Deus Do Mal
Espírito do Mal, ó deus perverso
Que tantas almas dúbias acalentas,
Veneno tentador na luz disperso
Que a própria luz e a própria sombra tentas.Símbolo atroz das culpas do Universo,
Espelho fiel das convulsões violentas
Do gasto coração no lodo imerso
Das tormentas vulcânicas, sangrentas.Toda a tua sinistra trajetória
Tem um brilho de lágrima ilusória,
As melodias mórbidas do Inferno…És Mal, mas sendo Mal és soluçante,
Sem a graça divina e consolante,
Réprobo estranho do Perdão eterno!
Sonetos sobre Luz
465 resultadosSolemnia Verba
Disse ao meu coração: Olha por quantos
Caminhos vãos andámos! Considera
Agora, desta altura, fria e austera,
Os ermos que regaram nossos prantos…Pó e cinzas, onde houve flor e encantos!
E a noite, onde foi luz a Primavera!
Olha a teus pés o mundo e desespera,
Semeador de sombras e quebrantos!Porém o coração, feito valente
Na escola da tortura repetida,
E no uso do pensar tornado crente,Respondeu: Desta altura vejo o Amor!
Viver não foi em vão, se isto é vida,
Nem foi demais o desengano e a dor.
O Grande Sonho
Sonho profundo, ó Sonho doloroso,
Doloroso e profundo Sentimento!
Vai, vai nas harpas trêmula do vento
Chorar o teu mistério tenebroso.Sobe dos astros ao clarão radioso,
Aos leves fluidos do luar nevoento,
Às urnas de cristal do firmamento,
Ó velho Sonho amargo e majestoso!Sobe às estrelas rútilas e frias,
Brancas e virginais eucaristias
De onde uma luz de eterna paz escorre.Nessa Amplidão das Amplidões austeras
Chora o Sonho profundo das Esferas
Que nas azuis Melancolias morre…
Enlevo
Da doçura da Noite, da doçura
De um tenro coração que vem sorrindo,
Seus segredos recônditos abrindo
Pela primeira vez, a luz mais pura.Da doçura celeste, da ternura
De um Bem consolador que vai fugindo
Pelos extremos do horizonte infindo,
Deixando-nos somente a Desventura.Da doçura inocente, imaculada
De uma carícia virginal da Infância,
Nessa de rosas fresca madrugada.Era assim tua cândida fragrância,
Arcanjo ideal de auréola delicada,
Visão consoladora da Distância…
Enquanto outros Combatem
Empunhasse eu a espada dos valentes!
Impelisse-me a acção, embriagado,
Por esses campos onde a Morte e o Fado
Dão a lei aos reis trémulos e ás gentes!Respirariam meus pulmões contentes
O ar de fogo do circo ensanguentado…
Ou caíra radioso, amortalhado
Na fulva luz dos gládios reluzentes!Já não veria dissipar-se a aurora
De meus inúteis anos, sem uma hora
Viver mais que de sonhos e ansiedade!Já não veria em minhas mãos piedosas
Desfolhar-se, uma a uma, as tristes rosas
D’esta pálida e estéril mocidade!
Soneto De Luz E Treva
Ela tem uma graça de pantera
no andar bem comportado de menina
no molejo em que vem sempre se espera
que de repente ela lhe salte em cimaMas súbito renega a bela e a fera
prendeo cabelo, vai para a cozinha
e de um ovo estrelado na panela
ela com clara e gema faz o diaEla é de Capricórnio, eu sou de Libra
eu sou o Oxalá velho, ela é Inhansã
a mim me enerva o ardor com que ela vibraE que a motiva desde de manhã.
— Como é que pode, digo-me com espanto
a luz e a treva se quererem tanto…
Soneto V
Eu cantarei de amor tão novamente,
Se me ouve aquela de quem sempre canto,
Que de mim dor e magoa, e dela espanto
Terá a mais fera, inculta e dura gente.E ela que assi tão crua e indinamente
Dura aos meus choros é, surda ao meu canto,
Algüa parte crerá (se não for tanto
Como eu desejo) do que esta alma sente.Mas como esperarei achar piedade
De mim nem em mim mesmo, se ela nega
(Não peço brandos já) duros ouvidos?Se nega um volver de olhos com que cega
A luz e dá só escuro claridade,
Como serão meus danos nunca cridos?
