Jura
Pelas rugas da fronte que medita…
Pelo olhar que interroga — e não vê nada…
Pela miséria e pela mão gelada
Que apaga a estrela que nossa alma fita…Pelo estertor da chama que crepita
No ultimo arranco d’uma luz minguada…
Pelo grito feroz da abandonada
Que um momento de amante fez maldita…Por quanto há de fatal, que quanto há misto
De sombra e de pavor sob uma lousa…
Oh pomba meiga, pomba de esperança!Eu t’o juro, menina, tenho visto
Cousas terriveis — mas jamais vi cousa
Mais feroz do que um riso de criança!
Sonetos sobre Momentos
66 resultadosPára-me de Repente o Pensamento
Pára-me de repente o pensamento
Como que de repente refreado
Na doida correria em que levado
Ia em busca da paz, do esquecimento…Pára surpreso, escrutador, atento,
Como pára m cavalo alucinado
Ante um abismo súbito rasgado…
Pára e fica e demora-se um momento.Pára e fica na doida correria…
Pára à beira do abismo e se demora
E mergulha na noite escura e friaUm olhar de aço que essa noite explora…
Mas a espora da dor seu flanco estria
E ele galga e prossegue sob a espora.
Vinho
Do amor tu não dirás: provo, mas não me embriago,
que não basta provar para sentir o amor.
É preciso sorvê-lo até o último trago
se a embriaguez é que dá seu profundo sabor.Teu amor deve ter profundidade e cor
não deve ser um sonho doentio e vago,
se assim for, então sim, podes te dar por pago
que este é o preço da vida e todo o seu valor.Transborda a tua taça, ergue-a nas mãos, e brinda
o momento feliz que viveste e não finda,
que só o amor que embriaga e que nos leva a extremospode glorificar os sentidos e a vida,
e vencendo a razão que nos tolhe e intimida,
nos faz reaver, de pronto, as horas que perdemos!
Ah! Os Relógios
Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios…Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida – a verdadeira –
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém – ao voltar a si da vida –
acaso lhes indaga que horas são…
Soneto V – À Sra. Marieta Landa
Disseste a nota amena d’alegria,
E, arrebatado então nesse momento
De um doce, divinal contentamento,
Eu senti que minh’alma aos céus subia.Disseste a nota da melancolia,
Negra nuvem toldou-me o pensamento;
Senti que agudo espinho virulento
Do coração as fibras me rompia.És anjo ou nume, tu que desta sorte
Trazes o peito humano arrebatado
Em sucessivo e rápido transporte?!Anjo ou nume não és; mas, se te é dado
No canto dar a vida, ou dar a morte,
Tens nas mãos teu Porvir, teu bem, teu fado.
Soneto de Separação
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Soneto Para Eugênia
O tempo que te alonga todo dia
é duração que colhes na paisagem,
tão distante e tão perto em ventania,
sitiando limites na viagem.Desse mar que se afasta em maresia
o vago em teu olhar se faz aragem
nas vagas que se vão em vaga via
vigia de teus pés no vão das margens.E o fio da teia vai fugindo fosco,
irreparável névoa pressentida
nos livros que não leste, nesses poucosmomentos que sobravam da medida.
Angústia de ponteiros, sol deposto,
no tédio das desoras foge a vida.Vida que bem mereces por inteiro,
e é pouca a que te dou de companheiro.
Que Hei De Fazer ?
Por certo havia rastros e pegadas
pelos caminhos onde me perdi,
e colhi rosas brancas e encarnadas
que se despetalaram por aí.Quantos tudos julguei, que foram nadas,
quanto amor batizei que não senti,
– até o momento em que as encruzilhadas
se desencruzilharam – rumo a ti.Que hei de fazer? Farei tudo que possa
para que aceites a felicidade
que depende de ti para ser nossa…Pode ser tudo estranho e paradoxal;
julgas que foste a última, e em verdade
foste a primeira e única afinal.
Meus Olhos, Atentai no Meu Jazigo
Meus olhos, atentai no meu jazigo,
Que o momento da morte está chegado;
Lá soa o corvo, intérprete do fado;
Bem o entendo, bem sei, fala comigo:Triunfa, Amor, gloria-te, inimigo;
E tu, que vês com dor meu duro estado,
Volve à terra o cadáver macerado,
O despojo mortal do triste amigo:Na campa, que o cobrir, piedoso Albano,
Ministra aos corações, que Amor flagela,
Terror, piedade, aviso, e desengano:Abre em meu nome este epitáfio nela:
“Eu fui, ternos mortais, o terno Elmano;
Morri de ingratidões, matou-me Isabela.”
O Anjo De Pernas Tortas
A um passe de Didi, Garrincha avança
Colado o couro aos pés, o olhar atento
Dribla um, dribla dois, depois descansa
Como a medir o lance do momento.Vem-lhe o pressentimento; ele se lança
Mais rápido que o próprio pensamento
Dribla mais um, mais dois; a bola trança
Feliz, entre seus pés – um pé-de-vento!Num só transporte a multidão contrita
Em ato de morte se levanta e grita
Seu uníssono canto de esperança.Garrincha, o anjo, escuta e atende: – Goooool!
É pura imagem: um G que chuta um o
Dentro da meta, um 1. É pura dança!
Soneto Sentimental À Cidade De São Paulo
Ó cidade tão lírica e tão fria!
Mercenária, que importa – basta! – importa
Que à noite, quando te repousas morta
Lenta e cruel te envolve uma agoniaNão te amo à luz plácida do dia
Amo-te quando a neblina te transporta
Nesse momento, amante, abres-me a porta
E eu te possuo nua e frígida.Sinto como a tua íris fosforeja
Entre um poema, um riso e uma cerveja
E que mal há se o lar onde se esperaTraz saudade de alguma Baviera
Se a poesia é tua, e em cada mesa
Há um pecador morrendo de beleza?
