Soneto 253 A Renato Russo
Embora original, gênio, perito,
do nosso rock um raro uirapuru,
vivia ensimesmado e jururu,
talvez por não ser grego nem bonito.Entendo a sua angústia e o seu conflito,
meu ídolo, meu mártir, meu guru!
Causou você, primeiro, um sururu;
depois, tristeza, e então calou seu grito.Respeito quem é triste, ou aparenta.
Os outros grandes brincam: Raul, Rita,
ou cospem mera raiva barulhenta.Cazuza também brinca, mas medita.
Arnaldo Antunes testa, experimenta.
Renato faz da dor a dor: maldita!
Sonetos Exclamativos
1366 resultadosVossos Olhos, Senhora, Que Competem
Vossos olhos, Senhora, que competem
co Sol em fermosura e claridade,
enchem os meus de tal suavidade
que em lágrimas, de vê-los, se derretem.Meus sentidos vencidos se sometem
assi cegos a tanta majestade;
e da triste prisão, da escuridade,
cheios de medo, por fugir remetem.Mas se nisto me vedes por acerto,
o áspero desprezo com que olhais
torna a espertar a alma enfraquecida.Ó gentil cura e estranho desconcerto!
Que fará o favor que vós não dais,
quando o vosso desprezo torna a vida?
Deus Do Mal
Espírito do Mal, ó deus perverso
Que tantas almas dúbias acalentas,
Veneno tentador na luz disperso
Que a própria luz e a própria sombra tentas.Símbolo atroz das culpas do Universo,
Espelho fiel das convulsões violentas
Do gasto coração no lodo imerso
Das tormentas vulcânicas, sangrentas.Toda a tua sinistra trajetória
Tem um brilho de lágrima ilusória,
As melodias mórbidas do Inferno…És Mal, mas sendo Mal és soluçante,
Sem a graça divina e consolante,
Réprobo estranho do Perdão eterno!
Tempo É Já Que Minha Confiança
Tempo é já que minha confiança
se desça de üa falsa opinião;
mas Amor não se rege por razão;
não posso perder, logo, a esperança.A vida, si; que üa áspera mudança
não deixa viver tanto um coração.
E eu na morte tenho a salvação?
Si, mas quem a deseja não a alcança.Forçado é logo que eu espere e viva.
Ah! dura lei de Amor, que não consente
quietação nüa alma que é cativa!Se hei de viver, enfim, forçadamente,
para que quero a glória fugitiva
de üa esperança vã que me atormente?
A Esmola De Dulce
Ao Alfredo A.
E todo o dia eu vou como um perdido
De dor, por entre a dolorosa estrada,
Pedir a Dulce, a minha bem amada,
A esmola dum carinho apetecido.E ela fita-me, o olhar enlanguescido,
E eu balbucio trêmula balada:
– Senhora, dai-me u’a esmola – e estertorada
A minha voz soluça num gemido.Morre-me a voz, e eu gemo o último harpejo,
Estendo à Dulce a mão, a fé perdida,
E dos lábios de Dulce cai um beijo.Depois, como este beijo me consola!
Bendita seja a Dulce! A minha vida
Estava unicamente nessa esmola.
A Floresta
Em vão com o mundo da floresta privas!…
– Todas as hermenêuticas sondagens,
Ante o hieróglifo e o enigma das folhagens,
São absolutamente negativas!Araucárias, traçando arcos de ogivas,
Bracejamentos de álamos selvagens,
Como um convite para estranhas viagens,
Tornam todas as almas pensativas!Há uma força vencida nesse mundo!
Todo o organismo florestal profundo
É dor viva, trancada num disfarce…Vivem só, nele, os elementos broncos,
– As ambições que se fizeram troncos,
Porque nunca puderam realizar-se!
Sonhos
Cada dia que passa faz-me pensar
E reflectir sobre quem ele traiu,
Que enquanto viveu nada fui ganhar
Com a lama vil onde a alma caiu.Até de meus sonhos a vida me deixa
Na maré nu, na areia, em solidão,
Desolado que, inda vivo, não esteja
Seguindo veloz no barco da acção.Há uma beleza no mundo exterior,
No monte ou planície onde chega a vista
Que já é consolo à dúvida e à dor,
Mas, Oh! A beleza que o mundo conquistaNem Palavra ou verso a pode imaginar
Nem a mente humana, só por si, forjar!