A um Poeta
Tu que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno.Acorda! É tempo! O sol, já alto e pleno
Afugentou as larvas tumulares…
Para surgir do seio desses mares
Um mundo novo espera só um aceno…Escuta! É a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! São canções…
Mas de guerra… e são vozes de rebate!Ergue-te, pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!
Ninho Abandonado
À distinta família Simas, pela morte de seu chefe,
o Ilmo. Sr. João da Silva Simas.O vosso lar harmônico e tranqüilo
Era um ninho de luz e de esperanças
Que como abelhas iriadas, mansas,
Nos vossos corações tinham asilo.Havia lá por dentro tanta crença
E tanto amor puríssimo, cantando,
Que parecia um largo sol faiscando
Por majestosa catedral imensa.Agora o ninho está desamparado!
Sumiu-se dele o pássaro adorado,
O mais ideal dos pássaros do ninho.Não se ouve mais a música sonora
Da sua voz — dentro do ninho, agora,
Paira a saudade como um bom carinho.
Diálogo
A cruz dizia à terra onde assentava,
Ao vale obscuro, ao monte áspero e mudo:
— Que és tu, abismo e jaula, aonde tudo
Vive na dor e em luta cega e brava?Sempre em trabalho, condenada escrava.
Que fazes tu de grande e bom, contudo?
Resignada, és só lodo informe e rudo;
Revoltosa, és só fogo e horrida lava…Mas a mim não há alta e livre serra
Que me possa igualar!.. amor, firmeza,
Sou eu só: sou a paz, tu és a guerra!Sou o espírito, a luz!.. tu és tristeza,
Oh lodo escuro e vil! — Porém a terra
Respondeu: Cruz, eu sou a Natureza!
Noites Amadas
Ó noites claras de lua cheia!
Em vosso seio, noites chorosas,
Minh’alma canta como a sereia,
Vive cantando n’um mar de rosas;Noites queridas que Deus prateia
Com a luz dos sonhos das nebulosas,
Ó noites claras de lua cheia,
Como eu vos amo, noites formosas!Vós sois um rio de luz sagrada
Onde, sonhando, passa embalada
Minha Esperança de mágoas nua…Ó noites claras de lua plena
Que encheis a terra de paz serena,
Como eu vos amo, noites de lua!
Freira
Em teu calmo semblante e em teu olhar parado
há perdido – bem sei – um mistério qualquer…
– quem sabe se pecaste… e se foi teu pecado
quem te fez esquecer que és bela e que é mulher…Hoje es santa… O passado passou — é passado…
– dele já não terás uma ilusão sequer,
e o amor que se tornou funesto e amargurado,
sepultas no silêncio… e em teu árduo mister…Mais à frente está a vida… a vida humana e bela!
– teu presente é uma prece; teu passado: um poema;
teu futuro: um rosário, um altar, uma cela…Evadida do mundo – ao ver-te, à luz do dia
– não sei se te admiro a renúncia suprema,
ou se lastimo a tua imensa covardia!
Fim do Dia
Aquieta-se o silêncio na folhagem,
que em árvores teceu amor antigo;
sobressalto transposto da viagem
que o dia rumoroso fez consigo.O coração, que é sombra na paisagem,
dá às palavras vãs outro sentido;
e é murmúrio desfeito na aragem,
que do entardecer recolhe abrigo.Ares assim se fazem de uma luz
que torna como baço o sol poente;
e o coração à estrema se reduz,
como o dia se volve mais ausente.Recolhem-se as palavras no vagar
que dia nem fulgor nos podem dar.
A Um Epilético
Perguntarás quem sou?! – ao suor que te unta,
À dor que os queixos te arrebenta, aos trismos
Da epilepsia horrenda, e nos abismos
Ninguém responderá tua pergunta!Reclamada por negros magnetismos
Sua cabeça há de cair, defunta
Na aterradora operação conjunta
Da tarefa animal dos organismos!Mas após o antropófago alambique
Em que é mister todo o teu corpo fique
Reduzido a excreções de sânie e lodo,Como a luz que arde, virgem, num monturo,
Tu hás de entrar completamente puro
Para a circulação do Grande Todo!
