Sonetos sobre Horas

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Sonetos de horas escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

CrepĂşsculo

A Julia Lyra

O Angelus soa. Vagarosamente
A noite desce, plácida e divina.
Ouço gemer meu coração doente
Chorando a tarde, a noiva peregrina.

Há pelo Espaço um ciciar dolente
De prece em torno da Igrejinha em ruĂ­na…
Pássaros voam compassadamente;
Treme no galho a rosa purpurina…

E eu sinto que a tristeza vem suspensa
Sobre as asas da noite erma e sombria…
E que, n’essa hora de saudade imensa,

Rindo e chorando desce ao coração:
Toda a doçura da melancolia,
Todo o conforto da recordação.

Quando Eu Via o Triste Fim que Davam os Meus Amores

O cisne, quando sente ser chegada
A hora que põe termo à sua vida,
Harmonia maior, com voz sentida,
Levanta pela praia inabitada.

Deseja lograr vida prolongada,
E dela está chorando a despedida;
Com grande saudade da partida,
Celebra o triste fim desta jornada.

Assim, Senhora minha, quando eu via
O triste fim que davam meus amores,
Estando posto já no extremo fio,

Com mais suave acento de harmonia
Descantei pelos vossos desfavores
La vuestra falsa fe y el amor mio.

Rala Cai Chuva. O Ar Não É Escuro. A Hora

Rala cai chuva. O ar nĂŁo Ă© escuro. A hora
Inclina-se na haste; e depois volta.
Que bem a fantasia se me solta!
Com que vestĂ­gios me descobre agora!

Tédio dos interstícios, onde mora
A fazer de lagarto. – O muro escolta
A minha eterna angĂşstia de revolta
E esse muro sou eu e o que em mim chora.

NĂŁo digas mais, pois te ignorei cativo…
Teus olhos lembram o que querem ser,
Murmúrio de águas sobre a praia, e o esquivo

Langor do poente que me faz esquecer.
Que real que és! Mas eu, que vejo e vivo,
Perco-te, e o som do mar faz-te perder.

Que Levas, Cruel Morte?- Um Claro Dia.

Que levas, cruel Morte?- Um claro dia.
– A que horas o tomaste?- Amanhecendo.
– Entendes o que levas?- NĂŁo o entendo.
– Pois quem to faz levar?- Quem o entendia.

Seu corpo quem o goza?- A terra fria.
– Como ficou sua luz?- Anoitecendo.
– Lusitânia que diz?- Fica dizendo:
Enfim, nĂŁo mereci Dona Maria.

Mataste quem a viu?- Já morto estava.
– Que diz o cru Amor?- Falar nĂŁo ousa.
– E quem o faz calar?- Minha vontade.

Na corte que ficou?- Saudade brava.
– Que fica lá que ver?- NenhĂĽa cousa;
mas fica que chorar sua beldade.

Um Ser

Um ser na placidez da Luz habita,
Entre os mistérios inefáveis mora.
Sente florir nas lágrimas que chora
A alma serena, celestial, bendita.

Um ser pertence Ă  mĂşsica infinita
Das Esferas, pertence Ă  luz sonora
Das estrelas do Azul e hora por hora
Na Natureza virginal palpita.

Um ser desdenha das fatais poeiras,
Dos miseráveis ouropéis mundanos
E de todas as frĂ­volas cegueiras…

Ele passa, atravessa entre os humanos,
Como a vida das vidas forasteiras
Fecundada nos prĂłprios desenganos.

Fado de contas

Eu nĂŁo quero chegar em casa nunca,
a caminho, no abrigo do teu colo,
sonhando… no balanço do automĂłvel,
que nos leva a um destino inalcançável.

O tempo pára, o espaço cristaliza-se,
e o carro Ă© lar, e leito, e colo, e beijo…
No ocaso de teu beijo, eu me infinito
e esqueço da procura em que me perco.

De encontro aos vidros, saltam fachos vários,
como se objetos de desejos vastos,
onde meus gestos não se satisfaçam.

Aproxima-se o instante em que me apeio,
vai a carruagem, dobra a esquina, e sigo
noctĂ­vago das horas – a teus passos.

Noitinha

A noite sobre nĂłs se debruçou…
Minha alma ajoelha, põe as mãos e ora!
O luar, pelas colinas, nesta hora,
É água dum gomil que se entornou…

Não sei quem tanta pérola espalhou!
Murmura alguĂ©m pelas quebradas fora…
Flores do campo, humildes, mesmo agora.
A noite, os olhos brandos, lhes fechou…

Fumo beijando o colmo dos casais…
Serenidade idĂ­lica de fontes,
E a voz dos rouxinĂłis nos salgueirais…

Tranquilidade… calma… anoitecer…
Num ĂŞxtase, eu escuto pelos montes
O coração das pedras a bater…

TĂŁo Simples Este Amor

TĂŁo simples este amor nasceu… NĂłs nem notamos
que era amor e afeição que aos poucos nos prendia…
O amor, – Ă© aquela flor que engrinalda dois ramos
aos esponsais de luz do sol de cada dia!