LXXIV
Sombrio bosque, sítio destinado
À habitação de um infeliz amante,
Onde chorando a mágoa penetrante
Possa desafogar o seu cuidado;Tudo quieto está, tudo calado;
Não há fera, que grite; ave, que cante;
Se acaso saberás, que tens diante
Fido, aquele pastor desesperado!Escuta o caso seu: mas não se atreve
A erguer a voz; aqui te deixa escrito
No tronco desta faia em cifra breve:Mudou-se aquele bem; hoje é delito
Lembrar-me de Marfisa; era mui leve:
Não há mais, que atender; tudo está dito.
Dormindo
Pálida, bela, escultural, clorótica
Sobre o divã suavíssimo deitada,
Ela lembrava — a pálpebra cerrada —
Uma ilusão esplendida de ótica.A peregrina carnação das formas,
— o sensual e límpido contorno,
Tinham esse quê de avérnico e de morno,
Davam a Zola as mais corretas normas!…Ela dormia como a Vênus casta
E a negra coma aveludada e basta
Lhe resvalava sobre o doce flanco…Enquanto o luar — pela janela aberta —
— como uma vaga exclamação — incerta
Entrava a flux — cascateado — branco!!…
A Árvore Da Serra
– As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho…
É preciso cortá-la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!– Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pos almas nos cedros… no junquilho…
Esta árvore, meu pai, possui minh’alma! …– Disse – e ajoelhou-se, numa rogativa:
“Não mate a árvore, pai, para que eu viva!”
E quando a árvore, olhando a pátria serra,Caiu aos golpes do machado bronco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!
Sonho De Um Monista
Eu e o esqueleto esquálido de Esquilo
Viajávamos, com urna ânsia sibarita,
Por toda a pró-dinâmica infinita,
Na inconsciência de um zoófito tranqüilo.A verdade espantosa do Protilo
Me aterrava, mas dentro da alma aflita
Via Deus – essa mônada esquisita –
Coordenando e animando tudo aquilo!E eu bendizia, com o esqueleto ao lado,
Na guturalidade do meu brado,
Alheio ao velho cálculo dos dias,Como um pagão no altar de Proserpina,
A energia intracósmica divina
Que é o pai e é a mãe das outras energias!
Assim
Assim foi nosso amor… um sonho que viveu
de um sonho, e despertou na realidade um dia…
Um pouco de quimera ao léu da fantasia…
Um flor que brotou e num botão morreu…Embora sendo nosso, este amor foi só meu,
porque o teu, não foi mais que pura hipocrisia,
– no fundo, há muito tempo, a minha alma sentia
este fim que o destino afinal já lhe deu…Não podes, bem o sei – sendo mulher como és,
saber quanto sofri, vendo esta flor desfeita
e as pétalas no chão, pisadas por teus pés…Que importa ? Hás de sofrer mais tarde – a vida é assim…
Esse mesmo sorrir que agora te deleita
é o mesmo que depois há de amargar teu fim!…
Amor E Religião
Conheci-o: era um padre, um desses santos
Sacerdotes da Fé de crença pura,
Da sua fala na eternal doçura
Falava o coração. Quantos, oh! QuantosOuviram dele frases de candura
Que d’infelizes enxugavam prantos!
E como alegres não ficaram tantos
Corações sem prazer e sem ventura!No entanto dizem que este padre amara.
Morrera um dia desvairado, estulto,
Su’alma livre para o Céu se alara.E Deus lhe disse: “És duas vezes santo,
Pois se da Religião fizeste culto,
Foste do amor o mártir sacrossanto.”
Solemnia Verba
Disse ao meu coração: Olha por quantos
Caminhos vãos andámos! Considera
Agora, desta altura, fria e austera,
Os ermos que regaram nossos prantos…Pó e cinzas, onde houve flor e encantos!
E a noite, onde foi luz a Primavera!