As Minhas Mãos
As minhas mãos magritas, afiladas,
Tão brancas como a água da nascente,
Lembram pálidas rosas entornadas
Dum regaço de Infanta do Oriente.Mãos de ninfa, de fada, de vidente,
Pobrezinhas em sedas enroladas,
Virgens mortas em luz amortalhadas
Pelas próprias mãos de oiro do sol-poente.Magras e brancas… Foram assim feitas…
Mãos de enjeitada porque tu me enjeitas…
Tão doces que elas são! Tão a meu gosto!Pra que as quero eu – Deus! – Pra que as quero eu?!
Ó minhas mãos, aonde está o céu?
…Aonde estão as linhas do teu rosto?
Equu (Para O Poeta Rafael Courtoisie)
Nos astros me perdia logo cedo
enquanto a luz vestia-me de noites.
Então chorava no meu ombro o enredo
grave galope breve com seus coices.As éguas do destino cospem medos
sabendo-me alazão de muitas foices,
ou pangaré lunar dos meus degredos.
Por isso perseguiam-me nas noitesàquelas mais escuras sem estrelas
nas quais sou presa fácil sem que fosse
porque flechando verbos sei contê-las.Não eram éguas mouras dos desertos
senão potrancas férteis com seus roces
estas que vinham mansas muito perto.
Alma Fatigada
Nem dormir nem morrer na fria Eternidade!
Mas repousar um pouco e repousar um tanto,
Os olhos enxugar das convulsões do pranto,
Enxugar e sentir a ideal serenidade.A graça do consolo e da tranqüilidade
De um céu de carinhoso e perfumado encanto,
Mas sem nenhum carnal e mórbido quebranto,
Sem o tédio senil da vã perpetuidade.Um sonho lirial d’estrelas desoladas
Onde as almas febris, exaustas, fatigadas
Possam se recordar e repousar tranqüilas!Um descanso de Amor, de celestes miragens,
Onde eu goze outra luz de místicas paisagens
E nunca mais pressinta o remexer de argilas!
Amargura
Só podes me ofertar o silêncio e a amargura,
– meu pobre amor de ti só espera a indiferença…
Perdoa o meu amor… perdoa-me a loucura
que quem tem, como eu tenho, um coração, não pensa…Há muito pela vida eu seguia à procura
de alguém que viesse encher de luz minha descrença…
Foi então que te vi… e julguei que a ventura
pudesse ainda encontrar nesta jornada imensa…E foi assim que um dia eu fui sentimental…
Acreditei no amor… E, talvez por castigo
fizeste-me sofrer – mas não te quero mal…Quem amou, fui eu só… Eu nunca fui amado!…
Mereço a minha dor, e este sofrer bendigo
na amargura cruel de me julgar culpado!
Carta às Estrellas
Ninguem soletra mais vossos mysterios
Grandes letras da Noute! sem cessar…
Ó tecidos de luz! rios ethereos,
Olhos azues que amolleceis o Mar!…O que fazeis dispersas pelo ar?!…
E ha que tempos ha já, fogos siderios,
Que ides assim como uns brandões funereos
Que levaes o Deus Padre a sepultar?!Ha que tempos, dizei! – Ha muitos annos?…
E, com tudo, astros santos, deshumanos,
A vossa luz é sempre clara e egual!Ha muito, que sois bons, castos, brilhantes!…
– Mas, tambem… ó crueis! sempre distantes…
Como dos nossos braços o Ideal!
A Lanterna
O sabio antigo andou pelas ruas d’Athenas,
Com a lanterna accesa, errante, à luz do dia,
Buscando o varão forte e justo da Utopia,
Privado de paixões e d’emoções terrenas.Eu tambem que aborreço as cousas vãs, pequenas
E que mais alto puz a sã Philosophia,
Ha muito busco em vão–ha muito, quem diria!
O mais cruel ideal das concepções serenas.Tenho buscado em balde, e em vão por todo o mundo;
Esconde-se o ideal no sitio mais profundo,
No mar, no inferno, em tudo, aonde existe a dôr!…De sorte que hoje emfim, descrente, resignado,
Concentrei-me em mim só, n’um tedio indignado,
E apaguei a lanterna – É só um sonho o Amor!