Dois ramos, – eu e tu, – e as horas desfolhamos
numa doce, irrequieta e impensada alegria,
– e assim vamos vivendo, e a viver, acenamos
sonhos verdes aos céus azuis da fantasia!

TĂŁo simples este amor nasceu… Tal como nasce
um beijo em tua boca, um riso em tua face,
uma estrela no cĂ©u… ou uma flor de um botĂŁo.. .

Nem era necessário mesmo eu te falar,
se já o tens transformado em luz no teu olhar,
e eu, já o sinto a cantar, dentro do coração!

O cisne, quando sente ser chegada

O cisne, quando sente ser chegada
A hora que põe termo a sua vida,
MĂşsica com voz alta e mui subida
Levanta pela praia inabitada.

Deseja ter a vida prolongada
Chorando do viver a despedida;
Com grande saudade da partida,
Celebra o triste fim desta jornada.

Assim, Senhora minha, quando via
O triste fim que davam meus amores,
Estando posto já no extremo fio,

Com mais suave canto e harmonia
Descantei pelos vossos desfavores
La vuestra falsa fé y el amor mio.

Lamento

Um diluvio de luz cae da montanha:
Eis o dia! eis o sol! o esposo amado!
Onde ha por toda a terra um sĂł cuidado
Que nĂŁo dissipe a luz que o mundo banha?

Flor a custo medrada em erma penha,
Revolto mar ou golfo congelado,
Aonde ha ser de Deus tĂŁo olvidado
Para quem paz e alivio o céo não tenha?

Deus Ă© Pae! Pae de toda a creatura:
E a todo o ser o seu amor assiste:
De seus filhos o mal sempre Ă© lembrado…

Ah! se Deus a seus filhos dá ventura
N’esta hora santa… e eu sĂł posso ser triste…
Serei filho, mas filho abandonado!

Aos Vindouros, se os Houver…

VĂłs, que trabalhais sĂł duas horas
a ver trabalhar a cibernética,
que não deixais o átomo a desoras
na gandaia, pois tendes uma ética;

que do amor sabeis o ponto e a vĂ­rgula
e vos engalfinhais livres de medo,
sem peçários, calendários, Pílula,
jaculatĂłrias fora, tarde ou cedo;

computai, computai a nossa falha
sem perfurar demais vossa memĂłria,
que nĂłs fomos prĂ qui uma gentalha
a fazer passamanes com a histĂłria;

que nĂłs fomos (fatal necessidade!)
quadrĂşmanos da vossa humanidade.

CrepĂşsculo

Alada, corta o espaço uma estrela cadente.
As folhas fremem. Sopra o vento. A sombra avança.
Paira no ar um languor de mística esperança
e de docĂşra triste, inexprimivelmente.

Ă€ surdina da luz irrompe, de repente,
o coro vesperal das cigarras. E mansa,
E marmórea, no céu, curvo e claro, balança,
entre nuvens de opala, a concha do crescente.

Na alma, como na terra, a noite nasce. É quando,
da recĂ´ndita paz das horas esquecidas,
vĂŁo, ao luar da saudade, os sonhos acordando…

E, na torre do peito, em plácidas batidas,
melancolicamente o coração chorando,
plange o réquiem de amor das ilusões perdidas.

Mea Culpa

NĂŁo duvido que o mundo no seu eixo
Gire suspenso e volva em harmonia;
Que o homem suba e vá da noite ao dia,
E o homem vá subindo insecto o seixo.

NĂŁo chamo a Deus tirano, nem me queixo,
Nem chamo ao céu da vida noite fria;
NĂŁo chamo Ă  existencia hora sombria;
Acaso, Ă  ordem; nem Ă  lei desleixo.

A Natureza Ă© minha mĂŁe ainda…
É minha mĂŁe… Ah, se eu Ă  face linda
NĂŁo sei sorrir: se estou desesperado;

Se nada há que me aqueça esta frieza;
Se estou cheio de fel e de tristeza…
É de crer que só eu seja o culpado!

Piano De Bairro

Na rua sossegada onde moro, – Ă  tardinha,
quando em sombras o céu lentamente escure,
– um piano solitário, em surdina, – parece
acompanhar ao longe a tarde que definha…

Nessa hora, em que de manso a noite se avizinha,
seus acordes pelo ar tem murmĂşrios de prece…
– Ah! Quem nĂŁo traz como eu tambĂ©m, na alma sozinha,
um piano evocativo que nos entristece?