Soneto Amoroso Defendendo o Amor
SONETO AMOROSO DEFENDENDO O AMOR
É gelo abrasador, fogo gelado,
é ferida que dói e não se sente,
é um sonhado bem, um mal presente,
é um breve descanso fatigado;é um sossego que nos dá cuidado,
um cobarde com nome de valente,
solitário andar por entre gente,
um amar nada mais que ser amado;é uma liberdade encarcerada,
que dura até ao último momento;
doença que piora se é tratada.Este o menino Amor, o seu tormento.
Vede a amizade que terá com nada
o que em tudo vai contra o seu intento!Tradução de José Bento
Aspiração
Meus dias vão correndo vagarosos
Sem prazer e sem dor, e até parece
Que o foco interior já desfalece
E vacila com raios duvidosos.É bela a vida e os anos são formosos,
E nunca ao peito amante o amor falece…
Mas, se a beleza aqui nos aparece,
Logo outra lembra de mais puros gosos.Minh’alma, ó Deus! a outros céus aspira:
Se um momento a prendeu mortal beleza,
É pela eterna pátria que suspira…Porém do presentir dá-me a certeza.
Dá-ma! e sereno, embora a dor me fira,
Eu sempre bendirei esta tristeza!
A Brevidade da Vida
MANIFESTA-SE A PRÓPRIA BREVIDADE DA VIDA, SEM PENSAR E COM PADECER, ASSALTADA PELA MORTE
Foi sonho ontem: será amanhã terra;
pouco antes, nada; pouco depois, fumo;
e destino ambições, até presumo
nem um momento o cerco que me encerra.Breve combate de importuna guerra,
p’ra defender-me, sou perigo sumo;
quando com minhas armas me consumo,
menos me hospeda o corpo, que me enterra.Foi-se o ontem; amanhã é esperado;
hoie passa, e é, e foi com movimento
que me conduz à morte despenhado.Enxadas são a hora e o momento;
pagas por minha pena e meu cuidado,
cavam em meu viver meu monumento.Tradução de José Bento
Sofredora
Cobre-lhe a fria palidez do rosto
O sendal da tristeza que a desola;
Chora – o orvalho do pranto lhe perola
As faces maceradas de desgosto.Quando o rosário de seu pranto rola,
Das brancas rosas do seu triste rosto
Que rolam murchas como um sol já posto
Um perfume de lágrimas se evola.Tenta às vezes, porém, nervosa e louca
Esquecer por momento a mágoa intensa
Arrancando um sorriso à flor da boca.Mas volta logo um negro desconforto,
Bela na Dor, sublime na Descrença.
Como Jesus a soluçar no Horto!
Espectros
Espectros que velais, enquanto a custo
Adormeço um momento, e que inclinados
Sobre os meus sonos curtos e cansados
Me encheis as noites de agonia e susto!…De que me vale a mim ser puro e justo,
E entre combates sempre renovados
Disputar dia a dia à mão dos Fados
Uma parcela do saber augusto,Se a minh’alma há-de ver, sobre si fitos,
Sempre esses olhos trágicos, malditos!
Se até dormindo, com angústia imensa,Bem os sinto verter sobre o meu leito,
Uma a uma verter sobre o meu peito
As lágrimas geladas da descrença!
A Morte
Oh! que doce tristeza e que ternura
No olhar ansioso, aflito dos que morrem…
De que âncoras profundas se socorrem
Os que penetram nessa noite escura!Da vida aos frios véus da sepultura
Vagos momentos trêmulos decorrem…
E dos olhos as lágrimas escorrem
Como faróis da humana Desventura.Descem então aos golfos congelados
Os que na terra vagam suspirando,
Com os velhos corações tantalizados.Tudo negro e sinistro vai rolando
Báratro abaixo, aos ecos soluçados
Do vendaval da Morte ondeando, uivando…
Marília
Ó Marília! Ó Dirceu! Eram dois ninhos
Os vossos corações, ninhos de flores;
Mas, entre os quais, sentíeis os rigores
Lacerantes de incógnitos espinhos;Tremiam, como em flácidos arminhos,
Promiscuamente, neles os amores,
As saudades, os cânticos, as dores,
Como uma multidão de passarinhos…O sulco profundíssimo que traça
Nos corações amantes a desgraça,
Ambos nos corações traçados vistes,Quando os vossos olhares, no momento,
Cruzaram-se, do negro afastamento,
Marejados de lágrimas e tristes…
Insatisfeito
Quem ler os versos meus onde há certa tristeza
e certo desencanto suave e contrafeito,
poderá num momento pensar, com certeza,
que trago inutilmente um coração no peito!…E que vivo afinal inquieto e insatisfeito
de paixão em paixão… de surpresa em surpresa,
– como um rio a mudar o curso do seu leito
sem saber aonde o arrasta a própria correnteza!E acertará talvez, – pois falta essa mulher
que consiga escrever seu nome em minha vida
sem deixar no passado outro nome qualquer…Falta-me um grande amor… Falta-me tudo em suma!
E sinto a alma vazia, estranha e incompreendida
por ter amado tantas sem amar nenhuma!
Curta Pavana
O dorso que se curva arco elegante
desenha na memória a leve dança
da bailarina grácil, celebrante
de rito sedutor, que me balançatoda vez que me vejo tão distante,
torcendo meus desejos na lembrança
dos momentos vividos, no constante
aprendizado vasto da mudança.Posto que a vida corre em curtas curvas,
transitória paisagem, vário atalho
que vai modificando linhas turvas.Mutante claridade me agasalha:
no casulo do gozo de sussurros
sei-me bicho saído dessa malha.