No Seio Da Terra
Do pélago dos pélagos sombrios,
Cá do seio da Terra, olhando as vidas,
Escuto o murmurar de almas perdidas,
Como o secreto murmurar dos rios.Trazem-me os ventos negros calafrios
E os loluços das almas doloridas
Que têm sede das terras prometidas
E morrem como abutres erradios.As ânsias sobem, as tremendas ânsias!
Velhices, mocidades e as infâncias
Humansa entre a Dor se despedaçam…Mas, sobre tantos convulsivos gritos,
Passam horas, espaços, infinitos,
Esferas, gerações, sonhando, passam!
Sonetos sobre Espaço
83 resultadosIncensos
Dentre o chorar dos trêmulos violinos,
Por entre os sons dos órgãos soluçantes
Sobem nas catedrais os neblinantes
Incensos vagos, que recordam hinos…Rolos d’incensos alvadios, finos
E transparentes, fulgidos, radiantes,
Que elevam-se aos espaços, ondulantes,
Em Quimeras e Sonhos diamantinos.Relembrando turíbulos de prata
Incensos aromáticos desata
Teu corpo ebúrneo, de sedosos flancos.Claros incensos imortais que exalam,
Que lânguidas e límpidas trescalam
As luas virgens dos teus seios brancos.
Fumo
Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas…
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!Os dias são Outonos: choram… choram…
Há crisântemos roxos que descoram…
Há murmúrios dolentes de segredos…Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!…
Gomes Leal
Sangra, sinistro, a alguns o astro baço.
Seus três anéis irreversíveis são
A desgraça, a tristeza, a solidão.
Oito luas fatais fitam no espaço.Este, poeta, Apolo em seu regaço
A Saturno entregou. A plúmbea mão
Lhe ergueu ao alto o aflito coração.
E, erguido, o apertou, sangrando lasso.Inúteis oito luas da loucura
Quando a cintura tríplice denota
Solidão e desgraça e amargura!Mas da noite sem fim um rastro brota,
Vestígios de maligna formosura:
É a lua além de Deus, álgida e ignota.
Ao Luar
Quando, à noite, o Infinito se levanta
A luz do luar, pelos caminhos quedos
Minha tactil intensidade é tanta
Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos!Quebro a custódia dos sentidos tredos
E a minha mão, dona, por fim, de quanta
Grandeza o Orbe estrangula em seus segredos,
Todas as coisas íntimas suplanta!Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado,
Nos paroxismos da hiperestesia,
O Infinitésimo e o Indeterminado…Transponho ousadamente o átomo rude
E, transmudado em rutilância fria,
Encho o Espaço com a minha plenitude!
Monja
Ó Lua, Lua triste, amargurada,
Fantasma de brancuras vaporosas,
A tua nívea luz ciliciada
Faz murchecer e congelar as rosas.Nas flóridas searas ondulosas,
Cuja folhagem brilha fosforeada,
Passam sombras angélicas, nivosas,
Lua, Monja da cela constelada.Filtros dormentes dão aos lagos quietos,
Ao mar, ao campo, os sonhos mais secretos,
Que vão pelo ar, noctâmbulos, pairando…Então, ó Monja branca dos espaços,
Parece que abres para mim os braços,
Fria, de joelhos, trêmula, rezando…
XXXII
Como quisesse livre ser, deixando
As paragens natais, espaço em fora,
A ave, ao bafejo tépido da aurora,
Abriu as asas e partiu cantando.Estranhos climas, longes céus, cortando
Nuvens e nuvens, percorreu: e, agora
Que morre o sol, suspende o vôo, e chora,
E chora, a vida antiga recordando …E logo, o olhar volvendo compungido
Atrás, volta saudosa do carinho,
Do calor da primeira habitação…Assim por largo tempo andei perdido:
– Ali! que alegria ver de novo o ninho,
Ver-te, e beijar-te a pequenina mão!
Ansiedade
Esta ansiedade que nos enche o peito
Enche o céu, enche o mar, fecunda a terra.
