quem não sabe onde se encontra o mal,
ou teu riso feliz, que se compara
ao tinir de uma taça de cristal…É tudo em ti, traço por traço, tudo!
As tuas mãos são rendas de ternura;
teus carinhos, macios, de veludo.Por isso mesmo é que é maior a dor,
quando amargo a mais íntima tortura
por não ter sido o teu primeiro amor…
LXXV
Clara fonte, teu passo lisonjeiro
Pára, e ouve-me agora um breve instante;
Que em paga da piedade o peito amante
Te será no teu curso companheiro.Eu o primeiro fui, fui o primeiro,
Que nos braços da ninfa mais constante
Pude ver da fortuna a face errante
Jazer por glória de um triunfo inteiro.Dura mão, inflexível crueldade
Divide o laço, com que a glória, a dita
Atara o gosto ao carro da vaidade:E para sempre a dor ter n’alma escrita,
De um breve bem nasce imortal saudade,
De um caduco prazer mágoa infinita.