Há sempre um velho piano de bairro, esquecido
na memĂłria da gente, – e que nas tardes mansas
sonoriza visões de outrora ao nosso ouvido.

Seus monĂłtonos sons, seus estudos sem cor,
repetem no teclado branco das lembranças
o inconcluso prelĂşdio de um longĂ­nquo amor!

A JoĂŁo De Deus

Se Ă© lei, que rege o escuro pensamento,
Ser vĂŁ toda a pesquisa da verdade,
Em vez da luz achar a escuridade,
Ser uma queda nova cada invento;

É lei também, embora cru tormento,
Buscar, sempre buscar a claridade,
E sĂł ter como certa realidade
O que nos mostra claro o entendimento.

O que há de a alma escolher, em tanto engano?
Se uma hora crê de fé, logo duvida;
Se procura, sĂł acha… o desatino!

SĂł Deus pode acudir em tanto dano:
Esperemos a luz duma outra vida,
Seja a terra degrêdo, o céu destino.

NĂŁo te ArruĂ­nes, Alma, Enriquece

Centro da minha terra pecadora,
alma gasta da prĂłpria rebeldia,
porque tremes lá dentro se por fora
vais caiando as paredes de alegria?

Para quĂŞ tanto luxo na morada
arruinada, arrendada a curto prazo?
Herdam de ti os vermes? Na jornada
do corpo te consomes ao acaso?

NĂŁo te arruĂ­nes, alma, enriquece:
vende as horas de escĂłria e desperdĂ­cio
e compra a eternidade que mereces,

sem piedade do servo ao teu serviço.
Devora a Morte e o que de nós terá,
que morta a Morte nada morrerá.

Tradução de Carlos de Oliveira

O Ăšltimo NĂşmero

Hora da minha morte. Hirta, ao meu lado,
A idĂ©ia estertorava-se… No fundo
Do meu entendimento moribundo
jazia o Ăşltimo nĂşmero cansado.

Era de vĂŞ-lo, imĂłvel, resignado,
Tragicamente de si mesmo oriundo,
Fora da sucessĂŁo, estranho ao mundo,
Com o reflexo fĂşnebre do Increado:

Bradei: – Que fazes ainda no meu crânio?
E o último número, atro e subterrâneo,
Parecia dizer-me: “É tarde, amigo!

Pois que a minha ontogĂŞnica Grandeza
Nunca vibrou em tua lĂ­ngua presa,
NĂŁo te abandono mais! Morro contigo!”

CastelĂŁ da Tristeza

Altiva e couraçada de desdém,
Vivo sozinha em meu castelo: a Dor!
Passa por ele a luz de todo o amor …
E nunca em meu castelo entrou alguém!

CastelĂŁ da Tristeza, vĂŞs? … A quem? …
– E o meu olhar é interrogador –
Perscruto, ao longe, as sombras do sol-pĂ´r …
Chora o silĂŞncio … nada … ninguĂ©m vem …

CastelĂŁ da Tristeza, porque choras
Lendo, toda de branco, um livro de horas,
Ă€ sombra rendilhada dos vitrais? …

À noite, debruçada, plas ameias,
Porque rezas baixinho? … Porque anseias? …
Que sonho afagam tuas mĂŁos reais? …

Encantamento

Quantas vezes, ficava a olhar, a olhar
A tua dĂ´ce e angelica Figura,
Esquecido, embebido num luar,
Num enlêvo perfeito e graça pura!

E á força de sorrir, de me encantar,
Deante de ti, mimosa Creatura,
Suavemente sentia-me apagar…
E eu era sombra apenas e ternura.

Que inocencia! que aurora! que alegria!
Tua figura de Anjo radiava!
Sob os teus pés a terra florescia,

E até meu proprio espirito cantava!
Nessas horas divinas, quem diria
A sorte que já Deus te destinava!

Joropo Para Timples E Harpa

Em duas asas prontas para o vĂ´o
assim se foi em par a minha vida
e com rilhar de dentes me perdĂ´o
trilhando as horas nuas na medida

Bilros tecendo rendas amarelas
bordando em vão um tempo já remoto
no sol dos girassĂłis da cidadela
canto um recanto que me faz devoto

A dor que existe em mim raiz que medra
no rastro mais sombrio as minhas luas
talvez nĂŁo fora SĂ­sifo ou a pedra

que encontro todo dia pelas ruas
ao revirar as heras nessa redra
trilhando na medida as horas nuas