Ela os germens puríssimos encerra
Do Sentimento límpido, perfeito.Em jorros cristalinos o direito,
A paz vencendo as convulsões da guerra,
A liberdade que abre as asas e erra
Pelos caminhos do Infinito eleito.Tudo na mesma ansiedade gira,
Rola no Espaço, dentre a luz suspira
E chora, chora, amargamente chora…Tudo nos turbilhões da Imensidade
Se confunde na trágica ansiedade
Que almas, estrelas, amplidões devora.
Homo
Nenhum de vós ao certo me conhece,
Astros do espaço, ramos do arvoredo,
Nenhum adivinhou o meu segredo,
Nenhum interpretou a minha prece…Ninguém sabe quem sou… e mais, parece
Que há dez mil anos já, neste degredo,
Me vê passar o mar, vê-me o rochedo
E me contempla a aurora que alvorece…Sou um parto da Terra monstruoso;
Do húmus primitivo e tenebroso
Geração casual, sem pai nem mãe…Misto infeliz de trevas e de brilho,
Sou talvez Satanás; — talvez um filho
Bastardo de Jeová; — talvez ninguém!
Desarmonia
Certas estrelas coloridas,
estrelas duplas são chamadas,
parecem estarem confundidas,
mas resplandecem afastadas.Assim, na terra, as nossas vidas,
nas horas mais apaixonadas,
dão a ilusão de estar unidas,
e estão, de fato, separadas.O amor e as forças planetárias,
trocando as luzes e os abraços,
tentam fundi-las e prendê-las.E eternamente solitárias,
dentro do tempo e dos espaços,
vivem as almas e as estrelas.
Glória
Florescimentos e florescimentos!
Glória às estrelas, glória às aves, glória
À natureza! Que a minh’alma flórea
Em mais flores flori de sentimentos.Glória ao Deus invisível dos nevoentos
Espaços! glória à lua merencória,
Glória à esfera dos sonhos, à ilusória
Esfera dos profundos pensamentos.Glória ao céu, glória à terra, glória ao mundo!
Todo o meu ser é roseiral fecundo
De grandes rosas de divino brilho.Almas que floresceis no Amor eterno!
Vinde gozar comigo este falerno,
Esta emoção de ver nascer um filho!
Elegia para Santa Rosa
Aurora chega, e permaneces fria
noite, imobilizado, cego e mudo
às coisas das manhãs que amanhecias:
cavalete, jornal, café no bule.O mundo neutro e nu pede a pintura;
a tela virgem, teu pincel tranquilo,
As cores vêm chorando pela rua,
entram no atelier branco e vazio.Quais os murais que irás compor no muro,
entre o que foste e o que serás, erguido,
o indevassável muro eterno e duro?Ai, Santa, pesam sobre nós os dias
desta sobrevivência que te usurpa
o espaço e o tempo que te pertenciam.
Crepúsculo
A Julia Lyra
O Angelus soa. Vagarosamente
A noite desce, plácida e divina.
Ouço gemer meu coração doente
Chorando a tarde, a noiva peregrina.Há pelo Espaço um ciciar dolente
De prece em torno da Igrejinha em ruína…
Pássaros voam compassadamente;
Treme no galho a rosa purpurina…E eu sinto que a tristeza vem suspensa
Sobre as asas da noite erma e sombria…
E que, n’essa hora de saudade imensa,Rindo e chorando desce ao coração:
Toda a doçura da melancolia,
Todo o conforto da recordação.