Olha a teus pés o mundo e desespera,
Semeador de sombras e quebrantos!Porém o coração, feito valente
Na escola da tortura repetida,
E no uso do pensar tornado crente,Respondeu: Desta altura vejo o Amor!
Viver não foi em vão, se isto é vida,
Nem foi demais o desengano e a dor.
A lamentável catástrofe de D. Inês de Castro
Da triste, bela Inês, inda os clamores
Andas, Eco chorosa, repetindo;
Inda aos piedosos Céus andas pedindo
Justiça contra os ímpios matadores;Ouvem-se inda na Fonte dos Amores
De quando em quando as náiades carpindo;
E o Mondego, no caso reflectindo,
Rompe irado a barreira, alaga as flores:Inda altos hinos o universo entoa
A Pedro, que da morte formosura
Convosco, Amores, ao sepulcro voa:Milagre da beleza e da ternura!
Abre, desce, olha, geme, abraça e c’roa
A malfadada Inês na sepultura.
O Grande Sonho
Sonho profundo, ó Sonho doloroso,
Doloroso e profundo Sentimento!
Vai, vai nas harpas trêmula do vento
Chorar o teu mistério tenebroso.Sobe dos astros ao clarão radioso,
Aos leves fluidos do luar nevoento,
Às urnas de cristal do firmamento,
Ó velho Sonho amargo e majestoso!Sobe às estrelas rútilas e frias,
Brancas e virginais eucaristias
De onde uma luz de eterna paz escorre.Nessa Amplidão das Amplidões austeras
Chora o Sonho profundo das Esferas
Que nas azuis Melancolias morre…
XLIX
Os olhos tendo posto, e o pensamento
No rumo, que demanda, mais distante;
As ondas bate o Grego Navegante,
Entregue o leme ao mar, a vela ao ventoEm vão se esforça o harmonioso acento
Da sereia, que habita o golfo errante;
Que resistindo o espírito constante,
Vence as lisonjas do enganoso intento.Se pois, ninfas gentis, rompe a Cupido
O arco, a flecha, o dardo, a chama acesa
De um peito entre os heróis esclarecido;Que vem buscar comigo a néscia empresa,
Se inda mais, do que Ulisses atrevido,
Sei vencer os encantos da beleza!
Minha Árvore
Olha: É um triângulo estéril de ínvia estrada!
Como que a erva tem dor… Roem-na amarguras
Talvez humanas, e entre rochas duras
Mostra ao Cosmos a face degradada!Entre os pedrouços maus dessa morada
É que, às apalpadelas e às escuras,
Hão de encontrar as gerações futuras
Só, minha árvore humana desfolhada!Mulher nenhuma afagará meu tronco!
Eu não me abalarei, nem mesmo ao ronco
Do furacão que, rábido, remoinha…Folhas e frutos, sobre a terra ardente
Hão de encher outras árvores! Somente
Minha desgraça há de ficar sozinha!
XXXIX
Breves horas, Amor, há, que eu gozava
A glória, que minha alma apetecia;
E sem desconfiar da aleivosia,
Teu lisonjeiro obséquio acreditava.Eu só à minha dita me igualava;
Pois assim avultava, assim crescia,
Que nas cenas, que então me oferecia,
O maior gosto, o maior bem lograva;Fugiu, faltou-me o bem: já descomposta
Da vaidade a brilhante arquitetura,
Vê-se a ruína ao desengano exposta:Que ligeira acabou, que mal segura!
Mas que venho a estranhar, se estava posta
Minha esperança em mãos da formosura!
Enquanto outros Combatem
Empunhasse eu a espada dos valentes!
Impelisse-me a acção, embriagado,
Por esses campos onde a Morte e o Fado
Dão a lei aos reis trémulos e ás gentes!Respirariam meus pulmões contentes
O ar de fogo do circo ensanguentado…
Ou caíra radioso, amortalhado
Na fulva luz dos gládios reluzentes!Já não veria dissipar-se a aurora
De meus inúteis anos, sem uma hora
Viver mais que de sonhos e ansiedade!Já não veria em minhas mãos piedosas
Desfolhar-se, uma a uma, as tristes rosas
D’esta pálida e estéril mocidade!