O Corpo Os Corpos
O teu corpo O meu corpo E em vez dos corpos
que somados seriam nossos corpos
implantam-se no espaço novos corpos
ora mais ora menos que dois corposQue escorpião de súbito estes corpos
quando um espelho reflecte os nossos corpos
e num só corpo feitos os dois corpos
ao mesmo tempo somos quatro corposNão indagues agora se o meu corpo
se contenta só corpo no teu corpo
ou se busca atingir todos os corposque no fundo residem num só corpo
Mas indaga sem pausa além do corpo
o finito infinito destes corpos
Fado de contas
Eu não quero chegar em casa nunca,
a caminho, no abrigo do teu colo,
sonhando… no balanço do automóvel,
que nos leva a um destino inalcançável.O tempo pára, o espaço cristaliza-se,
e o carro é lar, e leito, e colo, e beijo…
No ocaso de teu beijo, eu me infinito
e esqueço da procura em que me perco.De encontro aos vidros, saltam fachos vários,
como se objetos de desejos vastos,
onde meus gestos não se satisfaçam.Aproxima-se o instante em que me apeio,
vai a carruagem, dobra a esquina, e sigo
noctívago das horas – a teus passos.
Sonho
Sonhei – nem sempre o sonho é coisa vã –
Que um vento me levava arrebatado,
Através desse espaço constelado
Onde uma aurora eterna ri louçã…As estrelas, que guardam a manhã,
Ao verem-me passar triste e calado,
Olhavam-me e diziam com cuidado:
Onde está, pobre amigo, a nossa irmã?Mas eu baixava os olhos, receoso
Que traíssem as grandes mágoas minhas,
E passava furtivo e silencioso,Nem ousava contar-lhes, às estrelas,
Contar às tuas puras irmãzinhas
Quanto és falsa, meu bem, e indigna delas!
Em Sonhos
Nos Santos óleos do luar, floria
Teu corpo ideal, com o resplendor da Helade…
E em toda a etérea, branda claridade
Como que erravam fluidos de harmonia…As Águias imortais da Fantasia
Deram-te as asas e a serenidade
Para galgar, subir a Imensidade
Onde o clarão de tantos sóis radia.Do espaço pelos límpidos velinos
Os Astros vieram claros, cristalinos,
Com chamas, vibrações, do alto, cantando…Nos santos óleos do luar envolto
Teu corpo era o Astro nas esferas solto,
Mais Sóis e mais Estrelas fecundando!
Há Um País Imenso Mais Real
Há um país imenso mais real
Do que a vida que o mundo mostra Ter
Mais do que a Natureza natural
À verdade tremendo de viver.Sob um céu uno e plácido e normal
Onde nada se mostra haver ou ser
Onde nem vento geme, nem fatal
A idéias de uma nuvem se faz crer,Jaz – uma terra não – não há um solo
Mas estranha, gelando em desconsolo
À alma que vê esse país sem véu,Hirtamente silente nos espaços
Uma floresta de escarnados braços
Inutilmente erguidos para o céu.
Tempestade Amazônica
O calor asfixia e o ar escurece. O rio,
Quieto, não tem uma onda. Os insetos na mata
Zumbem tontos de medo. E o pássaro, o sombrio
Da floresta procura, onde a chuva não bata.Súbito, o raio estala. O vento zune. Um frio
De terror tudo invade… E o temporal desata
As peias pelo espaço e, bufando, bravio,
O arvoredo retorce e as folhas arrebata.O anoso buriti curva a copa, e farfalha.
Aves rodam no céu, num estéril esforço,
Entre nuvens de folha e fragmentos de palha.No alto o trovão repousa e em baixo a mata brama.
Ruge em meio a amplidão. Das nuvens pelo dorso
Correm serpes de fogo. E a chuva se derrama…
Crepúsculo
Alada, corta o espaço uma estrela cadente.
As folhas fremem. Sopra o vento. A sombra avança.
Paira no ar um languor de mística esperança
e de docúra triste, inexprimivelmente.À surdina da luz irrompe, de repente,
o coro vesperal das cigarras. E mansa,
E marmórea, no céu, curvo e claro, balança,
entre nuvens de opala, a concha do crescente.Na alma, como na terra, a noite nasce. É quando,
da recôndita paz das horas esquecidas,
vão, ao luar da saudade, os sonhos acordando…E, na torre do peito, em plácidas batidas,
melancolicamente o coração chorando,
plange o réquiem de amor das ilusões perdidas.